Durante a pré-temporada do Tottenham, o técnico Ange Postecoglou contou, em tom confiante, que “sempre ganha coisas no segundo ano”. A fala otimista até alimentou esperanças em parte da torcida, mas a declaração ficou apenas como promessa.
— Essa é a ideia. O primeiro ano é sobre estabelecer princípios e criar uma fundação. Espero que o segundo ano seja para ganhar coisas — destacou Postecoglou em entrevista à “Sky Sports” em agosto de 2024.
Eliminações na Copa da Liga Inglesa e FA Cup somadas ao péssimo desempenho na Premier League, onde ocupa a péssima 13ª posição. Esse é o cenário desastroso dos Spurs, que tenta salvar a temporada, com a campanha na Europa League.
Mas Postecoglou é o culpado pela péssima temporada do Tottenham? Em partes, sim. Porém, ele não é o grande responsável pelas campanhas decepcionantes dos Spurs.
Daniel Levy, o maior culpado do Tottenham
Desde sua fundação em 1882, o Tottenham se estabeleceu como um dos grandes do futebol inglês ao conquistar títulos.
- Copa da Uefa – 2
- Recopa Europeia – 1
- Campeonato Inglês – 2
- Copa da Inglaterra – 8
- Copa da Liga Inglesa – 4
- Supercopa da Inglaterra – 7
O problema dos Spurs está na virada para o século XXI. Mais precisamente em fevereiro de 2001, quando Daniel Levy adquiriu 27% das ações dos Spurs. Essa porcentagem aumentou para 85,55% em 2007.
Levy passou dois anos tentando comprar o Tottenham. Ele conseguiu fazer a operação somente quando Alan Sugar, então dono do clube, não resistiu à crescente pressão dos torcedores pela má administração dos Spurs.

A falta de ambição de Levy
O que parecia o início de um novo trabalho para o Tottenham se transformou em acúmulo de frustrações. O clube conquistou somente um título no século XXI: a modesta Carabao Cup na temporada 2007/08.
São 24 anos de Levy como presidente. Nesse período, 16 treinadores passaram pelos Spurs e somente um foi campeão, mesmo com a diretoria contratando técnicos consagrados no futebol mundial: Juande Ramos.
O grande erro de Levy é a falta de ambição e definir as prioridades para os Spurs, o que levou a grande seca de títulos. E isso não é alvo de críticas apenas dos torcedores. Técnicos e jogadores já falaram sobre o assunto.
Na temporada 2018/19, uma campanha histórica dos Spurs de Mauricio Pochettino na Champions League. A inédita classificação para a final após a virada contra o Ajax com três gols de Lucas Moura.
Porém, dias antes da final contra o Liverpool, Levy presenteou os jogadores com um relógio de luxo. Esse gesto deixou o ídolo Hugo Lloris indignado, como o próprio revelou em entrevista ao “The Guardian” no ano passado.
— No começo, ficamos animados ao ver as caixas elegantes. Então, nós as abrimos e descobrimos que ele tinha gravado na parte de trás de cada relógio o nome do jogador e ‘Finalista da Liga dos Campeões 2019'. ‘Finalista'. Quem faz uma coisa dessas em um momento como esse? Eu ainda não superei isso, e não estou sozinho.

Em 2023, o técnico italiano Antonio Conte, que havia sido campeão inglês com o rival Chelsea, criticou a falta de ambição de pessoas dentro dos Spurs e isso motivou a sua saída do clube.
— Houve coisas positivas e outras menos positivas, mas a experiência foi maravilhosa. Fizemos nosso melhor e demos tudo que tínhamos. Quando eu cheguei, o time era oitavo ou nono e fomos à Champions League. E aí, neste ano, em quarto lugar, eu decidi separar meu caminho com o do Tottenham porque muitos estavam satisfeitos com o caminho tomado até aquele momento.
Já o experiente José Mourinho deixou os Spurs em 2021 depois de uma sequência negativa de resultados na Premier League. A data? Uma semana antes da final da Copa da Liga Inglesa contra o City, o que encerrou as esperanças dos torcedores de verem o time voltar a ser campeão.

