Tenho um neto de 6 anos que já virou atração turística no Maracanã.
O pai dele é flamenguista na beira da doença e, neste caso, não houve a menor chance do filho de peixe não virar urubu. A criança já aprendeu todas as músicas e se comporta no estádio como ele tivesse mandando na torcida, escolhendo o grito da guerra da hora. Obviamente, muitas pessoas acham super engraçado, ou charmoso, ter um pinguinho de gente torcendo assim, e ficam filmando ele no ato.
Sempre que ele vai para o Maraca — e claro, ele não está indo sozinho ainda — tem uma tia que fica preocupada. Mas ela não teria o menor problema mental com ele indo para um jogo do Tottenham. Sei disso porque acabei de levar tal tia, uma das minhas enteadas, para a partida de segunda-feira passada contra o Fulham.
É sempre fascinante enxergar um evento esportivo ou cultural através dos olhos de alguém que está lá pela primeira vez. E ir para um jogo de futebol trata-se de um programa turístico que é quase infalível. Não precisa de língua para desfrutar do espetáculo, e sempre tem grandes possibilidades para fazer comparações.
Futebol é uma língua universal que se fala com muitos sotaques diferentes. Como este novo sotaque varia daquele da casa?
Brasil, Inglaterra e futebol
Escrevi “quase infalível” por um motivo. Pode aparecer um problema ou diferença circunstancial ou imprevisto. No caso dela, a minha enteada, ela sempre foi uma advogada convicta das vantagens do frio. Depois de passar por um jogo à noite no outono londrino, vejo que esta convicção perdeu uma pouca da sua força anterior.
Fora isso, só elogios.
Tem uma observação, totalmente espontânea, que deve causar bastante vergonha na cara dos administradores do futebol brasileiro — a qualidade do gramado. Ela não é uma pessoa fissurada por futebol, não acompanha com grande proximidade. Mas sacou logo logo que o gramado no Tottenham é um tapete, incomparável com os pastos no Brasil, e que isso torna o jogo muito mais rápido e dinâmico.
Bem, eu lembro dos gramados ingleses na minha juventude sendo lama pura de outubro até março. Se foi possível melhorar tanto o nível na Inglaterra, porque está sendo tão difícil no Brasil?
Também lembro o antigo estádio charmoso, mas meio mixuruco do Tottenham, White Hart Lane, onde já levei a mãe da minha enteada, a minha mulher. Essa ficou um pouquinho perturbada com a música Glory, Glory Tottenham Hotspur’– cresceu num ambiente religioso, não estava totalmente confortável com a melodia de um hino da igreja sendo desviada dessa forma.
Felizmente a minha enteada, com raízes religiosas mais fracas — não chiou sobre isso, porque as músicas são as mesmas. Mas o estádio novo é muito diferente. E um espanto para mim, lá somente pela segunda vez, e fez ela arregalar os olhos e ficar repetindo “isso aí é um mundo!” Enorme, mas íntimo, luxuoso, mas acessível, tecnológico, mas humano, o estádio deixou uma marca forte na mente de uma jovem brasileira.
Também curtiu a falta de clima de briga — dentro do estádio e fora — porque qualquer um com conhecimento do bairro vai lembrar da caminhada longa para voltar à estação de metrô Seven Sisters, com ônibus nenhum oferecendo passagem, cedendo lugar para o mar de gente saindo do estádio.
“Isso é tão acolhedor,” falou, “que não dá para imaginar nada nocivo.”
Chamou atenção a falta de raiva, o combustível comum do torcedor no Brasil. O foco principal dela foi o Richarlison — embora tenho que adicionar que ele estava torcendo também para o Willian um pouco mais do que eu gostaria. Numa fase triste do Pombo, essa não foi uma noite feliz. Se esforçou muito, e ela sacou o espírito da multidão.
“A torcida tá querendo que dê certo para ele”, falou depois de mais um equívoco pombeiro. E dentro da torcida um dos grandes destaques foi um steward, um rasta que tem que ficar com as costas para o campo, mas que estava acompanhando a ação na tela grande e adicionando a sua voz para todas as músicas.
Ela ficou encantada com a sua atuação e passou o jogo dividida entre assistindo ele e Richarlison. Acho que na mente dela ele virou um doce símbolo do clube, da sua torcida e do estádio, e uma lembrança vívida de uma noite agradável.
Próximo passo — na volta para Brasil, ela vai ter que aprender inglês para depois ensinar as músicas para o seu sobrinho, aí esse possa virar atração turística nos dois lados do Atlântico.