Tottenham x Arsenal: Como uma lasanha estragada levou a rivalidade a outro patamar

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Você não leu errado. Quase 20 anos atrás, uma lasanha estragada se tornou o estopim para aumentar ainda mais a rivalidade entre Tottenham e Arsenal, que se enfrentam neste domingo (28), às 10h (horário de Brasília), pela 35ª rodada da Premier League 2023/24.

O North London Derby já era um dos clássicos mais tradicionais da Inglaterra, mas se tornou ainda mais intenso no fim da temporada 2005/06, na disputa dos Spurs por uma vaga na Champions League.

Como uma lasanha estragada aumentou a rivalidade do North London Derby

Faltando apenas uma rodada para o fim da Premier League 2005/06, o Tottenham superava seu maior rival Arsenal na tabela por um ponto, ocupando o quatro lugar — e, portanto, conquistando a última vaga classificatória para a Champions League. Por isso, os Spurs precisavam de apenas uma vitória para garantir sua vaga sem depender do resultado do rival.

O jogo decisivo seria disputado no Boleyn Ground, antigo estádio do West Ham. Apesar de os times estarem localizados na capital, o elenco do Tottenham normalmente se hospedava no hotel London Marriott West India Quay, por ser mais próximo ao estádio. O time chegou na noite de sábado (6 de maio) para disputar a partida no dia seguinte. Foi então que ocorreu aquilo que se acreditava ser o motivo do resultado no domingo: o jantar no buffet.

Entre as opções no cardápio estavam frango, macarrão, bife e… lasanha. O que aconteceu foi que, na manhã seguinte, todos os 11 jogadores que optaram pela lasanha informaram ao médico do time que passaram mal durante toda a noite. Foram eles: Edgar Davids, Teemu Tainio, Robbie Keane, Michael Dawson, Michael Carrick, Aaron Lennon, Radek Cerny, Calum Davenport, Lee Barnard, Tom Huddlestone e Lee Young-Pyo. 

— Eu estava mal. Me lembro de acordar por volta das 5 horas da manhã e pensar: ‘Nunca acordo para ir ao banheiro nem nada, o que há de errado aqui?’. Entrei no banheiro e coloquei minha cabeça na pia e meu traseiro no vaso sanitário e… bem, não foi nada bonito — relatou Davenport, em entrevista ao The Athletic, em 2020.

— Eu não conseguia sair do banheiro, então liguei para o médico da equipe e expliquei como me sentia. Ele respondeu: ‘Calum, você não é o único, outras pessoas também estão ao telefone’. Recebi algo para me fazer sentir um pouco melhor e depois desci para tomar café da manhã — completou o ex-jogador.

Com essa quantidade de jogadores atingidos pelo mal-estar, o treinador Martin Jol e seu auxiliar técnico chegaram a pedir para atletas que não estavam relacionados se dirigirem ao estádio, na tentativa desesperada de recompor o time. Enquanto isso, a situação no hotel escalava para um cenário caótico.

Daniel Levy, já dono do Tottenham, foi informado e solicitou o adiamento da partida à Premier League. O presidente da PL, Scudamore, que estava a caminho do norte de Londres para o jogo entre Arsenal e Wigan Athletic no antigo Highbury, enviou a advogada e secretária da entidade, Jane Purdon, junto a um médico da FA, ao Marriott para investigar. Nessa altura do campeonato, até a polícia havia sido chamada para para comparecer ao local.

Naquele momento, presumia-se que os jogadores estavam sofrendo uma intoxicação alimentar. O problema é que o boato se espalhou e se tornou espaço fértil para teorias da conspiração.

Michael CARRICK
Michael CARRICK – 27.08.2005 – Chelsea / Tottenham – Premier League Photo : SBI / Icon Sport – Photo by Icon Sport

Alguns acreditavam que o West Ham era o responsável, enquanto outros sugeriam que a proximidade geográfica do elenco do Arsenal, hospedado no Four Seasons — hotel próximo ao do Spurs — também poderia estar por trás. Houve até mesmo a especulação de que o chef do Marriott era torcedor dos Gunners e havia boicotado a lasanha com algum ingrediente estragado.

