Não é lá muito comum que diretores técnicos sejam populares ou idolatrados por torcedores. Na realidade, a tendência é que a torcida só lembre deles nos maus momentos. Entretanto, Victor Orta é um caso especial.
Mais do que cumprir seu cargo, o que ele faz como ninguém, Orta conquistou a torcida também pela sua sinceridade e paixão pelo jogo. Em jogos sem torcida, não foi difícil ouvir uma voz rouca gritando tão alto nas arquibancadas que vazava na transmissão.
Mesmo em uma função mais administrativa, o espanhol sempre exalta a torcida. Além de, claro, procurar bons jogadores, ele reforça a importância do plantel ter um perfil que se conecte com os fãs. Um olhar bem Bielsista, aliás.
De onde veio Victor Orta?
Nascido na Espanha, Orta é um apaixonado e maluco por futebol. Daqueles que quando criança não perdia um jogo, colecionava álbuns de figurinhas e ia à porta dos hotéis pedir autógrafos.
Cursou química até o quarto ano, mas sua ligação com o futebol é tão forte que não teve como. Acabou sendo jornalista esportivo. Passou por grandes veículos como Marca e Sky España.
“Um amigo me levou a uma rádio em Valência e comecei a colaborar com a mídia. Posteriormente, com uma agência de representação até que Carlos Suárez me pediu para compartilhar com José Luis Pérez Caminero a gestão esportiva de Valladolid aos 25 anos. Havia jogadores naquele vestiário que eu havia pedido autógrafos”, disse Orta, em entrevista ao jornal AS.
"No futebol, todos têm acesso à informação. A chave é ter o conhecimento que transforma a informação em capacidade para tornar a equipa mais forte" – Victor Orta @LUFC
— Luís Cristóvão (@luis_cristovao) August 26, 2019
Após fazer parte do staff do Valladolid, foi contratado pelo Sevilla, em 2006, para participar da equipe técnica comandada por ninguém menos que Ramón “Monchi”.
O Sevilla ganhou cinco títulos europeus entre 2006 e 2016. O grande momento no campo foi sustentado pelo incrível trabalho dos diretores. O clube detectava talentos “fora do óbvio” e ficava na frente dos concorrentes. Pagava-se mais barato, tinha o rendimento e o lucro era certo na venda.
Monchi era “o cara” dessa equipe de diretores esportivos do Sevilla. Mesmo após vários anos desse trabalho, ele ainda é conhecido como o melhor diretor de futebol do mundo.
Victor Orta saiu do Sevilla em 2013, após passar várias temporadas trabalhando no mais alto nível com incríveis profissionais. Tendo propostas, ele quase foi trabalhar na Juventus.
O caminho até chegar ao Elland Road
No Qatar, Orta passou alguns meses ajudando no recrutamento da liga local antes de aceitar o convite do Zenit, onde até fez um bom trabalho, boas negociações, mas só durou uma temporada.
Em junho de 2014, foi a hora de voltar para a Espanha, trabalhar no Elche. A passagem também foi boa, mas acabou em dezembro de 2015. Com a ajuda do técnico Aitor Karanka, o Middlesbrough contratou Victor Orta.
Sendo espanhol e tendo trabalhado quase toda a vida por lá, a adaptação ao futebol inglês foi bem difícil. Em recente conversa no Scout Talks, ele comentou essa dificuldade.
“Sou espanhol, gosto desse tipo de jogo, posse e cadência. Aqui na Inglaterra se corre 20% a mais que qualquer outra liga do mundo. Então, existem jogadores que não tem perfil pra jogar aqui. Eu precisei entender isso.”
A vida no futebol inglês é complicada e mesmo grandes profissionais sofrem por lá. O Boro ascendeu à Premier League seis meses após a chegada de Orta, mas foi rebaixado na temporada seguinte.
“Conheci o Karanka, que foi o primeiro a me ensinar os segredos do futebol inglês. Fiquei mergulhado em tudo. No ano seguinte fomos rebaixados, mas isso me ajudou muito para esta segunda experiência no Leeds. Cometi muitos erros dos quais aprendi”, avalia Orta, em entrevista ao Jornal AS.
Victor Orta é do Leeds
Há duas décadas, o Leeds United estava fazendo uma campanha histórica na Champions League 2000/2001. Durante a trajetória, a equipe foi jogar duas vezes na Espanha (Real Madrid na segunda fase e Valência na semifinal).
Como bom apaixonado por futebol que é, Orta lembra de acompanhar aquele Leeds e ver das arquibancadas o embate contra o Valência. Foi lá que começou a ligação entre o diretor e os Whites.
