Sempre acho difícil mudar o chip e voltar rapidinho para o futebol de clubes depois de uma Data Fifa. Tenho um carinho especial pelas eliminatórias sul-americanas e as narrativas fortes que fornecem. E com as seleções em ação, sempre parece que tem alguma coisa grandiosa em jogo, com um poder de identificação que vai além do esporte.
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Desta vez tenho um motivo especial para manter a cabeça cheia com as eliminatórias. Logo na primeira rodada depois da Data Fifa, tem Tottenham x Arsenal.
Como torcedor, sou um fracasso. Peguei do meu pai a noção que o jogo é muito mais importante que qualquer time, que a gente deveria apreciar bom futebol por onde anda, e tal. Esse negócio de torcer, no final das contas, é muito cansativo. Melhor curtir o espetáculo, não é?
Mas tudo tem limites. Como era o meu pai, sou torcedor do Tottenham, e o meu limite é justamente a gente contra o Arsenal.
No dia do derby norte-londrino, vai para o espaço o discurso de ‘que vença o melhor’ e tal. Especialmente porque, por enquanto (eu faço questão de frisar e exijo que você leia numa voz bem baixinha) o Arsenal está melhor. Está melhor, tá claro?
A língua portuguesa, com a distinção entre “ser” e “estar” é uma grande ajuda nessas horas. Permite uma construção que deixa evidente a natureza temporária da situação atual. Mas, tudo bem. Sob tortura, escrevo de novo. Neste momento, o Arsenal está melhor — mesmo, imagino, sem Odegaard (machucado) e Declan Rice, suspenso.
Gosto muito da abordagem de nosso técnico, o Ange Postecoglou. Depois de três técnicos bem chatinhos, finalmente tem um sujeito que entende a identidade histórica do clube. Pode-se falar que o Tottenham tem uma fixação com fracassos gloriosos. Pode falar, sim. Não fico ofendido — desde que tenha alguma referência à “glória”.
O lema do clube é ‘ousar é fazer’. A glória existe na tentativa, e nem sempre no resultado.
E Postecoglou tem um estilo de jogo bem ousado, com os laterais aparecendo como elementos surpresa dentro da grande área do adversário. Ele assume riscos. E quando não der certo, “big Ange” fica com a fé inabalada. Levanta os ombros e declara “é assim que jogamos, camarada”.
Ótimo. Desfruto. Mas contra o Arsenal, me preocupo.
Nas primeiras três rodadas da temporada, o Tottenham jogou contra Leicester, Everton e Newcastle. Dominou os três. Mas tem uma vitória, um empate e uma derrota. O domínio não está sendo traduzido em gols suficientes, e o time (“é assim que jogamos, camarada”) às vezes fica aberto para o contra-ataque do adversário.
E domingo não é qualquer adversário. Trata-se do primeiro grande rival da temporada. Trata-se DELES! Um time bem capaz de fazer misérias com qualquer buraco que encontra na defesa do Tottenham.
Um resultado muito ruim no domingo seria bem capaz de jogar uma sombra pesada em cima da temporada — nada desejável numa época do ano em que, em Londres, o verão está deixando a cena, abrindo lugar para meses de frieza.
Às 10 horas do domingo, brevemente, vou virar torcedor. Vou perturbar a vizinhança com gritos de “come on you Spurs!”. Mas até lá, minha mente vai ficar ocupada com pensamentos sobre a Data Fifa. Preciso de um esconderijo mental quando o bicho feio está batendo na porta.