— Foi uma loucura total. Daniel estava em modo de gestão de crise, conversando muito com a FA e a Premier League. Ele estava tentando convencê-los de que o jogo deveria ser adiado, o que era a coisa óbvia a fazer. A Premier League não aceitou nada disso. Levy pediu a Scudamore que fosse ao hotel do time, mas ele disse que não poderia ir porque estava indo para Highbury para o último jogo lá — relatou Damien Comolli, diretor de futebol do Tottenham na época.

Por volta de meio-dia daquele domingo, o pedido do Tottenham de adiar o jogo das 15h para as 19h (horários de Londres) foi rejeitado. Isso porque a polícia temia o que poderia acontecer se deixasse os torcedores da equipe bebendo por mais sete horas na porta do estádio. Os oficiais sugeriram, então, postergar a partida para as 17h, mas a direção do Tottenham entendia que seria necessário adiar por pelo menos um dia para o time ter condições de entrar em campo.

Havia ainda algumas outras complicações: como era a última rodada, todos os jogos do dia estavam programados para começar no mesmo horário. Por isso, qualquer atraso teria consequências nos outros nove jogos daquela tarde. Somado a isso, há o fato de que o West Ham disputaria a final da Copa da Inglaterra no fim de semana seguinte. Por isso, eles só aceitariam postergar para outra data se fosse depois do fim do torneio.

No fim das contas, o perfeccionismo da organização da Premier League manteve todas essas opções fora de cogitação. Resultado: o laudo do médico da FA que foi enviado ao hotel foi suficiente para convencer a PL de que os Spurs estavam em condições de formar uma equipe suficientemente forte para entrar em campo.

Aos trancos e barrancos, o jogo acabou acontecendo. Carl Fetcher abriu o placar para os Hammers, aos 10 minutos, mas o Tottenham ainda conseguiu arrancar um empate aos 35, com Jermain Defoe. Porém, já no fim do jogo, Yossi Benayoun marcou para o time da casa e encerrou o sonho de vitória dos Spurs. Para aumentar a tristeza dos torcedores, o Arsenal venceu o Wigan por 4 a 2 e garantiu a classificação para a Champions League.

Afinal, a lasanha foi a culpada?

O caso, que ficou conhecido como Lasanha-gate, se encerrou inocentando a cozinha do hotel. Depois do jogo, os atletas do Tottenham fizeram exames de fezes e urina para checar se havia algo de errado com a comida que eles ingeriram.

A Agência de Proteção à Saúde concluiu a investigação, encontrando evidências “completamente negativas” de qualquer intoxicação alimentar no hotel. Mas então, o que estava por trás dos enjoos e vômitos?

Em entrevista na época, Alex Mellanby, consultor em controle de doenças transmissíveis na Unidade de Proteção à Saúde do Nordeste e Centro de Londres, informou que a única descoberta do exame foi “uma amostra positiva de uma das pessoas afetadas que mostrou norovírus, uma forma de gastroenterite viral”. Este é um vírus extremamente contagioso e que, provavelmente, se espalhou rapidamente devido à proximidade entre os jogadores.

De acordo com o The Athletic, atualmente, o Tottenham sempre leva dois chefs “para jogos fora de casa para ajudar a supervisionar os preparativos das refeições nos hotéis”. Eles usam a equipe do hotel para preparar as refeições, mas, assim como a maioria dos clubes, seus próprios chefs supervisionam o processo. Todo esse procedimento é feito para evitar que um novo “lasanha-gate” venha a acontecer.

Maria Tereza Santos
Maria Tereza Santos

Jornalista pela PUC-SP. Na PL Brasil, escrevo sobre futebol inglês masculino E feminino, filmes, saúde e outras aleatoriedades. Também gravo vídeos pras redes e escolhi o lado azul de Merseyside. Antes, fui editora na ESPN e repórter na Veja Saúde, Folha de S.Paulo e Superesportes.