Vickery: Por que Tottenham e Manchester United são muito mais parecidos do que você imagina

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Se você comprar os melhores golfistas, então você é o dono do golfe. Mas o mesmo não se aplica ao futebol. Um esporte coletivo é diferente, especialmente quando tem a capacidade inigualável de fazer as pessoas se sentirem representadas, como é o caso do futebol.

Verdade, hoje em dia tem gente que tem, com a sua primeira conexão com o esporte, uma identificação maior com o jogador de destaque que com o clube. Acontece, e faz parte de estratégias de marketing. Mas é, e sempre será, um extra, um acréscimo. 

O centro do futebol, o seu coração batendo, nunca vai sair da relação entre a torcida e um time, seja clube, seja seleção. Porque a instituição, o coletivo, é capaz de incorporar valores que duram muito mais que uma carreira individual, e poder fazer isso mesmo nas circunstâncias difíceis

Tem um grande exemplo disso no sábado, quando o Tottenham pega o Manchester United na segunda rodada da Premier League.

Os dois clubes estão nas mãos de donos que, para ser polido, têm as suas prioridades questionadas pelas suas torcidas. Ultimamente o desempenho em campo tem sido decepcionante — que não refere somente aos resultados. Com os dois clubes tem uma questão forte do estilo do jogo.

Têm muito a ver, Tottenham e United. Verdade, desde os anos do Alex Ferguson, não tem a menor comparação em termos de títulos conquistados. O United se colocou em outro patamar enquanto Tottenham pagava o preço por má administração no momento exato em que a Premier League estava decolando.

Sem dúvida, o United é maior. Especialmente depois do desastre de avião em Munique em 1958, ganhou uma simpatia geral e virou um clube de dimensões nacionais num país onde isso não acontecia.

Tottenham
19/08/23 - 13:30

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Man Utd

Tottenham - Man Utd

England Premier League - Tottenham Hotspur Stadium

2° Turno

Ainda assim, tem bastante a ver. O United foi o primeiro clube inglês campeão da Europa, vencendo o Benfica por 4 a 1 na final de 1968. Mas cinco anos antes, o Tottenham foi o primeiro a ganhar um título continental, goleando o Atlético Madrid por 5 a 1 para levantar a Recopa.

Os placares são emblemáticos. Vitória apertada, defendendo e só indo na boa… que coisa sem graça! Quem quer ganhar assim? Não, tem que ter uma busca para alguma coisa além, para uma glória maior, uma maneira inesquecível de trazer a taça.

As duas torcidas cantam a música “Glory, Glory…”, um desejo por estilo, qualidade estética, vai fundo no DNA. Sábado, então, é o encontro de o clube historicamente mais glamoroso do Sul contra o clube historicamente mais glamoroso do Norte.

A glória do United é uma criação do lendário técnico Matt Busby, que foi bem explícito naquele que estava querendo. O Manchester é uma cidade industrial e cinzenta. Busby frisava que a missão do clube era fornecer cores e aventuras neste cenário desanimador.

E o Tottenham está longe de ser um bairro nobre de Londres. A tradição do clube se destaca por seu compromisso com “o balé dos operários”. O time de 1950/1 foi revolucionário, um tipo de Guardiola décadas antes do Guardiola.  E o Tottenham de 1960/1 ainda serve como uma referência de qualidade do jogo.

Essas identidades históricas não estão à venda, não importa quem são os donos do clube, nem quem são os jogadores. 

De geração em geração vai passando uma expectativa, uma cobrança para espetáculo de alta qualidade.

Os “reis do pedaço” na década de 1960, os dois foram rebaixados logo em sequência nos anos 1970, e passarem um ano na Segundona. Os caminhos acabaram divergindo com o sucesso do United sobre o comando do Ferguson, mas ultimamente os dois andam juntos, decepcionando a suas torcidas e deixando a impressão que estavam traindo a sua tradição.

Com Ten Hag, o United deu sinais de vida na temporada passada. Depois de anos sombrios, o Tottenham entra em 2023/4 esperando que, mesmo sem Harry Kane, dê para recuperar um pouco do brilho perdido.

E, no sábado, as duas torcidas vão partir para o jogo levando o sonho de ver alguma coisa especial, um lance de magia digno de uma partida entre clubes onde estilo é obrigação.

Tim Vickery
Tim Vickery

Tim Vickery cobre futebol sul-americano para a BBC e para a revista World Soccer desde 1997, além de escrever para ESPN e aparecer semanalmente no programa Redação SporTV. Foi declarado Mestre de Jornalismo pela Comunique-se e, de vez em quando, fica olhando para o prêmio na tentativa de esquecer os últimos anos de Tottenham Hotspur.