O Arsenal “pelejou” com elenco jovem e considerado inferior aos adversários na última temporada. Mas apesar do campeonato honroso, acabou sem o título da Premier League. O fato de a taça ter escapado por pouco influencia na gana do clube no mercado de transferências. Liderado por Mikel Arteta e Edu Gaspar na janela, os Gunners fecharam com três reforços que elevam o patamar do grupo: Jurrien Timber, Kai Havertz e Declan Rice.
Havertz já jogou no primeiro amistoso da equipe, contra o Nuremberg, e Declan Rice foi o último a ser anunciado, neste sábado, depois de Timber.
Em um time que vinha sendo construído desde o fim de 2019 e um modelo de jogo que chegou ao seu ápice na última temporada, são três reforços que compartilham a mesma característica: versatilidade.
Rice pode ser um volante combativo, de passes longos e que joga em dupla ou sozinho. Havertz passou por todas as posições do ataque no Chelsea e surgiu como um excelente camisa 10 no Bayer Leverkusen. Timber é dos zagueiros mais capazes com a bola no pé e deve ser usado majoritariamente na lateral-direita.
No cenário mais provável, com Arteta mantendo o 4-3-3 que consolidou o modelo e fazendo alterações pontuais, ainda existem dúvidas. Timber será um lateral invertido ou de linha de fundo? Como fica o sistema defensivo com o novo meio-campo com Rice, Havertz e Odegaard?
Afinal, como o Arsenal vai jogar na próxima temporada?
Os cenários para Timber
O defensor foi um dos maiores destaques de uma temporada decepcionante do Ajax em 2022/23.
Segundo dados da plataforma de scout “Squawka”, foi o zagueiro que deu mais passes ao terço final do campo (399) do que qualquer outro em todas as sete principais ligas europeias.
Sua importância para a construção do Ajax e da seleção holandesa é evidente também no mapa de calor: predominante na direita, mas amplamente preenchido pelo meio-campo e com grande força em regiões mais altas. Um dos melhores condutores da posição e mantém a bola com grande facilidade sobre pressão.

Em uma disputa com outros zagueiros das cinco grandes ligas, Timber foi o quarto com mais corridas progressivas na última temporada.
Há a questão se ele irá brigar pela vaga na zaga ou se vai deixar White no banco. Saliba parece intocável na direita e Arteta não deve abrir mão de ter um zagueiro canhoto — tanto que contratou Kiwior para substituir o titular Gabriel Magalhães.
Alguns dos pormenores táticos na construção do Arsenal devem ocorrer com Timber. Ele tende a ser mais proveitoso em corredor central do que pelos lados, além de sustentar de maneira muito positiva a pressão nas costas. Isso pode fazer com que sua função seja parecida com a de Zinchenko no lado esquerdo, deixando Saka bem espetado na ponta.
A opinião de Timber
O zagueiro elogiou as categorias de base do Ajax por ensinar um estilo de futebol moderno e que o permite performar no nível de exigência da Premier League. Segundo ele, “essa é a forma como eles te ensinam desde a base, e estou feliz por ter aprendido isso no Ajax“.
💬 “The style of play I’ve been brought up with will help me to settle in the Premier League.”
— Arsenal (@Arsenal) July 16, 2023
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Em entrevista ao canal oficial dos Gunners em seu anúncio, o holandês revelou que existe grande relação com o estilo da sua antiga equipe com a sua atual e acredita que esse foi um grande motivo para sua contratação: “Eu consigo ver muitas semelhanças, especialmente na forma como o Arsenal e o Ajax querem jogar”, disse em entrevista ao canal oficial dos Gunners.
— Acredito também que essa seja a razão pela qual eles me compraram e me querem, porque sabem que posso jogar nesse estilo. Agora é para mim mostrar a todos e também na Premier League que posso fazer as mesmas coisas – revelou o defensor.
Novo esquema tático?
Com Timber sendo mais proveitoso como lateral invertido, o Arsenal acabaria com os dois laterais fazendo esse mesmo movimento, o que pode transformá-lo em uma espécie de “John Stones 2.0“.
Mas como já existe Zinchenko fazendo algo parecido no outro lado, uma mudança de esquema também pode ser testada em determinados momentos.

Não é algo tão distante pensar que Arteta poderia implementar um 3-4-3 com bola, com um losango no meio para encaixar confortavelmente as novas peças que tem. Como ele já usa um quadrado no meio em seu 4-3-3 (Partey, Zinchenko, Odegaard e Xhaka), não é algo que foge da realidade da equipe.
Geometria ou futebol?
Dessa forma, Timber atuaria como o zagueiro pela direita, com Saliba e Magalhães ao seu lado. Rice se manteria como primeiro volante e Zinchenko, à sua esquerda, seria o regulador da forma geométrica: caso fique mais baixo, ao lado de Rice, formaria um quadrado; se subir mais, manteria o losango. Odegaard, partindo da direita, manteria sua função atual e Havertz poderia ser encaixado como o camisa 10 entrelinhas, como se destacou na Alemanha.

