Willian explica ‘não’ a Liverpool e Tottenham e cobra punições a racismo na Europa: ‘Quem tem poder, não faz’

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O brasileiro com mais jogos na Premier League (282), o segundo em assistências (41) e o quinto em número de gols (41). Para muitos, Willian Borges da Silva é o jogador que melhor representou o país em todos os anos de Campeonato Inglês.

O feito é grande se pensar na comparação com nomes com Juninho Paulista, Gilberto Silva, Fernandinho e Roberto Firmino, mas não surpreende para um jogador que, aos 34 anos, segue atuando em alto nível na liga mais difícil do mundo.

A boa forma de Willian, titular do Fulham que faz a melhor campanha desde 2011/12, é a recompensa de uma carreira muito vitoriosa na Inglaterra. Também evidencia que o paulista de Ribeirão Pires, cidade na região do ABC, encontrou sua casa em Londres. A capital da Inglaterra é a sede dos três clubes que ele defendeu no país, o que não é uma coincidência:

Eu amo essa cidade, por isso escolhi jogar aqui.

Jogando em Londres, o brasileiro foi bicampeão da Premier League e ainda venceu uma Copa da Liga, uma Copa da Inglaterra e uma Europa League, todos pelo Chelsea, onde passou sete anos da sua carreira. Ainda viveu o início do Arsenal de Mikel Arteta, um dos times mais encantadores do mundo na atualidade, além de ajudar o modesto Fulham a sonhar com competições europeias em 2023.

Revelado pelo Corinthians, Willian também vestiu as camisas do ucraniano Shakhtar Donetsk e do russo Anzhi. A história de como esteve a uma assinatura de fechar com o Tottenham e os motivos que o levaram a escolher o Chelsea “aos 45 do segundo tempo” são alguns dos temas tocados pelo jogador na segunda parte da entrevista exclusiva concedida via videoconferência, diretamente de Londres, na última quinta-feira (4), à PL Brasil.

Na segunda parte da entrevista exclusiva com Willian, você também vai ler sobre:

  • Falta de medidas contra o racismo na Europa;
  • Melhores jogadores com quem jogou a favor e contra;
  • Seu treinador preferido;
  • O estádio mais intimidador;
  • Como foi trabalhar com Edu Gaspar, Arteta e Martinelli no Arsenal;
  • O auge da carreira no Chelsea.

Confira aqui a primeira parte da entrevista exclusiva de Willian à PL Brasil. Abaixo está a segunda parte:

“Arteta vai ser um dos melhores treinadores do mundo. (Em 2020) já dava para prever o sucesso do Arsenal.”

PL Brasil: Como é ser o jogador brasileiro com mais partidas na história da Premier League?

Willian: Não me sinto o maior brasileiro da história da Premier League, não tenho esse ego. Sou mais um na história que conseguiu conquistar espaço, títulos, e é muito gratificante ser o brasileiro com mais jogos, porque passaram muitos e vários ainda continuam. Me sinto muito feliz e honrado. 

Você jogou no Arsenal de Arteta e Edu Gaspar em 2020/21, quando o clube ainda estava formando o atual elenco que briga pelo título da Premier League com o Manchester City. Já era possível prever que o time teria sucesso duas temporadas depois?

Willian: Dava para prever o sucesso do Arsenal pelo que eles estavam pretendendo desde quando eu estava lá. Fui para lá com o objetivo de continuar vencendo e brigando por títulos, mas infelizmente tive um ano difícil o Arsenal terminou em 8º. O clube estava em transição, de jogadores e outros funcionários. Isso foi difícil para mim, porque eu saí do Chelsea num nível que estava bem acima do Arsenal na época, sempre brigando lá em cima. Mas também sabia que o Arsenal iria se recuperar por conta do modo de trabalhar do Arteta. Digo desde lá que ele vai ser um dos melhores treinadores do mundo, é um cara muito inteligente. Sabia que chegariam longe. Tanto que estão fazendo uma campanha brilhante e jogando muito bem.

Willian com a camisa do Arsenal, em 2021 – Foto: Twitter @Arsenal

Você ainda tem relação com os brasileiros do Arsenal? Ou com outros que também jogam em Londres?

Willian: A gente conversa mesmo quando joga contra, depois do jogo tem aquela resenha no vestiário e no túnel. Durante a semana é difícil porque cada um tem a sua rotina, cada clube é diferente, e tem muitos jogos.

“O meu auge foi no Chelsea, me identifiquei muito. E a relação não mudou depois de Arsenal e Fulham.”

De qualquer forma, sua imagem até hoje é muito ligada ao Chelsea, onde você foi bicampeão inglês e jogou sete temporadas. Seu auge foi no Stamford Bridge?

