A relação entre Roy Hodgson e Crystal Palace é longa e linda — e está ameaçada.
Hodgson é do bairro, cresceu perto do clube no sul de Londres. Iniciou a sua carreira como jogador no Palace, sem poder vingar, e acabou conseguindo muito mais como técnico. Levou o 4-4-2 inglês, compacto e com marcação em zona, numa turnê mundial, com grande sucesso em times da Suécia e com a seleção da Suíça.
Nunca parecia totalmente confortável nos desafios maiores, como Liverpool e a seleção inglesa, mas a carreira dele tem sido sólida e admirável — e fica totalmente apropriado que esteja perto do fim com um desempenho bem razoável no lugar onde tudo começou.
Depois de uma breve experiência talvez excessivamente ambiciosa com o holandês Frank de Boer, o Crystal Palace se voltou para Hodgson em 2017 e conseguiu salvar um time que tinha perdido todos os seus jogos. Ficou por quatro temporadas bastante estáveis, em que o Palace perdeu a fama de clube ioiô, oscilando entre a Premier League e a Championship.
Estava com 73 anos e tomou a decisão de largar o osso. Mas parece que ele sabia que não ia ser definitivo. Passou alguns meses no Watford e, em março do ano passado, com o Palace numa fase tão ruim que o rebaixamento estava mais uma vez assombrando, voltou para o sul de Londres. Levou o clube para a segurança e um muito respeitável décimo primeiro lugar. Então resolveu ficar mais uma temporada.
Agora está com 76 anos. É homem de cultura ampla, que fala vários idiomas e tem usado toda a sua experiência e sabedoria para estabelecer uma ligação com jogadores bem mais de 50 anos mais jovens. Mas está numa situação difícil, que foi deixada bem clara no massacre que o time sofreu contra o Arsenal no último fim de semana. Está fora da FA Cup e com somente uma vitória nos últimos 11 jogos da Premier League. Está ficando preocupante.
Matheus França e a responsabilidade de substituir Zaha, um dos ídolos do Palace
Uma sequência cruel de lesões não ajudou. Mas aposto que essa temporada seria difícil de qualquer maneira. No verão passado, o Crystal Palace perdeu o ponta Wilfied Zaha, na opinião de muitos torcedores o jogador mais habilidoso na história do clube. O marfinense agora atua no Galatasaray, da Turquia. Como substituir uma peça tão importante?
E quem foi o reforço caro que chegou? Matheus França, do Flamengo. Houve uma expectativa entre a torcida, especialmente depois de ver a quantidade gasto com a contratação, que o brasileiro ia ser, desde o início, o novo Zaha, entortando defensores e desequilibrando jogos.
Na maneira em que funciona atualmente o mercado de transferências, os clubes europeus vêm para a América do Sul procurando expectativa muito mais que realidade. O futebol brasileiro não está mais perdendo seus melhores jogadores para a Europa — está perdendo as suas maiores promessas, que acabam desenvolvendo o seu talento no outro lado do Atlântico.
Matheus França cabe claramente dentro desse modelo. Mal teve tempo para se estabelecer como um jogador importante no time do Flamengo. Nos grandes jogos, poucas vezes foi titular, às vezes entrava do banco e nas outras nem participou. Viajou para a Inglaterra ainda na fase inicial de se tornar um jogador profissional de um time da primeira divisão.
Sofreu uma lesão, que atrapalhou bastante. Mas está se esforçando para falar a língua e empenhado para ajudar o time, normalmente do banco. O seu progresso na primeira temporada com o Crystal Palace parece altamente aceitável. Mas, claramente, está ainda longe de estar pronto para preencher o vazio deixado pela perda de Wilf Zaha.
Mas a contratação da França levou uma grande parte do orçamento para transferências no mercado no meio do ano passado. Sem explicações que se tratava de uma compra a longo prazo, ficou inevitável a crença que o jovem brasileiro seria, de imediato, um novo Wilf. E Roy Hodgson tem que pagar o pato.