Trocando de canais no domingo à noite, eu consegui assistir ao filme “Febre da Bola”, uma versão ficcionalizada do livro de Nick Hornby sobre a sua obsessão com o Arsenal.
O filme foca-se num professor (Colin Firth) que tem um excesso da sua vida investida nas fortunas dos Gunners, e fica num estado de um ataque de nervos com o time perto de conquistar o título inglês de 1989.
Foi para o então estádio Highbury pela primeira vez com o seu pai em 1968 e, mesmo antes de a bola rolar, apaixona-se com o ambiente de barulhento comunhão. Daquele dia em diante, o Arsenal domina os seus pensamentos, e ele calcula a sua vida em temporadas em vez de anos.
Além das cenas da arquibancada de 1989, o filme mostra flashbacks para o jovem Colin Firth no estádio em 1968 e durante os anos 70. Impressionante como naqueles 21 anos a experiência pouco mudou. E teria sido a mesma coisa se ele fosse mais velho, e o filme voltou mais 21 anos em tempo, para 1947.
A cultura do velho setor de arquibancada North Bank (conheço bem, apesar de ser de um outro time me infiltrava por lá às vezes) permanecia — torcida em pé, barulho e suor, cheiro de cerveja e cebola frita, um ambiente da velha classe operária masculino.
Mas como mudou desde então!
Durante o filme, tem o desastre de Hillsborough, a semifinal da Copa entre Liverpool e Nottingham Forest onde, sem violência, quase 100 torcedores morreram esmagados contra as grades. Marca o final de uma época — e logo vem o início de uma outra.
Os estádios passaram por um grande upgrade — o Arsenal nem joga mais no Highbury. Os preços passaram por um baita upgrade, alterando o público, com prós e contras (um ambiente muito melhor para mulheres e imigrantes, mas cruel demais para quem não tiver bastante dinheiro). E houve, claro, a chegada de astros estrangeiros, e da capital estrangeiro. A Premier League hoje em dia faz parte da indústria global de entretenimento.
Tem uma geração forte de brasileiros que foram atraídos pelo time do Arsene Wenger no início do século — um time ofensivo e glamoroso, e, nos últimos anos do técnico francês, um pouco frágil também.
Tudo isso não tem nada a ver com o Arsenal que eu lembro, o Arsenal que é protagonista de “Febre da Bola.” Colin Firth vai acabar casando com uma mulher porque ela tem semelhanças com George Graham, o sisudo técnico (e ex-jogador) do Arsenal.
Graham é organizado, metódico, com um fetiche para solidez chata. Na sua escola, Firth é o técnico do time sub-14, onde ele bebe da fonte do George Graham, implementando uma linha de impedimento para sufocar o espaço do adversário. Isso aí era o Arsenal!
Velho e novo Arsenal
Bem, no domingo – e isso não se trata de uma crítica — baixou o espírito de George Graham no time de Mikel Arteta. O Arsenal foi visitar o Manchester City com a clara intenção de não levar um gol e conseguiu ser o primeiro time em anos que impediu o City de balançar a rede diante da sua própria torcida. Ganhou um ponto, e negou dois ao time do Guardiola.
Depois de ficar perto do título no ano passado, o Arteta claramente chegou à conclusão que dava para fazer melhor nas disputas diretas com os rivais. Contra Liverpool e City ganhou um jogo, empatou o outro, levando somente dois gols contra o primeiro e nenhum contra o segundo. Isso pode fazer a diferença.
Quarta feira em casa contra o Luton Town, o Arsenal vai ter que mostrar o seu lado mais expansivo e vai ser franco favorito para conquistar os três pontos. Mas o título se ganha nos jogos difíceis e, domingo passado, foi um passe importante.
Sim, os puristas ficaram decepcionados com a falta de espetáculo contra o Manchester City. Mas todos que lembram o Arsenal de George Graham foram capazes de entender o que estava acontecendo. Mesmo depois de tantas mudanças, redescobriu um pouco do velho Arsenal dentro do Arsenal novo.