Quando Wolverhampton e Manchester United davam as cartas no futebol inglês

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Rivais em um dos duelos pelas quartas da Copa da Inglaterra a ser disputado neste sábado, Wolverhampton e Manchester United viveram juntos um período marcante de suas histórias ao longo da década de 1950, quando dividiram o domínio do futebol inglês.

Cada qual valorizando um estilo, mas com muitas coincidências e traços em comum. Se os dois clubes cumpriram trajetórias distintas desde então, o duelo atual faz evocar aquele período em que concentraram em Old Trafford e Molineux parte significativa do poder e das taças.

Foto: Reprodução Pinterest

Para começar, basta dizer que os dois clubes foram os maiores campeões da liga naquela década. Se o United triunfou em 1952, 1956 e 1957, os Wolves responderam levantando ali seus três títulos ingleses (1954, 1958 e 1959).

Na FA Cup, por outro lado, tiveram seus melhores resultados justamente nas margens daquele período. O Wolverhampton conquistou a taça em 1949 e 1960, enquanto os Red Devils foram vitoriosos em 1948, além de finalistas em 1957 e 1958.

Histórias entrelaçadas

Mesmo quando se transcende as ilhas britânicas e se fala no pontapé inicial para a criação e popularização das copas continentais, é obrigatório mencioná-los. O Manchester United foi o primeiro time inglês a se aventurar (e chegar longe) na Copa dos Campeões.

E, antes disso, a criação do torneio havia sido motivada pela lendária série de amistosos promovidos pelos Wolves contra equipes europeias e sul-americanas, aproveitando seus recém-instalados refletores em Molineux, bem como seu autoproclamado “título mundial” simbólico.

Os dois também foram comandados por treinadores históricos do futebol inglês: Matt Busby no Manchester United e Stan Cullis no Wolverhampton. Cada um ao seu estilo. Busby preferia um futebol mais envolvente, enquanto Cullis pregava um jogo mais direto, de bola longa.O técnico dos Wolves, no entanto, não chegava a abrir mão da qualidade de jogadores como Peter Broadbent, meia-direita habilidoso e ídolo de infância de um certo torcedor do clube e futuro astro dos Red Devils: George Best.

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Mas o que mais distinguia o time de Matt Busby naquele período era preferência pelos talentos jovens formados no próprio clube, os chamados “Busby Babes”.

Para isso, contavam com a estrutura oferecida pelo Manchester United Junior Athletics Club, fundado por professores locais durante a Segunda Guerra e voltado precisamente para receber e abrigar esses garotos.

Como um certo Duncan Edwards, nascido em Dudley, a poucos quilômetros do estádio dos Wolves, time pelo qual torcia, mas que estava destinado a se tornar uma lenda em Old Trafford.

Outro tema em que as histórias dos dois clubes se cruzam diz respeito aos jogadores de futebol como celebridades – e aqui, a primazia cabe aos Wolves.

Foto Reprodução Allsport/Getty Images

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Muitas décadas antes de David Beckham e George Best se estabelecerem como astros midiáticos, houve Billy Wright, zagueiro e capitão do time.

Wright vestiu unicamente a camisa do Wolverhampton por toda a sua carreira de 20 anos (entre 1939 e 1959). Foi o primeiro jogador no mundo a completar 100 jogos por sua seleção. Além disso, foi segundo lugar na Bola de Ouro da revista France Football em 1957 (só atrás de Alfredo Di Stéfano).

Em 1958 um ano antes de encerrar a carreira, casou-se com a cantora Joy Beverley, do então famoso trio vocal inglês Beverley Sisters, levando seu cotidiano para as revistas de celebridades.

O duopólio na liga

Antes de se alternarem na conquista do título, Manchester United e Wolverhampton bateram na trave algumas vezes. Nas cinco primeiras temporadas da liga os Red Devils ficaram com o vice-campeonato em quatro. Na outra, foi a vez dos Wolves.

Assim, o confronto mais decisivo desse período acabou vindo na FA Cup, nas semifinais da edição de 1948-49, quando o Wolverhampton venceu o replay em Goodison Park por 1 a 0, gol de Sammy Smith a quatro minutos do fim, e avançou para levantar a taça na final contra o Leicester.

Três anos depois, o United enfim saiu de uma fila de 41 anos e conquistou a liga pela terceira vez em sua história. Naquela temporada, os Wolves fizeram campanha para lá de modesta e ficaram em 16º lugar, sendo facilmente derrotados nos dois confrontos, ambos por 2 a 0.

O principal rival dos Red Devils foi o Arsenal, que acabou goleado por 6 a 1 em Old Trafford na última rodada, numa rara decisão de título em confronto direto na liga inglesa.

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Na temporada seguinte, porém, foi a vez do Manchester United decepcionar ao defender seu título, ficando apenas em oitavo lugar, com saldo de gols negativo.

Em parte, aliás, devido às duas pesadas derrotas sofridas diante dos Wolves, que ficaram em terceiro. Em Molineux, no início de outubro de 1952, o time de Stan Cullis sapecou um 6 a 2 sobre os Red Devils, arrematado com um 3 a 0 em pleno Old Trafford, quatro meses depois.

Foto: Reprodução Charles Buchan's Football Monthly/Soccer Attic

O primeiro título dos Wolves viria na temporada 1953-54, na qual superariam na reta final os rivais locais do West Bromwich Albion, dirigidos por Vic Buckingham e líderes por grande parte da campanha.

Já no ano seguinte, o time de Stan Cullis oscilou demais e acabou superado por um surpreendente Chelsea.

