Evidente que o amigo leitor já ouviu falar de algum time bem feio vencer uma competição importante, mundo afora. Muitas vezes a questão se torna uma batalha do mais forte contra o mais fraco. Neste caso, o fraco representava o truculento, o raso, o bruto, enquanto o mais forte simbolizava a técnica, a habilidade e a tradição. O Wimbledon, naquele ano de 1988, se consagrou e brilhou diante do Liverpool.
As campanhas dos finalistas
Começando da terceira fase, os rapazes do Wimbledon (que já virou MK Dons, treinado por Paul Ince e já ganhou outra vertente com o antigo nome) enfrentaram o West Brom por 4-1 na sua estreia, em Janeiro de 1988.
A facilidade que os Wombles tiveram para atropelar os Baggies foi impressionante, embora não tivessem nenhum tipo de reconhecimento pelo bom início.
Era um bando interessante. Repleto de figurões, os Dons contavam com o polêmico e caneleiro Vinnie Jones como volante, o arqueiro Dave Beasant, o zagueiro Terry Phelan, o meia Lawrie Sanchez e os atacantes Dennis Wise e John Fashanu (irmão de Justin Fashanu, que brilhou no Nottingham Forest).
Eram conhecidos como The Crazy Gang, pelo estilo corajoso e imponente de jogo, apelando inclusive para a violência com Jones, em algumas divididas. Disputando a segunda divisão na época, qualquer boa campanha seria louvada.
A locomotiva seguia na competição, desta vez ganhando do Mansfield Town fora de casa, por 2 a 1, avançando para o quinto round, ou oitavas de final. Surpresa? Não, o primeiro passo para deixar os grandes clubes boquiabertos veio mesmo contra o Newcastle, em 20 de fevereiro.
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Com 3 a 1 no placar, em St. James Park, os Dons derrubaram os Magpies e se tornaram o azarão do torneio, que tal como atualmente, é disputado em partidas eliminatórias de uma mão.
Em caso de empate, replay, como ocorreu com Luton Town x QPR e Watford x Port Vale. Luton e Watford, equipe que teve Elton John como presidente entre 1976 e 1987, avançaram.
Sorteado contra os meninos de Sir Elton John nas quartas, o Wimbledon seguiu destemido rumo ao seu objetivo, anotando 2 a 1 no marcador e se credenciando a enfrentar o não menos surpreendente Luton Town, que deixou Hartlepool, Southampton, QPR e Portsmouth pelo caminho.
Na outra semifinal, uma partida histórica e que sempre será lembrada pela tragédia de Hillsborough, entre Liverpool x Nottingham Forest.
Em campo, os Reds de Anfield fizeram 2 a 1. Fora dele, 96 mortos num dos maiores desastres campais que se tem notícia. O mesmo placar se repetiu para Wimbledon e Luton, que alinhavam pela chave mais frágil da competição. Qualquer um deles seria presa fácil para o Liverpool na decisão no Wembley, teoricamente.
Davi, Golias: Wimbledon e Liverpool
Os Reds eram os atuais campeões nacionais. Mantendo a base que foi campeã continental quatro anos antes, os comandados de Kenny Dalglish prometiam exibir o seu melhor futebol afim de não dar chances para o azar, por consequência os rapazes de azul do outro lado.
Esqueceram, no entanto, que a alcunha dos adversários era The Crazy Gang, a gangue dos malucos, que não media esforços para vencer. Era só pressão em cima do lado azul em campo.
A superioridade técnica foi determinante nas ações iniciais. Muitas chances de gol em que Beasant fez milagres. Aldridge tabelou com Houghton e apareceu na pequena área. Quase caído, o goleiro do Wimbledon fez uma defesa em dois tempos.
Falta na esquerda, o nanico Wise botou no meio da área. Sanchez sobe e testa para o ângulo de Grobbelaar, sem chances de reação. 1-0 e a tônica seria pressão intensa por parte do Liverpool, que já via a vaca caminhar lentamente rumo ao brejo.
Administrando bem a vantagem com boa posse de bola e contragolpes perigosos, os azarões da tarde iam se consagrando.
Na segunda etapa, Clive Goodyear fez pênalti infantil em Aldridge com um carrinho por trás, e quase botou tudo a perder. Era a chance que a turma de Dalglish precisava.
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Mal batido pelo mesmo Aldridge, o penal foi fácil para o salto de Beasant, que deu um tapa na pelota, evitando o empate. Repleto de fatos inéditos, o grandalhão do Wimbledon foi o primeiro goleiro a erguer a taça e a defender uma penalidade em decisões da F.A Cup.
Passado o sufoco, era hora dos subestimados erguerem a taça e diante de um Wembley com 98.000 pessoas, terem seu nome gritado pela massa incrédula e rendida ao sucesso de um pequeno.
Pequeno, porém valente. Após o lendário dia de 14 de maio de 1988, apenas Vinnie Jones e Dennis Wise mantiveram a fama. O primeiro, passou por Chelsea, Leeds, Sheffield United e QPR, aposentou e virou ator de filmes de ação, o segundo teve chances no Chelsea em 1990, onde ficou por 11 anos.
O clube, chegou a disputar a Premier League, criada em 1992, inclusive se classificando para a Copa Intertoto de 1995-96, como prêmio pelo nono lugar na temporada anterior. Em 2003, faliu e deu espaço ao MK Dons.
Ficha técnica
Wimbledon: Beasant, Goodyear, Young, Thorn, Phelan, Cork (Cunningham), Jones, Sanchez, Wise, Fashanu, Gibson (Scales). Téc: Bobby Gould
Liverpool: Grobbelaar, Nicol, Gillespie, Hansen, Ablett, Houghton, Spackman (Molby), McMahon, Barnes, Beardsley, Aldridge (Johnston). Téc: Kenny Dalglish
Campanha do Wimbledon
Seis jogos, seis vitórias. 14 gols marcados, cinco sofridos.
Jogos
Terceira fase
Wimbledon 4×1 West Bromwich
Quarta fase
Mansfield Town 1×2 Wimbledon
Oitavas de final
Newcastle 1×3 Wimbledon
Quartas de final
Wimbledon 2×1 Watford
Semifinal
Luton Town 1×2 Watford
Final, 14 de maio de 1988 – Londres, Wembley
Wimbledon 1×0 Liverpool (Sanchez, 37)
Texto originalmente publicado por Felipe Portes no Blog Total Football.