Há muito trabalho para transformar a seleção inglesa naquela que tanto se fala

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Dois jogos têm sido suficientes para separar a seleção inglesa da vida real da “seleção inglesa” da mídia — e não somente da Inglaterra — e das casas de apostas.

Com quatro pontos em dois jogos na Eurocopa, a Inglaterra segue na briga, e com um elenco cheio de talentos, ainda é candidata ao título. Para ganhar o torneio, tem que crescer durante a competição. 

Mas podemos concordar que a seleção de Gareth Southgate tem muito para crescer.

Os problemas estruturais eram evidentes antes do início da Eurocopa. Claro, nos jogos amistosos, é um grande equívoco colocar um excesso de importância em cima dos resultados. Ainda assim, o que acontece em campo pode ser bem revelador — e a derrota em casa contra a Islândia revelou uma coisa gritante. O time saiu do campo naquele jogo com a sua confiança bem minada na sua própria capacidade de defender com uma linha alta.

Isso se manifestou nas duas partidas da Eurocopa. Contra a Sérvia e a Dinamarca, a Inglaterra abriu o placar e logo recuou para se proteger. Consequência da natureza conservadora do técnico Gareth Southgate? Sim, em parte. 

Mas também para evitar uma situação que aconteceu algumas vezes contra a Islândia, que atacantes velozes correm nas costas de John Stones, o zagueiro principal da seleção, que parece longe das suas condições ideais.

Gareth Southgate, técnico da seleção inglesa. Foto: Icon Sport

O adversário avança — e a seleção inglesa tem dificuldades para sair da pressão. Por que? Esse modelo de jogo obriga Trent Alexander-Arnold, escolhido no meio campo, de fazer o que ele não quer. O jogador do Liverpool bate muito bem na bola, mas não é muito competitivo quando a posse está com o rival. 

Nos dois jogos, ele foi substituído por Conor Gallagher, numa tentativa de colocar mais energia no meio de campo. No futuro, pode ser melhor Alexander-Arnold entrando no segundo tempo, quando vai achar mais espaço.

Um outro problema estrutural e — na ausência ainda de Luke Shaw — ter um jogador destro no lateral esquerda, Kieran Trippier é um lateral-direito de ofício e fica torto no outro lado — que facilita a pressão do adversário. Basta olhar para o gol da Dinamarca. Inicia com um arremesso inglês naquele lado.

Seleção inglesa apresenta vários problemas

Sem um canhoto, o time não tem como progredir com a bola no lado do campo, e Harry Kane faz um passe ruim horizontal. Sem competitividade suficiente no meio do campo, a seleção perde a posse da bola e a Dinamarca empata o jogo.

E pode até ser que Harry Kane seja um problema num outro sentido. O rei do time agora se chama Jude Bellingham. E o encaixe entre Kane e Bellingham não está saindo muito bem. Kane gosta de recuar — mas aí ele ocupa o espaço do Bellingham. 

Harry Kane Inglaterra
Harry Kane comemorando gol pela Inglaterra (Foto: Icon Sport)

Bellingham, entretanto, gosta de ter opções de velocidade, como desfruta tanto com o Real Madrid. Mas Kane não é aquele tipo de centroavante que se destaca fazendo corridas por trás da linha da defesa. O melhor passe que Bellingham deu foi depois que Kane saiu, quando o craque do Real Madrid colocou Ollie Watkins na cara do gol.

Foi uma mudança corajosa de Southgate tirar Kane do campo para botar Watkins. 

Será que isso vai ser o futuro? Ou dá para trabalhar no encaixe entre os números 9 e 10 da seleção? O encaixe entre 10 e 11 funcionou melhor contra a Dinamarca. Phil Foden pareceu muito desconfortável operando no lado esquerdo contra a Sérvia, mas no segundo jogo ficou mais livre para flutuar e foi um ponto alto num desempenho coletivo decepcionante.

Bem, como Southgate está bem ciente, não se ganha um torneio na fase de grupos. E o seu time está quase garantido já na próxima fase. Mas ele tem muito trabalho para achar um encaixe, e transformar a sua seleção naquela “seleção inglesa” que tanto se fala na mídia.

Tim Vickery
Tim Vickery

Tim Vickery cobre futebol sul-americano para a BBC e para a revista World Soccer desde 1997, além de escrever para ESPN e aparecer semanalmente no programa Redação SporTV. Foi declarado Mestre de Jornalismo pela Comunique-se e, de vez em quando, fica olhando para o prêmio na tentativa de esquecer os últimos anos de Tottenham Hotspur.