A FA Cup desta temporada tem reservado muitas surpresas. Com vários grandes caindo pelo caminho, times menores vão aparecendo e avançando às fases principais com mais destaque.
Do big-6 da Premier League, por exemplo, apenas seguem vivos nas oitavas Manchester City, Manchester United e Chelsea. E estes dois últimos se enfrentam, ou seja: dos seis melhores do país, no máximo dois chegarão às quartas de final.
Dos 16 garantidos nas oitavas, nove estão abaixo da primeira divisão. Os sete da PL classificados, além de Chelsea, United e City, são Watford, Brighton and Hove Albion, Wolverhampton e Watford.
Dos oito confrontos das oitavas, dois não possuem equipes da PL. Contando com os outros jogos, podemos ter até sete times abaixo da elite nas quartas. Isso aumenta a chance de uma surpresa entre os campeões, o que não acontece há muitos anos.
A última aparição de um time fora da divisão principal na final da FA Cup foi em 2008, com o Cardiff City, que perdeu a decisão para o Portsmouth (na época da PL) por 1 a 0. Mas para remetermos ao último campeão fora do cenário maior, voltamos bem mais.
Em 1979-80, o West Ham, então na segunda divisão, bateu o Arsenal na final e foi o último time abaixo da primeira divisão a vencer a Copa da Inglaterra. E aproveitando o clima de surpresas neste ano, é a história deste West Ham que a PL Brasil relembra agora.
West Ham passava por reformulação após não subir à elite
A temporada 1979-80 era a segunda consecutiva do West Ham na segunda divisão. Os Hammers, que em 1975 haviam conquistado a FA Cup sobre o Fulham e no ano seguinte perderam a final da Copa dos Campeões das Copas Europeias para o Anderlecht, precisaram passar por uma reconstrução.
O treinador era John Lyall, grande lenda do clube. Somando-se os anos de jogador (encurtados por lesões) e na comissão técnica, o inglês ficou 34 anos no Upton Park.
Ele assumiu o cargo em 1974, conquistando a Copa de 1975 já citada, e tinha após a queda de divisão seu maior desafio até então.
Por isso, ele promoveu reformulações no elenco. Algumas das principais contratações foram as do goleiro Phil Parkes, vindo do Queens Park Rangers por 565 mil libras (na época, recorde mundial para um goleiro), e do defensor Ray Stewart, que aos 18 anos foi contratado por 430 mil libras junto ao Dundee United, da Escócia.
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A campanha do West Ham acabou sendo tímida. Com 47 pontos em 42 jogos, os Hammers ficaram na sétima colocação, a seis da zona de classificação. Leicester (campeão), Sunderland e Birmingham foram os três primeiros e promovidos.
Curiosamente, o hoje poderoso e campeão europeu Chelsea amargava a segunda divisão na época. Em 1970, ficou em quarto após uma disputa ferrenha, perdendo a vaga no saldo de gols para o Birmingham.
Apenas na temporada seguinte, 1980-81, o West Ham subiu – e como campeão.
Caminho até a final teve drama, replays e vitórias contra favoritos
Assim como hoje, os principais times da Inglaterra entravam apenas na terceira rodada da Copa. Com isso, o West Ham começou sua campanha em 5 de janeiro de 1980, contra um adversário de peso: o West Bromwich.
Na temporada anterior, os Baggies, sob o comando de Roy Atkinson, ficaram em terceiro lugar na primeira divisão (última grande campanha do time até hoje) e chegaram às quartas da Copa da UEFA.
No confronto da FA Cup com o West Ham, empate em 1 a 1 com atuação monumental do goleiro Phil Parkes e o replay foi forçado. No segundo jogo, em Upton Park, vitória por 2 a 1 e a classificação. Sir Trevor Booking e Geoff Pike marcaram os gols do triunfo.
O time base daquela partida foi: Phil Parkes; Ray Stewart, Paul Brush, Alvin Martin e Frank Lampard Senior (pai da lenda do Chelsea); Paul Allen, Trevor Brooking, Alan Devonshire e Jimmy Neighbour; Geoff Pike e Stuart Pearson.
