Mesmo adicionando “Diaz” para o seu nome, Ben Brereton não foi considerado chileno suficiente para manter o seu lugar na seleção. Na sua primeira convocação como técnico do Chile, Ricardo Gareca deixou o atacante do Sheffield United fora da lista para enfrentar a Albânia e a França, ainda nesse mês. Gareca explicou o motivo.
“Foi convocado para a Copa América mais de dois anos atrás, tempo suficiente para falar espanhol. Tem a ver com a convivência. Então, chama a atenção que não fala a língua. Não é um impedimento, mas gostaria que falasse porque é fundamental para comunicar-se dentro e fora do campo do jogo. Gostaria de ver uma predisposição dele para aprender espanhol.”
Parece, então, que até alguns meses jogando com Villarreal não foram suficientes para melhorar o desempenho de Brereton na língua de seus ancestrais. Mesmo assim, ele tem sete gols em 27 jogos na seleção — levando em consideração a pobreza do futebol exibido pelo Chile nos últimos anos, trata-se de uma retrospectiva bem respeitável.
Quem, então, se incomoda com a sua alegada falta de fluência em espanhol? Duvido muito que seja, por exemplo, Alexis Sanchez, o seu parceiro de ataque. Atualmente defendendo a Internazionale da Itália, Sanchez também jogou na França com o Marselha e ficou seis anos na Premier League, com Arsenal e Manchester United. Para ele, como qualquer jogador da elite hoje em dia, nada mais natural do que fazer parte de um vestiário multinacional, multicultural, multilingual.
Basta puxar o exemplo do grande jogo de domingo entre Liverpool e Manchester City. A quantidade de nacionalidades em campo é extraordinária e, com certeza, tem atletas em campo para quem falar inglês não é uma tarefa tão fácil.
Mas dentro da língua universal do futebol, o time acha um meio de comunicar bom suficiente para operar coletivamente. Difícil imaginar que Brereton Diaz não seja capaz de enturmar futebolisticamente com os seus colegas chilenos.
Quem, então, se incomoda com a sua falta de espanhol? A resposta parece clara — o próprio Ricardo Gareca. E os motivos são também fáceis de identificar.
Um bom centroavante — com habilidade suficiente para representar a seleção de Argentina –, Gareca faz parte da última geração de jogadores sul-americanos antes do processo em massa de globalização do jogo.
Hoje em dia jogaria na Europa. Mas ele foi para Colômbia. Em 45 anos de futebol, a única vez que trabalhou fora de um ambiente que fala espanhol foram aqueles poucos meses com o Palmeiras, uma década atrás.
Somos todos prisioneiros de nossas circunstâncias e dos hábitos e maneiras de pensar de nossa geração. Entendo o Gareca. Tenho problemas com esse mundo de aplicativos. Prefiro conversar com um sujeito para resolver problemas em vez de fazer tudo online — por que os procedimentos sempre precisam ser tão complicados?
Mas, querendo ou não, temos que lidar com o mundo do jeito que ele está (até para quem quiser entender e tentar transformar a realidade). E o problema de Gareca com Brereton é sintomático de um obstáculo para vários técnicos sul-americanos.
Quase 25 anos atrás, uma outra lenda do futebol argentino, Carlos Timoteo Griguol, voltou do Betis na Espanha resmungando que era impossível formar um grupo coerente de tantas nacionalidades diferentes. Mas o que se mostrou impossível para ele virou o normal para qualquer um querendo ser um técnico da elite — incluindo bastante argentinos de gerações mais novas.
Tem muitos exemplos de técnicos sul-americanos bem sucedidos com clubes europeus. Com poucas exceções, são pessoas que jogaram na Europa e, portanto, tem experiência de um vestiário multinacional e multilingual. Não vejam isso como bicho estranho — que é como Ricardo Gareca parece enxergar Ben Brereton Diaz.