As últimas duas rodadas da Premier League acabaram reforçando o palpite que, com coração pesado, eu fiz no início da temporada. Esse, finalmente, pode ser o ano do Arsenal.
A vitória fora de casa contra o Tottenham e a quase-vitória fora contra o Manchester City, na importância e circunstâncias das partidas, estão enviando uma mensagem forte — o Arsenal está na briga, porque dentro do novo Arsenal, tem suficiente do Arsenal velho para fazer a diferença.
Tem muita gente no Brasil que se apaixonou pelos Gunners nos primeiros anos do século. E até eu, com simpatias no outro extremo de Seven Sisters Road (um jeito londrino para me identificar como torcedor do Tottenham) pude entender os motivos. O time do técnico Arsene Wenger era dinâmico e empolgante, até glamoroso.
Mas lembro bem da minha vontade na época — ir buscando torcedores brasileiros do Arsenal e ficar os sacudindo enquanto eu gritava o seguinte — “sabe que isso aí não tem nada a ver com a identidade histórica do clube?”
Na linguagem vulgar dos negócios, durante os seus longos anos ali, Wenger conseguiu uma operação muito bem-sucedida de reposicionamento de marca. O Arsenal que ele pegou em 1996 era, sem sombras de dúvida, um grande clube com uma tradição notável. Mas era muito diferente. Era um clube que até se orgulhava de não ser dinâmico e empolgante, até glamoroso. Existia um jeito Arsenal de fazer as coisas — sólido, confiável, sem firulas.
Em grande parte, essa filosofia era a obra do Herbert Chapman, o gênio que era gerente e técnico do clube de 1925 até a sua morte repentina em 1934. As mangas brancas na camisa — ideia dele. O desenvolvimento do estádio — projeto dele. A mudança do nome da estação de metrô mais perto de “Avenell Road” para “Arsenal” — por força política dele.
E, mais importante, os primeiros grandes títulos — obra dele. O sucesso no campo chegou porque ele entendeu as consequências de uma mudança na lei de impedimento, que procurou facilitar a vida dos atacantes. Chapman respondeu colocando um homem extra no centro da defesa, criando assim o sistema WM.
Para a torcida adversária, aparecia que o Arsenal sempre estava com sorte, pois estava sendo atacado, mas mesmo assim ganhava os jogos no contra-golpe. Na verdade, tratava-se de uma maneira nova de interpretar o futebol, onde solidez era mais importante que posse da bola ou conquista de terreno. E virou um componente fundamental do DNA do clube.
O Arsenal que surpreendeu ganhando o campeonato e a FA Cup na temporada 1970-71 foi difícil de assistir — e mais difícil ainda de vencer. Não era nada brilhante e nunca procurava ser. Foi um time bem organizado, fisicamente áspero e mentalmente forte. Um jogador daquele time, George Graham, foi o técnico de 1986 até 95. Foi um outro período glorioso, com títulos domésticos e continentais. O Arsenal de então desfrutava de vários jogadores talentosos.
Mas, como mandava a tradição, prezava muito mais a solidez e a confiabilidade em cima da qualidade do espetáculo. A torcida adorava assim — ia para o estádio cantando os nomes dos defensores e apreciava como ninguém uma vitória de 1 a 0.
Wenger mudou isso tudo. Apresentava a torcida com um estilo mais espetacular, e ela adorava, especialmente, claro, quando também ganhava títulos. Mas ultimamente?
Nos últimos anos, com Wenger e depois, o Arsenal ainda tem sido capaz de dar show — num dia bom. Mas num dia não tão bom? Meio mole. Faltava a solidez tradicional.
Até agora. Ir para o jogo contra o Tottenham sem Martin Odegaard e Declan Rice? Sem problema. Ir enfrentar o City ainda sem Odegaard, sair atrás do placar e depois ter que jogar mais que 50 minutos com 10? Voltou para casa com um empate, e ficou a segundos de uma vitória.
O Arsenal de 2024-25 pode ganhar de várias maneiras. Pode superar o adversário com estilo. Mas também pode defender e fazer a diferença com bolas paradas. É até capaz de segurar o grande City mesmo com pouco mais que 10% de posse da bola no segundo tempo.
Falta um grande centroavante? Pode ser. Mas com o goleiro em boa fase, e um par de zagueiros estupendos, não é nada fácil marcar contra o Arsenal, que deixa confiança fluindo por todo o time. Imagino que o elenco voltou para Londres meio frustrado depois de 2 a 2 contra o City — que, em si, é um sinal do nível de ambição do time.
A temporada, claro, é uma maratona. Mas o Arsenal largou muito bem.