Mesmo assim, o Wolverhampton seria apontado como sério candidato a recuperar seu título na temporada seguinte, a de 1955-56. Porém, vinha tendo um começo de campanha um tanto acidentado até o início de outubro, quando foi a Old Trafford.

Com um time renovado em relação aos campeões de 1952, o Manchester United era considerado muito jovem para brigar pela taça. Além disso, também apresentava resultados irregulares até ali.

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Naquele 8 de outubro, porém, os Red Devils bateram os Wolves num jogo épico, que redefiniu sua rota. Os comandados de Stan Cullis chegaram a estar vencendo por 2 a 1 e depois por 3 a 2.

Mas o United reagiu, empatou novamente e, a dois minutos do fim, chegou à virada antológica numa cabeçada poderosa de Tommy Taylor após escanteio. O time alcançou a liderança na virada do ano e não olhou mais para trás, levantando o título com dois jogos por fazer.

O Wolverhampton terminaria em terceiro, com os mesmos 49 pontos do vice Blackpool – mas 11 atrás do campeão Manchester United, que faria campanha ainda melhor na temporada seguinte.

Nem mesmo as disputas paralelas da FA Cup (na qual chegaram à final) e da Copa dos Campeões (quando foram semifinalistas) atravancaram a azeitada máquina dos Red Devils na corrida pelo título.

O time perdeu apenas seis de seus 42 jogos e marcou 103 gols, terminando oito pontos à frente de Tottenham e Preston – e 16 acima dos Wolves, que ficaram em sexto.

Foto: Manutd.com

Após o bi dos Red Devils, o bi dos Wolves

Com a conquista, o Manchester United se tornava o segundo time inglês a conquistar a liga em anos consecutivos desde o fim da Segunda Guerra.

Desde então e até 2018, apenas três outros clubes conseguiram repetir o feito. Um deles seria justamente os Wolves nas duas temporadas seguintes. A primeira delas, porém, marcada por uma tragédia: o desastre aéreo de Munique, que dizimou o elenco do United.

O time de Matt Busby começou arrasador, com cinco vitórias elásticas e um empate nos seis jogos iniciais. Mas logo depois começou a tropeçar com frequência, e disto se aproveitaram os Wolves, que enfileiraram uma série invicta de 18 jogos entre setembro e a rodada de Boxing Day.

No meio dela, uma vitória de 3 a 1 sobre os Red Devils em Molineux Mas em janeiro, o United já mostrava sinais de recuperação. Diminuiu a desvantagem para os Wolves de dez para seis pontos.

E, após bater o Arsenal num eletrizante 5 a 4 em Highbury, tinham pela frente os Wolves em Old Trafford dali a uma semana. Dois dias antes, porém, houve a tragédia.

Depois de perder a maioria de seu elenco no desastre aéreo em Munique e ter de levar a campo um time emergencial para completar seu calendário, o Manchester United venceu apenas uma de suas 14 partidas restantes pela liga.

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Quando o confronto com os Wolves, remarcado para 21 de abril, finalmente foi realizado já não havia mais nada em jogo. O time de Stan Cullis havia acabado de assegurar o título – e venceu sem dificuldade por 4 a 0.

Naquela temporada, os Wolves igualariam os 103 gols marcados pelo Manchester United na campanha anterior e iniciariam uma sequência de quatro campeonatos superando a marca de 100 gols anotados.

Os números sublinhavam a força ofensiva da equipe mesmo com seu estilo de jogo mais objetivo do que atrativo. E este poder de fogo seria novamente o diferencial na campanha do título de 1959.

O Manchester United, de modo surpreendente e pelo menos por aquela temporada, conseguiu se reerguer. Se candidatou a brigar pelo caneco no terço final da campanha, chegando a derrotar o Wolverhampton por 2 a 1 em Old Trafford em fevereiro.

Os Wolves também cresceram ao longo da temporada, assumindo a liderança na rodada de Boxing Day após começo oscilante – no qual um dos pontos altos fora uma goleada de 4 a 0 sobre os Red Devils.

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Da metade de janeiro até o fim da temporada, o time de Stan Cullis perdeu apenas um jogo – justamente aquele para o Manchester United. A equipe acumulou nada menos que 13 vitórias em 17 partidas, não dando chance aos perseguidores.

E marcou 110 gols sofrendo apenas 49, o ataque mais positivo e a defesa menos vazada da competição, na última temporada em que contou com o capitão Billy Wright comandando sua retaguarda.

Foto: Wolves.co.uk

A última conquista dos Wolves no período – seu segundo título da FA Cup – viria na temporada 1959-60. Eles quase fariam a dobradinha, depois de disputar palmo a palmo o título da liga numa briga a três com Tottenham e Burnley.

Na campanha seguinte, o time de Stan Cullis ainda alcançaria um bom terceiro lugar, atrás dos Spurs, campeões, e do Sheffield Wednesday.

Daí em diante, os dois clubes experimentariam um rápido declínio, até a temporada 1964-65, que marcaria decisivamente a história de ambos. Os Wolves seriam rebaixados, encerrando uma longa permanência de 32 anos na elite.

Enquanto isso, o Manchester United conquistaria a liga, alicerçando uma base formada por nomes como Nobby Stiles e a chamada “Santíssima Trindade”, George Best, Bobby Charlton e Denis Law, que mais tarde o levaria ao título europeu.

Emmanuel do Valle
Emmanuel do Valle

Jornalista de Niterói, formado pela Universidade Federal Fluminense e com passagens por Agência EFE, Jornal dos Sports, Lance! e TV Globo. Atualmente, também colaboro com o site Trivela, além de outros projetos. Pesquisador voraz da história do futebol nacional e internacional.