Willian: Sem dúvidas os melhores anos da minha carreira foram no Chelsea. Foram sete anos de títulos, o clube que mais joguei na carreira e me identifiquei muito. Tenho um carinho muito grande por clube e torcida, e sinto que é recíproco. Foi um tempo magnífico para mim, sempre estava indo para a seleção brasileira. Foi o meu auge. Mas a gente ainda continua com ambição de sempre estar bem aqui no Fulham.

Sua relação com o Chelsea mudou depois de jogar no Arsenal e no Fulham?

Willian: Não mudou. Sinceramente eu achei que iria mudar o sentimento do torcedor do Chelsea, mas sempre que joguei contra, eu vi que não mudou. Fiz um gol no primeiro jogo contra eles, no Craven Cottage, e não comemorei (Fulham 2 x 1 Chelsea, em janeiro último). Fui aplaudido por torcedores do Fulham e do Chelsea.

Mas na volta no Stamford Brigde foi o mais surpreendente (0 a 0, menos de um mês depois). Me aplaudiram desde o aquecimento e, quando eu fui substituído, fiquei impactado pela forma como o estádio levantou, aplaudiu e cantou a minha música. Vai ficar marcado para o resto da vida.

Os m… dos Spurs
Eles compraram seu voo
Mas Willian, ele viu a luz
Ele recebeu a ligação do Abramovich
E veio para o Stamford Bridge
Ele odeia o Tottenham, ele odeia o Tottenham
Ele odeia o Tottenham
e ele odeia o Tottenham”

em tradução livre, a música da torcida do Chelsea para Willian em referência à quase ida para o Tottenham.

https://www.youtube.com/watch?v=ozGepL27TBU&pp=ygUUY2hlbHNlYSB3aWxsaWFuIHNvbmc%3D

Falando nessa história, foi divulgado que você chegou até a fazer exames médicos no Tottenham antes de acertar. Como foi isso?

Willian: É por conta disso que existe a minha música da torcida do Chelsea. A história é a seguinte: quando eu estava no Shakhtar, o primeiro clube que fez uma oferta por mim foi o Chelsea, em 2011. Desde então passei a acompanhar o clube, vi o Drogba, o Terry, fiquei doido pelos Blues e decidi que queria jogar no Chelsea. Virou um sonho. Eles fizeram umas três ofertas e o Shakhtar não liberou. Os ucranianos até diziam: ‘Se chegar nesse valor, nós liberamos’. O Chelsea chegava e nada, isso foi complicado.

Logo depois, o Shakhtar caiu no mesmo grupo do Chelsea na Champions League, e fui jogar contra eles. Fiz dois gols no Stamford Bridge e perdemos por 3 a 2, com um gol nos acréscimos (em novembro de 2012). E, depois do jogo, ganhei uma camisa de um torcedor do Chelsea com meu nome atrás e um ponto de interrogação nas costas. Foi muito legal, tenho essa foto no meu celular até hoje, apesar de nunca mais ter encontrado o torcedor.

Willian posa com a camisa que ganhou do torcedor do Chelsea enquanto ainda era jogador do Shakhtar, em novembro de 2012 – Foto: Arquivo pessoal

Aí, quando chegou 2013, eu já não aguentava mais ficar na Ucrânia, mas o Chelsea tinha desistido. Eu sou muito grato aos ucranianos, mas queria mudar de ares porque estava há cinco anos lá. E, na época, o Anzhi, da Rússia, foi o único clube que se dispôs a pagar a minha multa rescisória, que era 35 milhões de euros. Então resolvi ir para a Rússia em janeiro de 2013 — assinei quatro anos de contrato, achei o projeto do clube legal, joguei com o Eto’o, fomos vice-campeões da Copa da Rússia. Só que no meio do ano o dono do time teve um problema de saúde, decidiu que pararia de investir e venderia os jogadores. E aí começaram de novo as minhas negociações com os ingleses.

— Fui para Londres e apareceram Liverpool e Tottenham interessados. Estava negociando com os dois, nada do Chelsea. E no meu coração o sonho era ir para o Chelsea.

Chegaram propostas dos dois e, como eu queria ficar em Londres, resolvi que iria para o Tottenham. Estava tudo certo, já tinha feito exames médicos, só faltava ir até o centro de treinamento do Tottenham para assinar o contrato. Mas ainda tinha uma insegurança, a cabeça estava em outro lugar. Estava indo para lá com o pensamento no Chelsea. Então, aos 45 do segundo tempo, o Chelsea fez uma oferta. E eu não pensei duas vezes. Era uma coisa que eu queria muito, com todo respeito ao Tottenham, que também é um grande clube, mas o sonho era jogar no Chelsea.

E como você vê a temporada atual do Chelsea, um clube que você tanto gosta, que faz a pior campanha do século na Premier League?

