Tim Vickery: Se Gabriel Jesus superar trauma, a torcida do Arsenal agradece

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Quando Javier Mascherano jogava no Liverpool, ficou chocado — para vários colegas europeus, jogar na seleção não era grande coisa.

Para um sul-americano, claro, não pode ser assim. Representar o país trata-se de um momento de glória, de ser um herói da nação. Sempre acho muito forte aquele momento antes do jogo, quando o hino nacional toca e a câmera passa um por um mostrando os jogadores. 

É um momento de nervos, também de triunfo — e de vingança. Aquele professor que falava que ia ser nada na vida, a linda do bairro que me esnobava — olhe para mim agora, porque sou importante!

Obviamente, tudo isso dá um peso forte a uma carreira, que pode funcionar por bom, ou por mal — um peso que, de repente, o torcedor local de um time de Premier League não vai entender.

Emblemático de tudo isso é Gabriel Jesus. O atacante do Arsenal não jogou bem terça-feira contra o Uruguai. Tudo bem, ninguém jogou bem. O desempenho coletivo foi muito ruim. Mas é impressionante como Gabriel Jesus não consegue render na Seleção faz muito tempo. 

Apesar de ter muitas oportunidades, ele marcou somente um gol em mais de quatro anos — nos acréscimos de um amistoso contra Coreia do Sul que o Brasil estava ganhando com fôlego.

Claro, o jogo dele não se define somente pelos gols marcados. Ele é um atacante bastante versátil. Mas não são somente gols. Ele simplesmente não está rendendo — num nível de jogo em que, durante 18 meses, ele parecia mais que confortável.

Lembra da estreia dele? Primeiro jogo do Tite, fora contra o Equador. Adolescente, ainda jogando com o Palmeiras. Muito cru. Aposta corajosa do novo técnico.

Durante mais de uma hora Gabriel Jesus não fez grande coisa. Ficava sempre em impedimento. Cedo demais para a Seleção? Não, porque no final ele transformou um jogo difícil em um passeio de 3 a 0. Primeiro ganhou um pênalti, depois marcou dois gols — em estilos muito diferentes, mas ambos geniais. Aí, durante as eliminatórias ele se consolidou como o centroavante do time, com mobilidade, coletividade e gols. Finalmente, o Brasil tem um nove! 

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Gabriel Jesus em ação pelo Arsenal – Foto: Icon Sport

Aí vem a Copa da Rússia, e uma decepção que parece estrangular a carreira dele até hoje.

Serginho Chulapa, muito criticado em 1982, deixou a sua marca. Fez gols. Gabriel — nada. Num time ofensivo, não consegue mostrar a presença da área necessária para furar a rede. Para alguém que passou a Copa de 2014 enfeitando a sua rua e sonhando alto, fracassar na Copa de 2018 foi um desastre.

Depois, não quis jogar de nove. Dava preferência para o lado. Fugiu do desafio — e da oportunidade. Sergio Aguero não ia durar para sempre no Manchester City e estava dando sinais preocupantes com lesões. 

Um dia ia ter que ser substituído. Gabriel Jesus era o príncipe com possibilidades de virar rei. Não rolou. O momento decisivo foi a eliminação da Liga dos Campeões contra o Lyon. Com Aguero machucado, Gabriel era a esperança — mas aquela falta de presença dentro da área se demonstrava mais uma vez. O City chegou à conclusão que Gabriel Jesus não ia ser o novo Aguero.

Mas aí o Arsenal chegou para salvá-lo. Edu e Arteta têm grande conhecimento do jogador e do seu potencial. Os dois acabaram fazendo a cabeça de Gabriel. Sim, ele poderia ser o nove de um time com dois pontas. E mostrou para ele mesmo no início da temporada passada. Começou tão bem que logo logo a torcida inventou uma música para comemorar que o Jesus era seu número nove, transformando água em vinho.

Sofreu uma lesão na Copa, ficou fora um tempinho, Nketiah jogou bem no lugar dele. E a volta de Jesus não dava o efeito esperado, com o Arsenal perdendo a sua liderança e o título para o Manchester City. E nesta altura, a torcida do Arsenal estava começando a ter dúvidas. Sim, Gabriel Jesus é um grande jogador — ouvi isso muitas vezes este ano –, mas não aparece suficientemente nos grandes jogos.

Acredito que seja a síndrome da Copa da Rússia mais uma vez. Também acredito que o jogador é capaz de superar essa percepção. Mas pode ser que a doença somente possa ser curada no mesmo lugar onde pegou — ou seja, para fazer os milagres mesmo, Gabriel Jesus tem que acabar com o trauma se destacando com a Seleção em jogo importante.

Em vez de reclamar sobre a data Fifa, então, a torcida do Arsenal deve torcer muito para o seu atacante no próximo mês quando o Brasil pega a Argentina no Maracanã.

Tim Vickery
Tim Vickery

Tim Vickery cobre futebol sul-americano para a BBC e para a revista World Soccer desde 1997, além de escrever para ESPN e aparecer semanalmente no programa Redação SporTV. Foi declarado Mestre de Jornalismo pela Comunique-se e, de vez em quando, fica olhando para o prêmio na tentativa de esquecer os últimos anos de Tottenham Hotspur.