VAR vence o negacionismo e segue vivo. Até quando?

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O VAR continuará sendo usado pela Premier League. Pelo menos por enquanto. A decisão foi tomada no Encontro Anual dos representantes dos 20 clubes da liga. Para o pedido de acabar com a utilização do árbitro de vídeo ser acatado, era preciso dois terços dos votos, ou seja, 14 dos 20 clubes. Foram dezenove votos a favor da continuidade do VAR. Apenas o Wolverhampton optou pela não permanência da tecnologia.

No mês passado, o Wolves havia solicitado formalmente que o VAR parasse de ser utilizado já na próxima temporada do Campeonato Inglês. A principal justificativa: “o preço que estamos pagando por uma pequena melhora no índice de acertos está prejudicando o espírito do nosso jogo”.

Discordo totalmente da primeira parte da frase, mas concordo com a segunda.

Explico: falar em “pequena melhora no índice de acertos” é uma espécie de negacionismo do futebol. Poderia citar inúmeros exemplos de erros cometidos pelos árbitros que foram corrigidos pelo VAR, mas melhor ficar com as estatísticas, que não mentem.

Tony Scholes, diretor de futebol da Premier League, apresentou um relatório que lista um aumento no acerto das decisões de 82% para 96%. Quase não se erra mais! O problema é que quando se erra, gera-se ainda mais revolta e até teorias de conspiração.

O erro ainda é humano

O lance do Luís Dias contra o Tottenham é um grande exemplo. Visivelmente em posição legal, mas impedimento marcado em campo. Árbitro de vídeo analisou, constatou o erro rapidamente, mas uma falha na comunicação fez com que o gol fosse anulado. Revolta. “O Liverpool é sempre prejudicado”. “O VAR não serve pra nada, precisa ser abolido”.

Pois é, reparem que nesse lance específico, o VAR não alterou a decisão de campo. O erro já teria acontecido sem ele. E a checagem de vídeo chegou na conclusão correta! O problema, como sempre, foi das pessoas operando a tecnologia, não da tecnologia em si.

No mundo de hoje, em que não se pode errar sem ser cancelado, em que um simples deslize faz qualquer um ser julgado como um monstro, o mesmo acontece com o VAR. Técnicos, jogadores e dirigentes, que se apressam para cuspir abelha africana quando se sentem prejudicados, ajudam para esse clima de polêmica constante.

Eu não faço parte desses “julgadores de plantão”. Tenho plena consciência de que é IMPOSSÍVEL acabar com todos os erros no futebol. Assim como no tênis, futebol americano, vôlei. Só que é preciso ser muito do contra para negar que a tecnologia de vídeo fez diminuir radicalmente os enganos cometidos pelo trio de arbitragem.

Em que os Wolves têm razão sobre o VAR?

Chegamos então na segunda parte do argumento dos Wolves: “está prejudicando o espírito do nosso jogo”. Confesso sentir MUITA saudade de quando eu gritava gol sem me preocupar se o lance seria invalidado depois de 2, 3 ou 7 minutos de análise.

A alegria não é mais a mesma. Antes, era só olhar para o bandeirinha correndo pro centro do campo, que em menos de 1 segundo você já sabia que era gol.

Agora, o grito sai com medo. Aquela explosão de sentimentos não existe mais. É com essa parte do pedido do Wolverhampton que eu consigo me relacionar. Vale a pena perder a explosão de alegria em nome do acerto?

Muitas vezes acho que não. Mas então me lembro de um lance específico: quartas de final da Champions League, Manchester City vencendo o Tottenham por 4 a 3. Resultado que garantia os Spurs na semi. No último lance, gol do City. Auxiliar corre, juiz aponta para o meio. Etihad Stadium vai á loucura.

Menos de um minuto depois, o VAR viu um impedimento claro que tinha passado despercebido por todos. Gol anulado. Tottenham avança. Justiça é feita, graças à tecnologia. Não existe nada pior que ver seu time eliminado com um erro crasso de arbitragem. Naquela noite, o VAR impediu que isso acontecesse.

Não acho uma decisão fácil, mas ainda defendo o árbitro de vídeo

E estou otimista com as mudanças que a Premier League fará já na próxima temporada. A principal é a linha de impedimento semiautomática, que vai acelerar e muito o tempo de análise. Haverá explicação dentro do estádio sobre a decisão tomada em todos os lances revisados.

E a Premier League, que desde o início é a liga em que o árbitro de vídeo menos interfere no jogo, vai intensificar ainda mais o “erro claro e óbvio”. Nada de ficar procurando mínimos erros não vistos pelo árbitro de campo. A tendência é de que o VAR atue ainda menos.

Revoltado com o erro que prejudicou seu time? Culpe o juiz, a falta de preparo do trio de arbitragem, os critérios diferentes utilizados a cada partida. Nada disso é culpa do VAR.

Renato Senise
Renato Senise

Renato Senise é correspondente em Londres desde 2016. São mais de cinco temporadas cobrindo Premier League e Champions League. No currículo, duas Copas do Mundo “in loco”, além de entrevistas com nomes como Pep Guardiola, José Mourinho, Juergen Klopp, Marcelo Bielsa, Neymar, Kevin De Bruyne e Harry Kane.