Willian: É difícil ver o clube nessa situação. Imagino que tem sido difícil para torcedores, jogadores e quem está envolvido lá. Mas o Chelsea é um clube gigante, tem tudo para voltar a brigar por títulos, e não tenho dúvidas que no ano que vem eles vão voltar mais fortes.

E por que toda essa admiração por Londres? Qual é a sua relação com a cidade?

Willian: Eu amo essa cidade desde quando eu jogava na Ucrânia. Meu empresário é daqui, eu já vinha para cá passar alguns dias de folga e gostei logo na primeira vez que eu vim. Minha família também ama e pretendo morar aqui quando encerrar a carreira. Por isso que escolho times de Londres para jogar. 

Racismo: “Nós (jogadores) não temos poder para punir ninguém. E quem tem, não faz”

Você mencionou as passagens por Shakhtar, da Ucrânia (entre 2007 e 2012), e por Anzhi, da Rússia (em 2012). Mantém contato com alguém nos países que estão envolvidos na guerra?

Willian: Eu tenho contato com um diretor do Shakhtar lá na Ucrânia e com um cara que foi tradutor quando eu jogava no Anzhi, que virou meu amigo. É uma situação difícil. Eu nem falo disso com eles porque eles se sentem desconfortáveis. É ruim para todos. Mas quando eu joguei por lá não notei nenhuma hostilidade entre eles. Sentia que eles eram irmãos, vizinhos bem próximos. Nunca imaginei que pudesse acontecer uma guerra.

Muitos relatos de brasileiros na Rússia dão conta de episódios de racismo, assim como tem acontecido em outros países da Europa. Você já passou por essa situação?

Willian: Na Ucrânia aconteceu. Não me lembro qual jogo, mas era durante o jogo. Lembro de estar no campo do adversário e ouvir barulhos de macaco da torcida. Até hoje acontece, aconteceu na Rússia também. É uma vergonha acontecer até hoje, na Itália com o Lukaku, com o Vinicius Junior na Espanha. Enquanto quem tem poder não fizer nada, nada vai acontecer. Nós jogadores podemos falar, dar entrevista, postar no Instagram, fazer campanha, mas não temos poder para brecar e punir torcedores e clubes. E quem pode fazer não faz. É lamentável esse tipo de situação.

Bate-bola: os melhores parceiros e adversários

Qual é o melhor com quem você jogou?

Willian: Em times é o Eden Hazard, durante o tempo de Chelsea. Na Seleção é o Neymar.

E o melhor que você enfrentou?

Willian: Messi.

Qual foi o marcador que mais deu trabalho?

Willian: Encontrei alguns bem difíceis. Joguei junto e contra o Thiago Silva, escolheria ele.

E qual é o melhor ambiente de estádio que você já jogou?

Willian: O ambiente mais difícil de jogar e, ao mesmo tempo, gostoso pela atmosfera, é o Anfield, estádio do Liverpool. A torcida fica perto, é difícil jogar. O Camp Nou lotado também, quando o Barcelona está bem, é bem difícil.

Hazard foi, para Willian, o melhor jogador com quem ele atuou no futebol de clubes – Foto: David Klein/Spi / Icon Sport

Por último: qual o melhor treinador que você já teve?

Willian: O melhor treinador que eu tive foi o José Mourinho. O cara que confiou no meu potencial e qualidade quando eu cheguei no Chelsea. Aprendi muito com ele, sem dúvida foi o melhor. E mantemos uma relação até hoje. Sempre conversamos e trocamos mensagens, viramos amigos também. 

Aos 34 anos, dá para dizer que você está mais perto do fim que do início da carreira. Como você avalia sua trajetória no futebol? Faltou alguma coisa?

Willian: Eu conquistei tudo que eu sonhei. Consegui chegar nos objetivos que eu queria desde criança. Tive o sonho de jogar na Europa, conquistar títulos na Europa, jogar na seleção brasileira, jogar Copa do Mundo, ganhar títulos com a Seleção, tudo eu consegui. Só não deu para vencer a Copa. Mas não me arrependo de nada na minha carreira. Foi tudo bem encaminhado, graças a Deus não tive nenhuma lesão séria, então sou muito grato pela carreira que tive até aqui.


O Fulham de Willian volta a campo nesta segunda-feira (08), às 11h (de Brasília), para enfrentar o Leicester. A partida é válida pela 35ª rodada da Premier League.

Fulham
08/05/23 - 11:00

Finalizado

5

-

3

Leicester

Fulham - Leicester

England Premier League - Craven Cottage

Diogo Magri
Diogo Magri

Jornalista nascido em Campinas, morador de São Paulo e formado pela ECA-USP. Subcoordenador da PL Brasil desde 2023. Cobri Copa América, Copa do Mundo e Olimpíadas no EL PAÍS, eleições nacionais na Revista Veja e fui editor de conteúdo nas redes sociais do Futebol Globo CBN.

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