Em maio de 2017, quando Ivan Bravo (diretor do clube) sondou o espanhol para o cargo, essa memória afetiva reapareceu. Se sentindo quase em casa, Orta aceitou ser o diretor esportivo do Leeds United.
Thomas Christiansen era o treinador na época. O dinamarquês não teve um bom desempenho e acabou demitido ao final da temporada. Então, com o banco vazio, Orta tinha um bom plano: Marcelo Bielsa.
Não foi a primeira vez que o diretor tentou contratar o argentino. Fã declarado, claro, Orta tentou trazer o treinador para o Sevilla, quando ele acertou com o Athletic.
O futebol, normalmente, é um meio que consome muito dos seus profissionais. É comum que quem trabalhe com futebol acabe vivendo-o 24 horas. É difícil que uma pessoa se destaque por ser tão aficionado e dedicado ao jogo. Bielsa e Victor Orta recebem frequentemente essa alcunha de fanáticos e loucos. Talvez por isso se deem tão bem.
Método Orta
💬 "You're the first permanent member of our promotion winning side to leave us and therefore I felt I should write this open letter to express my thanks."
— Leeds United (@LUFC) October 16, 2020
Quando chegou ao Sevilla com 26 anos, a ideia era, principalmente, aprender. Tendo Monchi como seu professor lá atrás, a influência é clara hoje em dia.
“Foram sete anos de aprendizagem e de inovação. Nunca tive limitações. Monchi é escrito com o ‘M’ para mentor. Ele foi meu mentor. Ainda mantenho a metodologia que tínhamos naquela época. Minimize o risco na contratação de jogadores”, Orta, em entrevista ao AS
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Desde o Sevilla, Orta já encontrou, monitorou ou encontrou dezenas de grandes jogadores. Para citar só alguns que passaram pelo Leeds: Patrick Bamford, Jack Harrison e Ben White. Os três, aliás, foram jogadores que chegaram “sendo ninguém” e hoje em dia valem milhões de euros.
Apesar de usar e gostar muito de usar números e ferramentas de Big Data no seu trabalho, Orta sempre lembra da importância do “feeling” nas contratações. Aquilo que não dá pra explicar.
“Eu acredito muito no modelo misto. Utilizo o Big Data entre 30% e 40% para tomar a decisão, e uso em três maneiras diferentes. Avaliar se aquele nome se encaixa no modelo que nós determinamos pro clube, produzir nomes de ligas onde não temos acessos (não posso botar uma pessoa só pra ver a liga da Islândia, por exemplo). E terceiro, usar para comparar o jogador que já tenho com o que vou trazer.”
No Leeds, a equipe de scouts do diretor é composta por 16 scouts. O trabalho não para durante a temporada toda, mas é intensificado nas janelas de verão e inverno. Segundo Orta, a principal é a de julho. “Na janela de inverno, nós trabalhamos com oportunidades. Como o tempo é curto, nós já temos um radar de nomes feito.”
Aliás, foi assim, com esse método, que o Leeds quase contratou Daniel James em janeiro de 2019. Na última hora, o negócio não deu certo.
A paixão é o segredo
Andrea Radrizzani (dono), Victor Orta (diretor) e Marcelo Bielsa (treinador) são os três nomes mais importantes do Leeds. Em comum? Todos são competentes tecnicamente, mas também são absolutamente loucos pelo o que fazem.
No seu dia-a-dia, por exemplo, Orta gasta por volta de 12 horas trabalhando. Sempre fazendo questão de ter tempo para simplesmente assistir futebol.
“Primeiro passo entre 1 e 2 horas absorvendo informações através da imprensa. Outras 2 horas repassando todos os reportes dos meus scouts, além de umas 2 horas de reuniões. E então deixo a tarde para assistir futebol. Gosto de ter a tarde livre para ver futebol. Informação, conhecimento, interação e juízo técnico.”
Na série recém lançada “Leeds United – Take Us Home”, Victor Orta rouba a cena. Por lá nós podemos ver um pouco do seu trabalho no clube, como ele é dedicado e acaba influenciando em várias áreas do clube, além do seu sofrimento na hora do jogo.
Grita, xinga, pula e chora. Quando o Leeds garantiu a vaga na Premier League, Orta era um dos mais emocionados. Sua paixão pelo jogo e pelo trabalho é tocante. Aliás, talvez isso seja a sua grande força. E por isso ele seja tão bom e tão querido pelas pessoas.
“Ainda resta muito do menino Víctor Orta que foi pedir autógrafos aos jogadores nos hotéis”.