Tim Vickery: Por que muitos brasileiros nem tenham ouvido falar no fascinante Terry Venables?

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O ano é 1984 e, vivendo uma seca, Barcelona está ficando desesperado. Busca uma solução. Os ingleses estão dominando o futebol europeu na época, então procura Bobby Robson, o técnico da seleção. Ele não quer, mas indica um jovem conterrâneo chamado Terry Venables.

Como meio-campista, Venables jogou pela seleção em todos os níveis possíveis, mas defendeu pouco a principal. Era um pouco lento, mas teve uma carreira respeitável por Chelsea, Tottenham e Queen’s Park Rangers. Estava começando a fazer nome como técnico, mas pelos padrões de Barcelona, tratava-se de um desconhecido.

Na entrevista, o presidente do clube oferece um charuto. Venables se abaixa, coloca a sua mão na meia, produz charutos e fala “você quer um dos meus?” Ganha o emprego — e muda o futebol da Europa.

Impressão inicial dos seus jogadores novos — esse maluco vai ser demitido antes do Natal. Estava mandando tudo ao contrário do que estavam acostumados. Defesa em linha alta, pressionando o adversário, afunilando até os zagueiros para reduzir o espaço e ganhar a bola mais perto do gol deles.

Resultado — primeiro título do Campeonato Espanhol em 11 anos e, na temporada seguinte, somente pênaltis impediram o primeiro título europeu. Antes da revolução de Arrigo Sacchi com Milan, Venables já tinha mostrado o caminho. É um forte candidato para ser considerado o melhor técnico inglês de todos os tempos. 

Por que, então, imagino que muitos brasileiros nem tenham ouvido falar do nome dele até a notícia de sua morte neste domingo?

Classe operária, dos arredores de Londres, Venables era um personagem fascinante por pessoas como eu, de origem parecida. Ele era aquele cara no pub que você estava querendo ser — engraçado, estiloso, carismático. Estava cheio de vida. Adorava cantar. Escrevia livros de detetive — criou uma personagem que acabou em um programa de televisão. 

Estava sempre pensando em um plano ou outro — negócios de moda, um novo jogo de tabuleiro ou abrir a sua própria boate. Dentro de tudo isso houve, inegavelmente, uma dose considerável de malandragem. Em 1998, Venables acabou impedido de ser diretor de qualquer empresa durante sete anos e não contestou o caso contra ele. Nem todos aqueles esquemas nascidos na conversa no pub eram estritamente legais.

Venables pagou um preço por essa bravata e aqueles boatos. Era visto com grande desconfiança pelos conservadores figurões nas bastidores do futebol inglês. Ganhou o emprego de técnico da seleção em 1994 basicamente porque não havia alternativa. E, sabendo dos problemas legais por vir, e o clima que isso ia criar contra ele, decidiu não continuar depois da Eurocopa de 1996 — que é uma pena muito grande.

O time que Venables construiu para aquele torneio tinha uma flexibilidade tática impressionante. Uma das grandes influências foi o time da época do Ajax — e a vitória de 4 a 1 em cima da Holanda fica com uma das melhores atuações na história da seleção inglesa. 

Foram os únicos gols que levaram a Holanda naquela Copa, antes de sair para a França nos pênaltis. Mas a Inglaterra também saiu dos pênaltis, contra a Alemanha nas semifinais, e o reinado do Venables chegou de repente num fim melancólico.

E a sua carreira nunca chegou perto de tocar de novo as alturas do verão de 1996. Por muito pouco — uma questão de segundos — não levou a Austrália para a Copa de 1998 e, depois disso, foi muito melhor comentando na televisão que treinando ou dirigindo.

Podia ter sido muito mais — dentro do futebol. Mas talvez porque ele era tantas coisas fora do futebol isso não foi possível. E sempre com uma resposta engraçada, uma risada fácil, uma música no coração, e um charuto na meia, viveu muito. 

Vá em paz, Terry Venables.

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Tim Vickery

Tim Vickery cobre futebol sul-americano para a BBC e para a revista World Soccer desde 1997, além de escrever para ESPN e aparecer semanalmente no programa Redação SporTV. Foi declarado Mestre de Jornalismo pela Comunique-se e, de vez em quando, fica olhando para o prêmio na tentativa de esquecer os últimos anos de Tottenham Hotspur.