É o quadrado (ou losango) no meio que Arteta usa para ter superioridade numérica na segunda fase de construção, independente do adversário. Se defendem em 4-4-2, os dois volantes são expostos e há a necessidade de baixar ainda mais o bloco para que os atacantes igualem numericamente. Se defendem com três volantes, ainda sobre um homem livre. E é aí onde Havertz pode ser crucial para os Gunners.

Havertz: onde entra?
O alemão jogou como centroavante no Chelsea por necessidade, mas não deve deixar Gabriel Jesus no banco. É uma opção como falso nove para quando o brasileiro precisar descansar ou em caso de lesão, uma vez que pode sair da sua posição, atuar de costas para o gol entre as linhas de defesa e liberar espaço para rupturas de meias e pontas.
Suas principais estatísticas são relacionadas a progressão e movimentos sem bola. Em um levantamento da base de dados do site de estatísticas “FBref”, considerando números de jogadores de posições semelhantes nas cinco principais ligas durante toda a última temporada, Havertz está entre os melhores 10% em passes progressivos, duelos e interceptações. Ele ainda é melhor do que 81% dos jogadores em conduções progressivas.

Isso ilustra que ele tende a performar melhor no meio, quando tem mais oportunidades de conduzir para frente e dar passes de ruptura para atacantes. Sob o comando de Thomas Tuchel no Chelsea, ele era um dos dois meias entrelinhas no 3-4-2-1, atrás de Timo Werner – foi seu melhor momento na equipe.
Atacante que pouco marca, vira meia
Outro argumento contra sua escalação como centroavante é o aproveitamento ruim na frente do gol. Apesar de se colocar em boas posições e ser inteligente para encontrar espaços vazios, como um bom raumdeuter alemão, Havertz não é o melhor finalizador do campeonato. Na última temporada da Premier League, por exemplo, marcou sete gols em 11,6 de gols esperados (xG), ou seja, quase cinco gols a menos do que o esperado.
Além disso, a combinação de Havertz com Jesus pode ser excelente pela forma com a qual os dois se complementam em características. Com o brasileiro descendo para buscar a bola e com grande capacidade de mantê-la, Havertz pode ser o fator surpresa na área usufruindo do espaço vazio. Com Jesus atacando as costas da última linha, o alemão pode aproveitar o espaço que vai ser liberado na frente da defesa, uma vez que será obrigada a acompanhar o camisa 9.
Rice é a cereja do bolo
Líder do West Ham e titular absoluto da seleção inglesa, Rice tem se tornado cada vez mais box-to-box nos Hammers. Ele também tem grandes capacidades de condução e chegada à frente, mas se mostrou completamente confortável como primeiro volante com a camisa da Inglaterra.

É um volante diferente de Jorginho ou Partey, que vinham ocupando a posição no elenco de Arteta. É menos um controlador de tempo como Rodri, por exemplo, e mais uma mistura de destruidor com condutor.
Rice é o volante que vai roubar a bola e iniciar o contra-ataque levando a bola por longas distâncias se necessário. Na Premier League, apenas Rodri tem uma relação melhor de recuperações por passes no último terço. Entre os meio-campistas das cinco grandes ligas, apenas Jordan Ferri e Stjn Spierings estão acima, segundo dados da FBref.
Ponto fraco
Apenas um indicador de desempenho que pode ser entendido como crucial para volantes modernos deve preocupar. Rice não é o melhor da Premier League em sustentar a pressão que receber de costas, como nomes como Caicedo, Lavia e o próprio Jorginho. Ainda assim, é um volante que não se esconde durante a primeira fase de construção e constantemente se apresenta para ser opção de passe e progredir a jogada.
Suas qualidades defensivas são claras. É um jogador com mais capacidades nesse setor do que os dois que dividem a posição no Arsenal e os números ilustram. Foi o melhor jogador da Premier League em sucesso de desarmes reais, uma estatística avançada que coloca na equação os desarmes, o total de duelos que o jogador disputa e as faltas que ele comete. Teve 69,9% de sucesso em seus desarmes reais, segundo a FBref – Onana, do Everton (67%) e Adams, do Leeds (64,5%) foram os que chegaram mais perto.
Com a bola, é um ótimo jogador para lançamentos longos em diagonal, o que pode beneficiar Martinelli. Tanto que, segundo dados do “Wyscout”, seus passes longos tiveram média de 39,2 metros — é a segunda maior distância no quesito entre jogadores da posição na Premier League, atrás apenas de Hojbjerg.
Em um cenário em que Timber se aproxime do meio, Rice faria parte praticamente de um trio de volantes e dividiria suas responsabilidades na construção curta quando pressionado, o que também ajudaria a mascarar eventuais problemas a serem corrigidos.
Com mudança de formação ou não, o Arsenal conta com mais três reforços versáteis e que elevam o patamar do time em diversos cenários, além de casarem muito bem com o que têm a disposição no elenco.