Os números de José Mourinho na Premier League contam uma história. Na primeira vez com Chelsea (2004-2007) uma média incrível de 2,33 pontos por jogo. Na volta ao clube (2013-2015), um 2 redondo — com desempenho muito melhor no início. Com o Manchester United (2016-2018), baixando até 1,89, e daí até 1,64 com Tottenham (2019-2021).
Parece claro que se trata de um técnico em declínio, impressão meio confirmada por sua demissão da Roma na terça-feira.
Ninguém fica lá em cima para sempre.
Acredito que um momento fundamental na carreira dele foi em 2009, quando Barcelona escolheu Pep Guardiola para um emprego que Mourinho estava querendo muito. Reagiu se transformando no anti-Guardiola.
O futebol dele sempre prezava a eficiência em cima de estética, com uma obsessão com os momentos de transição, quando a posse da bola passa de um time para o outro. Dominar esses momentos, ou ganhando ou perdendo a bola, era para ele meio caminho andado para a vitória.
Depois de ser esnobado por Barcelona parecia que, em vez de ser uma especialista em equilibrar a vontade de atacar com a necessidade de se defender, virou um anti-Guardiola, com uma nova obsessão anti-estética. Criou um personagem e depois virou prisioneiro da feiura de sua criação.
O talento, o dom para enxergar o jogo claramente como uma questão estrutural, ainda existe. Precisa recriar outros personagens. Pode fazer. Já virou o esperto provocador, botando pilha nos coletivos antes do jogo — enquanto no vestiário era o sujeito humano e cordial não somente respeitado, mas até amado por seus jogadores.
Ainda tem mercado. Tem bastante especulação o ligando com o Newcastle, onde Eddie Howe anda com problemas e sob pressão. O próprio Mourinho tem uma conexão com Newcastle — era o clube de Bobby Robson, grande parceiro e orientador no início da sua carreira. Com certeza, Mourinho ia ver a chance de treinar Newcastle como um desafio lindo.
A dúvida, porem, existe. Será que a maneira que o Mourinho de hoje enxerga futebol ficou conservador demais para um clube tão ambicioso?
Com todas as limitações — quase sem tempo para treinar o time — o jogo de seleções ficou hoje em dia claramente mais cauteloso que o futebol praticado pelos clubes da elite. É uma questão mais básica, já que não tem oportunidade para trabalhar e mecanizar movimentos coletivos complexos. Pode ser que esse cenário combine mais com um técnico de quase 61 anos, que envelheceu rápido com todas as pressões do dia a dia dos clubes.
Pensando nestas linhas, pode ser que a seleção brasileira tenha perdido a chance de importar um técnico com muito para agregar.
Mourinho tem duas coisas que faltam a Dorival Júnior — carisma e experiência internacional.
Não acredito que isso seja polêmica. A falta de carisma é justamente um ponto forte do Dorival — um técnico low profile, baixo ego, flexível e disposto a procurar diversas maneiras de extrair o melhor dos seus jogadores. Suficiente para ter sucesso no emprego novo? Vamos ver.
Dorival é uma escolha bem vista entre o público local, especialmente aquelas pessoas incomodadas com a chegada de tantos técnicos estrangeiros.
Mas quem pareceu nem um pouco incomodado com o assunto? Os próprios jogadores da seleção, todos globalizados e acostumados a jogar com e contra atletas do mundo inteiro. Dorival vai ter que conquistar o respeito desses jogadores — Mourinho teria o seu total respeito desde o início. Oportunidade perdida.