O Manchester United deve ser exemplo para o Brasil tomar cuidado e não copiar cegamente o modelo dos EUA

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Depois de vencer o Wigan e avançar na Copa da Inglaterra, o Manchester United tem mais paz para se preparar para o jogo de domingo contra o Tottenham. Depois de sofrer tantas derrotas já na temporada, uma vitória ajudou bastante para tirar um pouco de pressão do técnico Erik Ten Hag.

Mas alguém que pensa que o problema principal do United é Ten Hag — ou qualquer um dos seus predecessores nos últimos anos — tem uma mira pior do que a do ataque dos Red Devils nesta temporada. Este é claramente um caso de um peixe que fica podre a partir da cabeça — e deve servir como um aviso enorme para o futebol brasileiro.

As práticas nos Estados Unidos são sempre colocadas como referência por aqui em debates sobre o lado comercial do esporte. 

A questão de naming rights, por exemplo. Se faz nos EUA, dá dinheiro, então a gente deveria implantar aqui. Pode ser, ou não — opiniões diversas no tema são válidas. 

O que não fica válido é o argumento que somente porque se faz nos EUA, se deve adotar cegamente em qualquer lado. 

Parece que as lições do colapso financeiro de 2008 foram esquecidas com uma rapidez inacreditável. O próprio sistema capitalista só foi salvo com a ajuda profunda do Estado imprimindo dinheiro.

Compra do United com dinheiro emprestado: é legal, mas é moral?

Um modelo rentista — baseado não na criação da riqueza, mas na sua extração — se mostrou inviável. Mas é precisamente este modelo que a família norte-americana Glazer vem implantando no Manchester United desde que comprou o clube em 2005.

Sim, comprou o clube. Mas com dinheiro emprestado. Então, os Glazers ficaram com uma grande dívida? Não. A dívida passou para o clube. Esse é o famoso ‘debt leveraged buy out’ — a compra alavancada com dinheiro dos outros. Dentro da legalidade? Parece que sim. Justificável moralmente? Aí o quadro não fica tão claro.

Avram e Kendall Glazer – Foto Icon sport

Comprou como projeto de vaidade, para aparecer nas fotos quando o clube ganha coisas gloriosas? Não. Como qualquer projeto rentista, o objeto parece ser ficar se expondo o menos possível, a extraindo o máximo possível. Os fãs, por sua própria natureza, são presa fácil. 

Isso não se trata de uma fábrica de biscoitos, onde o consumidor pode transferir a sua fidelidade para uma outra marca qualquer se cair a qualidade. O Manchester United, mesmo com o seu declínio nos últimos anos, ainda se trata de um nome de alcance global com múltiplas fontes de renda para serem exploradas.

Aí quando pintou o projeto de Superliga Europeia — uma liga sem rebaixamento, sem riscos, nas linhas norte-americanas –, os Glazers não pensaram duas vezes. Colocaram o United ali dentro. Felizmente um clube do futebol depende de um contexto coletivo — tem que ter adversários — e a revolta dos torcedores ingleses forçou uma recuada.

Sir Jim Ratcliffe, novo dono do Manchester United (Foto: Icon Sport)

Mas o clube, historicamente o maior do país, deixou de ser uma associação com o objetivo de ter os melhores resultados possíveis num campo cercado pelo melhor estádio. O lado financeiro não existe para sustentar o futebol. E o contrário, o rabo americano que balança o cachorro. As fontes de renda da empresa são bastante resistentes mesmo com o time mal no campo.

Chegamos, então, à situação atual. Parece que os Glazers saíram da cena. Ledo engano. Sim, o bilionário local Jim Ratcliffe vai assumir controle dos assuntos do futebol. Mas isso, sim, não passa de um projeto de vaidade, um projeto de ego de um ricaço que pensa que as suas habilidades em um campo da atividade humana podem ser transferidas com facilidade para o campo do futebol. 

Os Glazers, entretanto, ainda têm a parte que mais interesse — controle comercial. Ratcliffe pode levar o crédito — ou as vaias — pelos resultados. Mas a grana vai fazer a mesma viagem — do bolso do torcedor até a conta bancária dos Glazers. O modelo rentista segue intacto. E trata-se de um modelo que o futebol brasileiro, agora que ficou aberto a capital nacional e estrangeiro, precisa evitar.

Manchester City v Manchester United – Emirates FA Cup Final – Wembley Stadium
Avram Glazer e Sir Alex Ferguson em jogo do Manchester United. Foto – Icon sport
Tim Vickery
Tim Vickery

Tim Vickery cobre futebol sul-americano para a BBC e para a revista World Soccer desde 1997, além de escrever para ESPN e aparecer semanalmente no programa Redação SporTV. Foi declarado Mestre de Jornalismo pela Comunique-se e, de vez em quando, fica olhando para o prêmio na tentativa de esquecer os últimos anos de Tottenham Hotspur.