Os amistosos de pré-temporada não passam de…… amistosos! Na verdade, a Community Shield também é um amistoso — a não ser que você se chame José Mourinho e está a fim de inflar a sua quantidade de títulos.
Mas a partir de agora, é a real. Não é mais preparação. Agora vale pontos, vale prestígio.
Adoro esses dias. “The big kick off”. No início da temporada, o primeiro fim de semana tem uma magia única, com os jogos banhados pelo sol de verão e o verde do gramado tão brilhante que fica melhor entrar no estádio de óculos escuros. E os dias anteriores também são mágicos. Pertencem a todos. No percurso da temporada, o time A está disputando um título, o time B está brigando para não cair,e o time C está vagando sem grandes pretensões ou perigos no meio da tabela.
Cada um segue seu próprio curso, tem a sua própria narrativa. Mas agora, por enquanto, todos estão unidos num roteiro de uma só emoção — esperança. Sim, os objetivos divergem, cada vez mais. Para alguns, qualquer resultado menos que o título seria decepção. Para outros, o paraíso seria a simples sobrevivência na Premier League.
Mas, nesses dias que antecipam “the big kick off”, lá no fundo — não importa o que eles falam em público, debatendo a temporada com os amigos — lá no fundo todos tem uma chispa de esperança que este ano o seu time vai causar uma surpresa positiva. Autoenganação, claro. Mas uma autoenganação bem necessária, sem isso seria muito difícil levantar da cama.

Acredito que não seja fácil o torcedor brasileiro entender a força total do “big kick off”. E para explicar a minha teoria, vou puxar um exemplo da Argentina.
Viu o filme “Cafe de los Maestros”? Trata-se de um documentário delicioso sobre os velhinhos do tango. Um dos maestros oferece um discurso de grande sabedoria, sobre a importância de uma pausa.
“Quem saiba fazer um bom silêncio,” opina, “vai saber fazer um belo tango.” Sim, porque o silêncio também é um ritmo. A ausência do som amplia o efeito do som que segue. Funciona com a música, e também com o futebol.
Uma pausa — uma ausência do futebol — faz parte do sucesso do futebol.
No Brasil não se entende esse ponto fundamental. A tentativa de ser regional e nacional enche o calendário com um excesso de jogos e uma deficiência de pausas. Trata-se de uma falha grave. Porque é justamente na pausa que cresce o efeito mágico na cabeça e no coração do torcedor. A temporada acabou em maio. A próxima será somente em agosto.
Três meses para esquecer das chatices de 2022/3, e se convencer — mesmo na surdina — que 2023/4 tem coisas melhores para oferecer. Três meses em que cresce o desejo de voltar para o estádio, de cantar as musiquinhas. Em que a tabela dos jogos é estudada com profundidade de material escolar no dia da prova, só que com muito mais prazer. Quando é mesmo que a gente pega o grande rival? Se um amigo escolher casar neste sábado, vai fazer sem a minha presença!
Da mesma forma que o jogo começa quando o torcedor sai da casa — e não quando o juiz apita — a próxima temporada inicia o seu ciclo de vida no dia seguinte da encerramento da anterior. E vai crescendo, crescendo, chegando numa intensidade máxima nos dias do “big kick off”.
No Brasil não temos isso ainda, e não se sabe quando. Por enquanto, as tentativas de formar uma Liga ainda nem estão tocando o assunto do calendário. O “big kick off” não chegou ainda no Brasil. Mas está lá na Inglaterra, firme e forte — embora hoje em dia com os jogos espalhados de sexta até segunda, e não mais com todo mundo indo para o campo às 3 horas da tarde do sábado.
Se perde um pouco, sim, mas são tempos modernos, feitos para a televisão. E com cada vez mais atletas brasileiros na disputa, chegou a hora da verdade, a hora de curtir o fim de semana que pertence a todos os torcedores. Viva o “big kick off”!