Na rodada seguinte, duelo contra o Orient, também da segunda divisão, fora de casa. Vitória por 3 a 2, com grande atuação de Ray Stewart, que fez dois gols. Com isso, vaga garantida nas oitavas de final.
O duelo das oitavas foi em 16 de fevereiro, em casa, diante do Swansea. O West Ham vinha em uma sequência de seis vitórias em oito jogos na temporada, e aproveitou o embalo para avançar no mata-mata. Dois a zero, com gols de David Cross e Paul Allen.
Nas quartas de final, pedreira enorme vinda da primeira divisão: Aston Villa. Aquele time dos Villans foi a base do elenco que seria campeão inglês em 1980-81 e europeu em 1981-82.
Por outro lado, o West Ham seguia em sua boa fase – acumulando nove vitórias em doze partidas – e jogaria em Upton Park.
Foi um jogo tenso, pegado e com uma atmosfera incrível da torcida. E quando tudo apontava para um empate e o replay, no finalzinho o abarrotado Upton Park explodiu: escanteio na área, Ray Stewart cabeceou e Ken McNaught desviou com a mão. Pênalti que o próprio Stewart bateu e marcou: grande vitória por 1 a 0 e vaga na semifinal.
E foi justamente na casa dos rivais anteriores, o Villa Park, que o West Ham desceu para a semifinal. Em 12 de abril, confronto contra o Everton, que brigava contra o rebaixamento na primeira divisão.
A preocupação era com a fase que mudara subitamente: os Hammers venceram só um dos sete jogos entre as quartas e a semifinal.
No primeiro tempo, pênalti para o Everton e Brian Kidd abriu o placar. O West Ham teve que correr atrás na segunda etapa e conseguiu: em boa troca de passes, Booking invadiu pela esquerda e encontrou Stuart Pearson livre para marcar e empatar. Fim de jogo, 1 a 1 e replay confirmado – na época ele também existia na semifinal.
Em 16 de abril, replay da semifinal no Elland Road, em Leeds. Empate em 0 a 0 no tempo normal e na prorrogação. No tempo extra, Alan Devonshire fez linda jogada individual e abriu o placar no finalzinho do primeiro tempo para os Hammers.
O segundo tempo foi emoção pura. Aos 11 minutos, Bob Latchford empatou com uma bela cabeçada e foi comemorar no alambrado com os torcedores do Everton. Na época não haviam pênaltis ou limite de replays, então tudo se encaminhava para mais um jogo.
Mas com dois minutos para o fim, cruzamento de Brooking, desvio de David Cross e Frank Lampard deu um peixinho firme no canto direito para matar o jogo. A comemoração do camisa 2, correndo em volta da bandeira de escanteio, marcou época e virou folclore entre os torcedores do West Ham.
A semifinal não precisou de outro replay. Fim de jogo em Leeds, vitória histórica por 2 a 1 sobre o Everton, e o West Ham estava classificado para a final. O adversário seria o atual campeão da Copa da Inglaterra, o Arsenal.
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Com lance que mudou regra de faltas, West Ham sai de zebra a campeão em Wembley
A 99ª final do torneio mais antigo do mundo tinha um favoritismo claro. De um lado o Arsenal, atual campeão da Copa, que esteve nas duas últimas finais e era um dos mais fortes do país.
Do outro, o West Ham, na segunda divisão e apenas em sua sexta partida em Wembley na história. Indiscutivelmente, os Gunners vinham mais bem cotados.
Sábado, 10 de maio de 1980. Dia ensolarado em Londres e um Wembley com atmosfera incrível. O estádio, ainda em sua antiga versão, recebeu 100 mil torcedores para o duelo londrino.
O West Ham de John Lyall foi a campo com: Phil Parkes; Ray Stewart, o capitão Billy Bonds, Alvin Martin e Frank Lampard; Paul Allen, Trevor Brooking, Alan Devonshire e Geoff Pike; David Cross e Stuart Pearson.
Já o Arsenal de Terry Neill entrou na final com: Pat Jennings; o capitão Pat Rice, David O’Leary e Willie Young; Liam Brady, John Devine, David Price, Graham Rix e Brian Talbot; Frank Stapleton e Alan Sunderland.
