Vickery: Chelsea é só mais um desafio para Caicedo, assustadoramente completo e símbolo da virada de um país

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Segundo “Fabrizio Romano” e “The Athletic”, Chelsea acertou a contratação de Moisés Caicedo por 115 milhões de libras (cerca de 716 milhões de rais). Equatoriano se torna o jogador mais caro da história do futebol inglês


A minha estreia no rádio da BBC aconteceu em julho de 1997, quando encarei o microfone e declarei que a seleção de Equador estava em pleno crescimento, que por pouco não ia classificar para a Copa da França no ano seguinte, mas que logo estaria lá, ouvindo o seu hino nacional antes de um jogo de um Mundial.

Se todas as minhas previsões fossem tão bem sucedidas, claro que não estaria aqui. Seria o dono da minha própria ilha no Mediterrâneo, apreciando champagne e soprando fumaça de charuto bem na fuça de qualquer um que ousaria me contrariar. 

Aprendi desde então que fica mais seguro fazer previsões somente depois dos fatos, deixando os mistérios do futuro se revelarem enquanto a gente analisa o passado.

De vez em quando, porém, aparece uma coisa certa, aquele cavalo que sem falhar vai ganhar a corrida — e mais uma vez, a narrativa me leva para Equador.

Neste caso, o cavalo se chama Moisés Caicedo. E “cavalo” tem tudo a ver. 

O jovem meio-campista vai desfilando de grande área para grande área com a classe de um puro sangue, com força de pulmão e mudanças de ritmo. 

E também tem a sensibilidade de um jóquei experiente para ler a situação. Participa em todas as fases do jogo — marcando, ganhando a bola, construindo as jogadas (adoro os ângulos que ele acha para dar o passe) e finalizando. É assustadoramente completo, e tem sido assim desde que fez o nome com Independiente del Valle três anos atrás

Com somente 18 anos e quase sem jogar no campeonato local, estava imediatamente em casa jogando a Libertadores de 2020, e a mesma coisa aconteceu mais tarde no ano quando foi convocado para a seleção nas eliminatórias.

Não importa o tamanho do desafio, Caicedo tem sido pronto para pulá-lo com a maior naturalidade.

Clubes da Premier League, claro, estavam prestando atenção. O Manchester United mostrou interesse, mas acabou achando o negócio complexo demais. Abriu espaço por Brighton, que já tinha uma relação com o Independiente del Valle –– contratou o meia atacante Billy Arce, uma compra mal sucedida que ajudou uma outra que acabou sendo sensacional para o clube no campo, e também, parece, para a conta bancária.

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Moisés Caicedo está na mira de Chelsea e Liverpool – Foto: Icon Sport

Na verdade, Moisés Caicedo faz parte do mesmo processo de crescimento do futebol equatoriano que eu tinha identificado em 1997, mais de quatro anos antes de seu nascimento. Abriu mais oportunidades para os afrodescendentes — uma parte pequena da população que hoje em dia fornece a grande maioria dos jogadores da seleção. 

Os investidores que assumiram o Independiente del Valle tinham percebido o processo e, entendendo a sua potencial, resolveram utilizar o clube para aplicar os métodos mais avançados de desenvolvimento de talentos. Moisés Caicedo, lá no clube desde os 13 anos de idade, já tinha sido bastante lapidado antes de cruzar o Atlântico.

Antes da contratação, enquanto o destino dele ainda não estava certo, falei sobre o jogador na televisão inglesa — e recebi uma enxurrada de críticas. Tipo “como pode ser tão bom assim, se o preço nem chega a £5 milhões?”

Bem, daí tem a inteligência da coisa. Como saber se o jovem vai se adaptar à vida e ao futebol num outro ambiente? Obviamente tem um risco envolvido, que se reflete no preço. A tendência normal dos clubes ingleses com jovens sul americanos tem sido a seguinte — esperar até ele seja contratado por um clube de uma outra liga europeia, e uma vez satisfeito com a sua capacidade de adaptação, utilizar a força financeira do Premier League para trazê-lo para a Inglaterra — pagando, claro, bem mais do que gastaria direto da fonte.

Caicedo Brighton Chelsea
Caicedo é o grande nome da janela – Foto: Icon Sport

Mas o Brighton está fazendo diferente.

Comprando direto da América do Sul, paga-se muito menos para um jogador brasileiro ou argentino. Para um atleta do campeonato do Equador, nem se fala. E o clube fez seu dever de casa. Estudou Caicedo como jogador e como ser humano. Fez o investimento e depois soube cuidá-lo. Segurou ele um tempo, aí emprestou para a Bélgica — mas sempre fazendo o jogador se sentir importante, ciente que logo estaria lutando para um lugar entre os titulares. 

E quando lançou, Caicedo mostrou o seu jogo na Premier League com a mesma naturalidade de antes na Libertadores e nas eliminatórias. Agora, com a provável venda para o Chelsea, o Brighton vai fazer um lucro mirabolante.

Mas o grande sucesso agora é seguido por um enorme desafio. Mesmo com tanto dinheiro na conta, não vai ser fácil achar um substituto para Moisés Caicedo. O estoque de “apostas certas” no mundo é bem limitado.

Tim Vickery
Tim Vickery

Tim Vickery cobre futebol sul-americano para a BBC e para a revista World Soccer desde 1997, além de escrever para ESPN e aparecer semanalmente no programa Redação SporTV. Foi declarado Mestre de Jornalismo pela Comunique-se e, de vez em quando, fica olhando para o prêmio na tentativa de esquecer os últimos anos de Tottenham Hotspur.