Tim Vickery: Se hoje Guardiola faz sucesso, 1º técnico estrangeiro no futebol inglês foi grande fracasso

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A história do primeiro técnico estrangeiro da história do futebol inglês, e o legado de Arsene Wenger na Inglaterra

Com cinco títulos de Premier League em sete temporadas e o primeiro título de Champions League do Manchester City, o espanhol Pep Guardiola já é um dos maiores técnicos de todos os tempos na Inglaterra. Mas história do primeiro técnico estrangeiro no futebol inglês não terminou bem. Trata-se de Josef Venglos, grande homem do futebol, que chegou no Aston Villa em 1990 depois de ter levado sua seleção natal, a então Tchecoslováquia, para as quartas de final da Copa do Mundo na Itália.

Villa brigou pelo título na temporada anterior e perdeu seu técnico para a seleção inglesa. Talvez com Venglos fosse mais longe ainda. Mas não deu. Ficou perto da zona de rebaixamento. Venglos ficou para a temporada — houve mais paciência naqueles dias — mas logo buscou ser feliz em outros ares. Foi uma baita decepção, mas a culpa não foi dele.

Britânicos boicotaram primeiro técnico estrangeiro

Os jogadores, todos britânicos, simplesmente não estavam dispostos a levar Venglos a sério. O técnico poderia ter dado uma aula de sabedoria que nem uma versão futebolística da filosofia de Platão. Mas o elenco era incapaz de ouvir além do sotaque grosso de um homem da Europa central. Nunca prestavam atenção no seu conteúdo porque estavam ocupados demais zoando a maneira que falava.

A tendência que tem no futebol inglês de ser arrogante e insular se encontrava especialmente forte em 1990. Depois do Desastre de Heysel em 1985, os clubes ingleses foram banidos das taças continentais. O futebol do país virou para si. Venglos não deu certo porque não podia dar certo. Os seus jogadores não estavam preparados para ter uma relação com ele. Mas o que Villa tentou foi corajosamente à frente da sua época.

O importante legado de Arsene Wenger para o futebol inglês

Seis anos depois, quando Arsene Wenger chegou para assumir o Arsenal, ainda havia uma barreira da resistência. 

“Arsene quem? Um francês que trabalha no Japão é capaz de assumir um gigante aqui?”

Não foi nada fácil para ele no início. Houve um muro alto de desconfiança para escalar — e ajudava bastante que Wenger tivesse a capacidade de rir dele mesmo, que sempre ganha pontos entre os ingleses. Ajudaram muito, também, aqueles seis anos. O futebol inglês estava começando a globalizar. Jogadores de outros países foram contratados, especialmente depois da Eurocopa de 1996, um torneio que mostrou para a nata de futebol europeu os novos estádios e o clima empolgante do jogo na Inglaterra.

Os clubes tinham voltado para as taças continentais, deixando os jogadores com mentes mais abertas. Pelo menos, então, o elenco estava disposto a ouvir Wenger. E logo, ele mostrou conteúdo. As suas contratações deram certo. Os seus conselhos sobre preparação e alimentação não foram fáceis de engolir — a cultura da cerveja estava muito forte entre os jogadores. Mas, aos poucos, eles perceberam que, se cuidando melhor, iam ter carreiras mais longas, mais gloriosas e mais lucrativas.

O ex-treinador do Arsenal, Arsene Wenger - Foto: Icon Sport
O ex-treinador do Arsenal, Arsene Wenger – Foto: Icon Sport

E depois de Wenger, a nacionalidade do técnico no futebol inglês nunca mais tem sido um grande assunto. Arsene venceu a batalha — para ele e para aqueles que chegaram depois.

Com oportunidades e condições de trabalho, esses técnicos estrangeiros da elite logo se comprovaram bastante superiores aos locais da época. Desde então não tem sido fácil para os técnicos ingleses. Na segunda-feira, o Bournemouth demitiu Gary O’Neill, que fez um trabalho excelente mantendo o clube na Premier League, e logo anunciou o espanhol Andoni Iraola com o seu substituto. Uma decisão polêmica, com certeza. Mas também dentro da normalidade atual, onde contratar um técnico estrangeiro serve como uma mostra de ambição. Eddie Howe com o Newcastle tem a chance de lutar pelos locais, mas a frieza dos fatos ilustra bem a opção tomada pelos clubes.

O próprio Aston Villa serve como um grande exemplo. Preocupado com o rebaixamento, demitiu Steve Gerrard, herói da seleção inglesa, e com o espanhol Unai Emery terminou a temporada tão bem que pegou um lugar na Europa League — vingando assim a alma de Josef Venglos.

Tim Vickery
Tim Vickery

Tim Vickery cobre futebol sul-americano para a BBC e para a revista World Soccer desde 1997, além de escrever para ESPN e aparecer semanalmente no programa Redação SporTV. Foi declarado Mestre de Jornalismo pela Comunique-se e, de vez em quando, fica olhando para o prêmio na tentativa de esquecer os últimos anos de Tottenham Hotspur.