O começo de jogo mostrou as duas equipes com um senso mais defensivo. O Arsenal já em seu estilo natural, enquanto o West Ham esperando o adversário mais forte. A decisão, porém, teve seu ápice logo no começo.
Logo aos 13 minutos, Devonshire chegou bem pela esquerda e cruzou na área. David Cross chutou da direita, mas a bola desviou em Willie Young e não entrou.
Na sobra, Pearson mandou uma bomba para o meio da área e Trevor Brooking se atirou para cabecear firme na pequena área e abrir o placar.
Os dois times ainda tiveram chances até o fim da primeira etapa, com o Arsenal atacando mais e parando em Phil Parkes e na defesa do West Ham. O jogo foi para o intervalo em 1 a 0 e, no segundo tempo, a tônica foi parecida.
Nem parecia que o West Ham estava na segunda divisão. Os Hammers jogavam com tranquilidade e seguravam bem a partida, enquanto os Gunners se esforçavam para seguir atacando com o tempo passando, mas não criavam grandes oportunidades.
Importante lembrar que, para o Arsenal, pesou o cansaço de fim da temporada. Entre agosto de 1979 e maio de 1980, foram 70 jogos oficiais (42 na liga, 11 na FA Cup, nove na Recopa Europeia, sete na Copa da Liga e um na Supercopa). Um número inimaginável no padrão atual europeu.
Além disso, o time vermelho sofreu para chegar à decisão. Isso porque na épica semifinal contra o Liverpool, foram quatro jogos (a partida inicial e três replays). Contando com as prorrogações dos três primeiros, em um intervalo de 19 dias, foram necessários 450 minutos de duelos até a confirmação da vaga.
Voltando à final, um lance marcante no fim mudaria uma regra no futebol inglês.
O meia Paul Allen, que quebrava o recorde de Howard Kendall como mais jovem na história de uma final da FA Cup (17 anos e 256 dias), recebeu no meio, ganhou da marcação e partiu livre. Eram os minutos finais e ele faria o gol do título do West Ham.
Eis que, na entrada da área, Willie Young deu um carrinho por trás. O zagueiro do Arsenal foi para deliberadamente interromper a jogada e recebeu cartão amarelo. O lance gerou muita discussão na Inglaterra sobre a lealdade e necessidade de uma falta perigosa desta forma.
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Depois de muita polêmica e reclamações de torcedores e imprensa, a FA agiu. Em 1982, foi recomendado aos árbitros que uma infração que impedisse um atacante em condição clara de marcar, sem marcação, deveria ser punida com o cartão vermelho.
A norma ficou conhecida como a “professional foul rule” e foi instituída nas regras do jogo graças àquela final.
Até o fim o Arsenal continuou tendo mais posse de bola e se esforçou muito, mas não teve jeito. Fim de jogo, 1 a 0 para o West Ham. Depois de iniciarem a jornada como zebra, os Hammers superavam a elite e conquistavam a taça pela terceira – e até agora última – vez.
“Ao marcar aos 13 minutos, não imaginava que seria o gol da vitória. Foi um dos grandes momentos da minha carreira. Jogar uma final de Copa é incrível e fazer o gol foi memorável. A atmosfera estava fantástica porque ganhar um jogo como aquele contra o Arsenal foi algo que todos queriam comemorar. É algo que sempre vou lembrar”, afirmou anos depois ao site oficial do West Ham o herói da final, Sir Trevor Brooking.
Depois dali o West Ham teve poucas glórias. Suas melhores campanhas nacionais de lá até hoje foram o título da segunda divisão e o vice da Copa da Liga Inglesa em 1981, o terceiro lugar da primeira divisão em 1986 e o vice da FA Cup em 2006.
Já o Arsenal passou pelo oposto. Depois de um período de vacas magras, o time teve suas grandes glórias logo depois. De 1980 até hoje foram cinco títulos da primeira divisão, oito FA Cups, duas Copas da Liga e o vice-campeonato europeu em 2006.
Mas isso pouco importa para os torcedores do West Ham, que tem aquela ensolarada tarde de maio de 1980 marcada na memória até hoje.
Até porque não é todo dia que um time abaixo da primeira divisão conquista uma glória tão grande.