Hannover Xavi. Um treinador brasileiro de 31 anos, com o nome bastante peculiar, iniciou sua trajetória jogando nas categorias de base de Ceará e Tiradentes e hoje trabalha exatamente na formação de atletas, mas como treinador do York City FC, clube da National League (quinta divisão inglesa).
Antes de continuar com a história, é preciso esclarecer o nome inusitado desse personagem. O treinador cearense se chama, na verdade, Hannover Xavier, e não há um motivo esclarecedor aparente. Ele conta que seu pai apenas gostava da palavra que batiza a cidade alemã (Hannover). Já a alcunha “Xavi” surgiu de sua experiência, com uma escolinha de futebol do Cruzeiro, na Tailândia.
— O tailandês é difícil para falar um nome “de boca cheia”. Tanto é que lá todo mundo tem um nickname (apelido) bem curtinho. Eu peguei o meu nome do meio, que é Xavier, e tive a ideia de usar o “Xavi”, pois é fácil de falar e de entender. E tem o Xavi Hernández também. Por ele ter sido uma lenda no Barcelona e voltando agora como treinador, era fácil para os asiáticos em geral associarem do que falar Hannover ou fazer trocadilho com o inglês de hangover (ressaca).
Xavi é apaixonado por futebol desde criança, frequentando as arquibancadas como torcedor fanático do Ceará. Jogou no sub-15 do próprio Vozão e do Tiradentes. Até que, aos 17 anos, percebeu que seria muito difícil se tornar profissional. “Quando vi que muito dos meus amigos, muito melhores do que eu, não conseguiam fazer a transição do sub-20 para o profissional, então, decidi fazer Educação Física”.
Hannover ingressou na Universidade Federal do Ceará e se formou em 2013. Na época, estagiava com futebol e futsal como auxiliar-técnico do time da UFC. Ele recebia uma bolsa de R$ 400 e atuava também no Núcleo de Futebol da faculdade, que conciliava futebol 7, futebol de areia e futsal.
— A gente tentou integrar todas as modalidades e aplicar uma metodologia só, respeitando as diferenças. Foi algo bem inovador no Brasil, tinha apenas um pessoal no Sul fazendo isso. E o nosso professor era do Rio Grande do Sul. Ele levou essa ideia para a UFC e tivemos resultados incríveis, porque era muito difícil competir em um nível universitário contra particulares que davam bolsas para atletas. Conseguimos classificar a UFC para o Jubs (jogos universitários) três vezes seguidas, depois de 15 anos. Até hoje tem esse programa lá.
Em 2015, Xavi deixou a universidade e conheceu a Next Academy, uma agência de intercâmbio de futebol que prepara atletas que querem ir para os Estados Unidos. Junto com três colegas, Hannover tinha como objetivo oferecer treino de futebol e aulas de inglês via plataforma online. Nesse emprego, o educador físico começou a ter contato direto com vários treinadores norte-americanos.
Ida ao Cruzeiro
Em 2017, o Cruzeiro entrou em sua vida. Mesmo estando em Fortaleza, ele viajava muito para o Rio de Janeiro, onde ficava a sede da Next Academy, e se encontrava com alguns mineiros de Belo Horizonte. Após um “showcase” em Angra dos Reis, com vários treinadores norte-americanos e brasileiros assistindo, Hannover conheceu Jonathas Cândido, que precisava de um técnico para uma unidade da Raposa na Tailândia.
O Cruzeiro tem um projeto internacional, com algumas escolinhas espalhadas ao redor do mundo, incluindo Estados Unidos, Rússia e Peru. Mas onde o clube tem essa presença mais forte é na Ásia, mais especificamente na Tailândia. Jonathas já estava trabalhando na unidade tailandesa há cinco anos e só levava treinadores brasileiros para lá. Assim, escolheu Xavi.
— É uma escola altamente pautada não só no futebol. Eles têm um programa de tênis sensacional, natação e de golfe. O futebol gerou muito resultado quando o pessoal do Cruzeiro foi para lá. Então, eles começaram a investir. Hoje, lá tem cinco treinadores brasileiros. Eu era o único intruso, todo o resto era de Minas. Mas foi onde eu tive minha primeira chance de trabalhar internacionalmente. Tínhamos uma estrutura que, eu digo sem exagero, tem clube do Ceará que não tem. Era bizarro.

York City
Xavi gostava de sua vida na Tailândia, mas tudo mudou quando sua noiva, Charlotte Helen, engravidou. Ela é britânica, natural de York — cidade muralhada no nordeste da Inglaterra que foi fundada pelos antigos romanos e com uma população de pouco mais de 150 mil habitantes. O casal decidiu se mudar para o Reino Unido para ter maior segurança na gestação e para a criança. De mãos atadas, Hannover entregou seu currículo para alguns times e o York City foi o primeiro a abrir as portas para ele.
