Uma triste e constrangedora noite no Tottenham Hotspur Stadium

6 minutos de leitura

Quando Erling Haaland abriu o placar, aos 5 minutos do segundo tempo, dois torcedores do Tottenham se levantaram e comemoraram. Usavam a segunda camisa do clube da temporada 2010/11, aquela azul bem claro, cor extremamente parecida com a do uniforme principal do Manchester City.

Logo, algumas pessoas que estavam próximas começaram a chamar os seguranças para tirar os engraçadinhos do local. Depois de alguns minutos de argumentações, os dois foram levados. Saíram quietos. Não houve comemoração dos que ficaram, briga e nem nada do tipo. No fundo, quase todos os envolvidos pareciam estar constrangidos. E tristes.

Minutos depois, boa parte do estádio começou a gritar “Are you watching Arsenal?”, ou “Você está vendo, Arsenal?”. Não demorou para os torcedores do Manchester City cantarem juntos. Eu estava na tribuna da imprensa, que fica no setor da torcida do Tottenham. Vi muitos cantarem, outros ficarem em silêncio, olhando em volta meio ressabiados, sem saber exatamente o que pensar. Ninguém sorria, ou parecia estar gostando que estava acontecendo. No fundo, quase todos os envolvidos pareciam estar constrangidos. E tristes.

Antes da partida, conversei com alguns fãs do Tottenham que chegavam ao estádio. Queria saber para quem eles torceriam. Foi muito difícil encontrar aqueles que estão lá todos os jogos, os sócio-torcedores que têm lugar garantido. A enorme maioria preferiu não ir para o estádio. Acabou sobrando muito mais espaço para turistas do que o normal.

E quando eu achava um torcedor regular, geralmente a resposta era evasiva. Do tipo: “Tanto faz o que acontecer hoje. Vim porque amo o clube”.

Os poucos que responderam que torceriam para o City, pareciam olhar em volta antes de dizer isso, como se precisassem esconder o que sentiam.

No fundo, quase todos os envolvidos pareciam estar constrangidos. E tristes.

“Stand-up if you hate Arsenal”, ou “Levante se você odeia o Arsenal” foi a primeira música a ser ouvida nas arquibancadas, assim que a partida começou. É um canto tradicional das torcidas inglesas. No Emirates Stadium e no Stamford Bridge, por exemplo, o mesmo canto acontece todo jogo, mas claro, destinado ao Tottenham. É um momento em que o estádio inteiro se levanta, todo mundo dando risada, tirando sarro do rival.

Nesta terça, muita gente se levantou, mas poucos sorriam. O grito, que geralmente tem um tom irônico e é muito alto, dessa vez parecia muito mais angustiado que o normal. E foi assim durante todo o jogo. Muito mais cantos contra o Arsenal do que a favor do Tottenham. E na maior parte do tempo, nenhuma música.

Ange Postecoglou vive sua primeira temporada no Tottenham. Foto – Icon Sport

Mas visivelmente a enorme maioria apoiava o time. Lamentavam a cada chance perdida, comemoravam desarmes e escanteios a favor. Houve reações de incredulidade quando o Son perdeu aquele que seria o gol de empate, aos 40 minutos do segundo tempo. Minutos depois, Haaland marcou o segundo gol, e muitos torcedores já começaram a sair do estádio.

Ao final da partida, aplausos tímidos, enquanto os jogadores se dirigiam aos torcedores para agradecer. Nada daquela tradicional ovação de último jogo da temporada em casa, que geralmente independe do desempenho do time durante o ano. No fundo, quase todos os envolvidos pareciam estar constrangidos. E tristes.

E por último, as entrevistas do técnico Ange Postecoglou. Dizendo que nas últimas 48 horas havia descoberto coisas que o decepcionaram na estrutura, dentro e fora do clube. Criticou alguns fãs do Tottenham que fizeram o “Poznan”, maneira que a torcida do City costuma celebrar momentos marcantes, virando-se de costas para o gramado, pulando e cantando.

Durante a partida, o treinador  já havia discutido pesadamente com um torcedor que estava enchendo o saco pedindo para o time perder. E entendo e defendo 100% a postura do Ange. Ele e jogadores agiram como time grande. Queriam ganhar, pouco importando se isso ajudaria o rival ou não. Foram eles que respeitaram a camisa do Tottenham, não o torcedor que foi para o estádio do próprio clube comemorar gol do outro time.

Curioso é que nos últimos anos, são os jogadores e treinadores que envergonham a torcida, com resultados ruins e vexames em sequência. Torcida essa que cobra incessantemente, e com razão, para diretoria, comissão técnica e atletas terem postura de vencedores, pensarem grande.

Tenho a impressão de que o papel se inverteu por uma noite.

Foram os torcedores, ou pelo menos uma parte dos deles, que envergonharam os jogadores e o comandante. Viu-se um clube grande dentro de campo, apesar derrota. Fora dele, atitudes pequenas. Mas, no fundo, quase todos os envolvidos pareciam estar constrangidos. E tristes.

Renato Senise
Renato Senise

Renato Senise é correspondente em Londres desde 2016. São mais de cinco temporadas cobrindo Premier League e Champions League. No currículo, duas Copas do Mundo “in loco”, além de entrevistas com nomes como Pep Guardiola, José Mourinho, Juergen Klopp, Marcelo Bielsa, Neymar, Kevin De Bruyne e Harry Kane.