Recentemente, falando à “Sky Sports”, o ex-jogador e comentarista Jamie Redknapp fez fortes críticas a Levy e as prioridades da diretoria em relação ao clube.
— Enquanto eles tiverem (os jogos de) futebol americano e (os shows da) Beyoncé no verão, eles estarão felizes, os donos estarão felizes. Parece um modelo de negócio com o qual todos podem ficar felizes e que pode ser bem-sucedido. Mas isso cria um ambiente vencedor? Eles tentaram fazer as duas coisas, mas não funcionou e não funcionou do jeito que Daniel Levy queria.
Longe do futebol, o Tottenham é elogiado por suas finanças. O especialista em contabilidade no futebol Kieran Maguire acredita que os Spurs são o clube “mais bem administrado da Premier League”.
Além disso, ainda têm um bom modelo de negócio: o Tottenham Hotspur Stadium. O moderno estádio foi construído no lugar do White Hart Lane e passou a ser uma arena multiuso. Além das partidas do clube, o local recebe shows e jogos da NFL.
Protestos e mais protestos da torcida

A paciência do torcedor esgotou, principalmente com Levy, com os jogos dos Spurs marcados por fortes protestos.
As manifestações se intensificaram no final de janeiro, durante a derrota para o Leicester no Tottenham Hotspur Stadium. Gritos de “Levy Out” (“Fora Levy”, na tradução para o português), puderam ser ouvidos no estádio, junto com uma faixa escrito “24 anos, 16 técnicos e 1 troféu. É hora de mudar”.
Antes da partida contra o Manchester United no dia 16 de fevereiro, mais de mil torcedores se reuniram na frente do Tottenham Hotspur Stadium com mais gritos e faixas pedindo a saída de Levy.
Jay Coughlin, um dos organizadores dos protestos, disse à “BBC” que os torcedores estão fartos da forma como o clube é administrado.
— Queremos vencer em campo. Há pontos positivos fora de campo, mas merecemos algo melhor nele. Esses gestores não receberam apoio suficiente e há um histórico com essa propriedade. Para nós, não há mudança com Daniel Levy. Para nós, mudança significa uma mudança na sala de diretoria. Eles mais que quadruplicaram seus investimentos, então é hora de seguir em frente e lucrar.

Postecoglou também é culpado pela temporada do Tottenham
De fato, as muitas lesões prejudicaram a temporada do Tottenham. Em muitos jogos, Postecoglou tinha, por exemplo, apenas um zagueiro à disposição. Danso, contratado na janela de janeiro, precisou assumir a titularidade, enquanto Archie Gray, meio-campista, foi improvisado na defesa.
Os desfalques em um time já remendado também estiveram presentes no ataque. Os Spurs chegaram a entrar em campo sem um centroavante, tendo Son e o recém-contrato Tel como opções improvisadas na posição.
Mas Postecoglou não faz um grande trabalho. O time já havia apresentado uma queda de desempenho na temporada passada, quando saiu de candidato ao título para o quinto lugar da Premier League.

Em 2024/25, os Spurs conseguiram apresentar grandes desempenhos em campo, como a vitória por 4 a 0 contra o City. Mas o time está em queda, mesmo com o retorno dos antes lesionados.
Postecoglou não tem conseguido implementar o seu estilo de jogo e encontrar soluções para o time. Acumula não apenas resultados negativos, mas desempenhos coletivos péssimos. Entregou ao seu sofrido torcedor derrotas contra equipes que estão atrás na tabela de classificação ou até mesmo sendo completamente dominado em campo.
O Tottenham corre o risco de fica fora das competições europeias e passar mais uma temporada sem troféus. Se Postecoglou merece críticas contundentes ao trabalho aquém do esperado, Daniel Levy é o grande responsável pelo acúmulo de fracassos.