O treinador brasileiro, no entanto, ainda não conseguiu seu visto de trabalho na Inglaterra. Ele conta que é muito difícil conseguir o documento para trabalhar com futebol, principalmente quando não se é jogador ou treinador da categoria profissional. Até pouco tempo, Hannover tinha apenas o visto de turista, mas com o nascimento de sua filha, conseguiu um permanente, como família. Ainda assim, o York City gostou muito do seu currículo. Após uma entrevista, Xavi deu duas semanas de treino para o sub-12 da equipe como um teste, o que agradou os empregadores.
— Só posso começar de forma oficial quando tiver meu visto. Está previsto para sair em novembro, porém já estou registrado na FA com eles como voluntário. Quando fui para a seleção tinha outros cinco treinadores ingleses, mas gostaram do meu currículo por ser mais variado e pelo fato de eu ser brasileiro.
O York City joga no York Community Stadium, estádio com uma estética histórica, mas que foi modernizado com algumas reformas. Porém, a arena ainda não perdeu a estrutura clássica inglesa, com postes ao longo das arquibancadas. O centro de treinamento, onde Xavi trabalha com o sub-12, também treina todas as categorias, inclusive o profissional. O clube de futebol, no entanto, o divide com um time de rugby da cidade. O CT conta com seis campos, dois pequenos e quatro grandes.
Xavi é apaixonado pela metodologia de periodização tática, que nasceu na Universidade do Porto e que vem sendo aplicada com sucesso por vários treinadores portugueses. O mais ilustre talvez seja José Mourinho. Esse método é pautado na tomada de decisão do jogador no menor tempo possível e é treinada em quatro fases: organização defensiva, transição ofensiva, organização ofensiva e transição ofensiva. O atleta precisa entender o que ele deve fazer em cada uma dessas fases do jogo.
— Os pequeninos do York City ainda têm dificuldade de entender, então vamos quebrando em joguinhos pequenos, com campo reduzido. Eu tento simular um exercício de transição para eles num quadrado menor em que eles terão que tirar a bola da zona de pressão de alguma forma e eu tento fazer com que eles entendam que aquele joguinho é perfeitamente aplicado para um jogo grande. Toda semana trabalhamos um princípio e uma fase de jogo diferentes.

Respeito pelo Brasil
Xavi conta que, quando foi para a Tailândia, ficou muito surpreso com o tanto que o país e todo o sudeste asiático gostavam de futebol, principalmente dos jogadores brasileiros. Na Inglaterra, já se esperava tamanho interesse pelo esporte, mas o respeito dos ingleses pelos brasileiros também surpreendeu Hannover.
— (Quando cheguei na Inglaterra) eu não sabia qual impressão eles teriam de mim. Eles têm um imenso respeito, nos veem com um outro nível de futebol. Não importa se o momento é o melhor ou não, mas eles sempre veem com bons olhos o futebol brasileiro. No meu primeiro treino no CT do York City, eles já sabiam quem eu era. O coordenador da base, que me avaliou, falou para as crianças que estava vindo um treinador brasileiro e que o nome dele era Xavi. Quando cheguei, estava todo mundo empolgado, foi muito legal. Perguntaram se eu conhecia o Neymar e os outros jogadores.
Para Xavi, a principal diferença entre o futebol praticado no Brasil e na Inglaterra é que um é mais tático e o outro é mais físico. “Mas isso vem mudando. Nos amistosos que tivemos tem sempre um ou dois que tenta um drible, uma caneta, algo sul-americano, que, para mim, veio da nossa cultura de rua e do futsal. O inglês ainda está descobrindo o que é futsal”.
Profissional no futuro?
Xavi tem a licença da FA para ser treinador e tenta tirar a licença tipo C da Uefa, que lhe permitirá trabalhar com a base até o sub-18 em qualquer clube europeu. Ele não esconde sua vontade de trabalhar no futebol profissional, mas reconhece que é novo e não quer começar de uma forma precoce.
— Quando você é um ex-atleta, é outra história, tem uma reputação. Se não der certo no primeiro trabalho, pode dar certo no segundo, como foi o caso do Lucho González com o Ceará no ano passado. Um cara que não tem nome no futebol, tem que saber a hora certa para dar o passo e não queimar etapas.
Apesar de ser brasileiro, Hannover não pensa em voltar para o país para trabalhar com futebol, mas não descarta nenhuma possibilidade, principalmente pensando no networking que já construiu em Belo Horizonte e Fortaleza.
— Eu tenho vários amigos no Cruzeiro que já falaram que se eu quiser trabalhar lá ‘a gente acha alguma coisa para você'. Eu vejo com bons olhos para o futuro, porque eu gostaria de voltar para o Brasil por um ano ou dois anos para dar um pouco de Brasil à minha filha.