Como as viagens de torcedores na Copa da Inglaterra mudaram a vida e história dos clubes

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Descobrir e aprender são grandes prazeres na vida, e meus mergulhos na história e na atualidade do futebol brasileiro têm sido uma fonte constante de alegria. Há tantas coisas que me impressionaram sobre a importância cultural do esporte nessas bandas.

Mas tem uma história famosa que não me impressiona tanto — a invasão corintiana no Rio de Janeiro em 1976. E daí? A distância não é tão grande. Para mim, coisa normal, especialmente porque desde o início o futebol inglês sempre foi capaz de provocar movimentos em massa. E o grande momento disso foi a final da FA Cup.

O Manchester City vai tentar neste sábado ganhar mais um título. O primeiro foi a FA Cup 120 anos atrás. E como no sábado, o adversário também veio de perto. Não foi o Manchester United, que chegou à final pela primeira vez em 1909. 

Foi o Bolton Wanderers, clube de arredores de Manchester. Dois times, então, do norte. E, nesses dias antes de Wembley, a final aconteceu no velho Crystal Palace, no sul de Londres, que depois virou estádio de atletismo. Houve um público em excesso de 60 mil pessoas, dos quais mais de 40 mil desceram do norte numa frota de trens. Em 1904! Isso realmente é impressionante.

Mas foi uma coisa anual. Quando o futebol virou profissional, logo começou uma dominação dos times das cidades industriais do norte. A partir de 1883, quando o Blackburn Olympic levou a Copa, Londres somente voltou a ganhar com o Tottenham em 1901 e 21, e o Arsenal em 1930 e 36. Cada ano, então, houve na capital uma invasão das torcidas da norte, muitos deles reclamando sobre o preço alto da cerveja e a frieza do povo londrino — mas voltando para casa com o troféu.

Copa da Inglaterra
FA Cup, a Copa da Inglaterra (Foto: Icon Sport)

Ir para Londres para a final foi um evento muito especial, precisando de planejamento e economias.

O normal daquelas épocas foi uma vida dentro de limites bastante locais — o meu próprio pai viveu até 84 anos sem nunca viajar além de um fim de semana em Dublin, capital da Irlanda. E nesta vida provinciana refletiu na maneira de acompanhar o futebol — com uma diferença enorme com o futebol sul-americano.

Neste lado do Atlântico, a luta desde o início tem sido pela supremacia dentro da cidade. Tem a ver com o tamanho do continente e, muitas vezes, na concentração de poder em uma cidade. Muito da história do futebol sul americano e sobre a batalha para ser o melhor no Rio, São Paulo, Porto Alegre, Buenos Aires, Montevideo, Santiago, Assunção, Lima …..

Obviamente isso fazia parte do futebol inglês, especialmente em Londres, onde tem tantos clubes. Mas, num país pequeno onde o futebol sempre foi nacional, houve uma outra dinâmica.

Antigamente um torcedor em Manchester pode ter sido fã do United, frequentando Old Trafford nos sábados. Mas nos outros sábados, quando o United não jogava em casa, ele era bem capaz de ir para Maine Road e ver o City. Ele era torcedor do United. Ele queria o triunfo do seu time. 

Mas seria bom o City logo atrás na tabela. Aí a cidade dele estava bem, porque na mente dele os dois times eram representantes de Manchester diante do resto do país. E um mundo, um jeito de torcer, que não existe mais.

Copa da Inglaterra
Troféu da Copa da Inglaterra (Foto: Icon Sport)

Mudou quando ficou mais fácil viajar para acompanhar o seu time fora da casa, quando as pessoas tinham mais dinheiro, compraram carros e começaram a usar as novas autoestradas construídas para conectar o país. A vida passou a ser bem menos local. Algumas pessoas até viajaram para o exterior para férias! E o time do outro lado da cidade, que, claro, sempre tem sido um rival, passou a ser visto mais como inimigo que aliado.

E, numa vida menos local, pessoas de fora de Manchester começaram a torcer pelo United, encantados com o jogo dos “Busby Babes” nos anos 50 e emocionados com o desastre de Munique que acabou com o time em 1958. O United virou o primeiro clube com uma torcida nacional, e hoje em dia o City também conquistou corações batendo longe de Manchester.

No sábado, então, vai ter mais uma invasão — mas nem todo mundo dentro do Wembley vai descer do norte. Mas o jogo traz uma certeza. E para o norte que vai o troféu.

Tim Vickery
Tim Vickery

Tim Vickery cobre futebol sul-americano para a BBC e para a revista World Soccer desde 1997, além de escrever para ESPN e aparecer semanalmente no programa Redação SporTV. Foi declarado Mestre de Jornalismo pela Comunique-se e, de vez em quando, fica olhando para o prêmio na tentativa de esquecer os últimos anos de Tottenham Hotspur.