‘O próximo jogador da Seleção que você não conhece vai sair daqui’: conheça o Sfera FC, que busca revolucionar a base no Brasil

15 minutos de leitura

Clube independente do interior de São Paulo aposta em método único para se tornar referência em formação de atletas e negociações diretamente com o mercado europeu


No quilômetro 10 da Estrada Municipal João Lúcio Prado, uma via com mais terra do que asfalto, fica sediado um clube de futebol. O endereço é de Jarinu, município no interior de São Paulo a 90 quilômetros da capital, mas o nome com um quê de estrangeiro e moderno apresenta um projeto que está disposto a revolucionar as categorias de base do Brasil, romper fronteiras com a Europa e fincar sua bandeira na seleção brasileira. É o Sfera Futebol Clube.

Navegue no mapa para ver onde fica o Sfera FC

Logo na portaria, o escudo — redondo, é claro — estampado com um raio no meio também se destaca. A cor entre o azul e o verde não lembra a de nenhum outro time brasileiro. Os primeiros 10 minutos de visita à sede, onde a reportagem da PL Brasil esteve numa terça-feira de outubro, corroboram a tese de que o lugar é diferente.

A começar pela entrada do prédio principal da administração. Do lado de fora da casa térrea, um treinador conversa com um grupo de 20 adolescentes, reunidos em volta de uma mesa de piquenique, e faz orientações com uma lousa. A porta da casa está fechada, mas é por um bom motivo — lá dentro, membros do staff do clube avaliam os mesmos adolescentes.

sfera futebol clube
O escudo do Sfera FC nas instalações da sede do clube em Jarinu, interior de São Paulo (Foto: site oficial)

A reunião entre as comissões técnicas também acontece com várias pessoas sentadas em volta de uma mesa. Nela estão treinadores de todas as categorias de base, preparadores físicos, nutricionistas, psicólogos, o presidente e até um dos fundadores. Numa tela a vista de todos, aparece o perfil dos jogadores do clube, um por um.

A mesa, que por motivos de privacidade não foi fotografada pela reportagem, discute as características dos atletas de diferentes idades, que passam por aspéctos técnicos, físicos e mentais. Todos os presentes debatem, por exemplo, se um jovem goleiro alcançará a altura necessária para se firmar na posição. Outro jogador é elogiado porque demonstra uma disposição acima do normal para atuar em mais de uma posição diferente.

A ideia é que, a partir dessa reunião, os responsáveis formulem um feedback individual para cada jogador do clube, que será apresentado a ele e a sua família trimestralmente. O feedback é usado para eventuais cobranças, elogios e “planos de ação” que irão servir para estimular a melhoria do atleta em diversas áreas.

Um escritório do lado do local da reunião, com uma mesa, três cadeiras e um banheiro, é a sala do presidente do projeto. Na lousa pendurada na parede, duas coisas chamam a atenção. A primeira é a frase “impactar positivamente a vida das pessoas através do futebol“.

A outra, que não deixa esquecer o objetivo final do clube formador, é uma lista dos olheiros brasileiros dos principais ‘Multi Club Ownerships’ do mundo, como Grupo City, Chelsea/Strasbourg e Eagle Holding — que pertence a John Textor, dono de Botafogo, Lyon e Crystal Palace. Ou, em outras palavras, a ponte que pode levar o garoto de Jarinu para a Premier League.

O que é o Sfera FC?

Toda essa estrutura e modus operandi são recentes. O Sfera foi um clube fundado em abril de 2021, cuja operação só começou em fevereiro de 2023. Ele contou com o investimento inicial de três sócios: Gustavo Aranha, Felipe Merencio e Fabio Francez. Os dois primeiros são do mercado financeiro, enquanto o último é dono de uma empresa de gerenciamento de carreira chamada F3 Sports.

Francez também é dono da propriedade em Jarinu onde está instalado o Sfera. O centro de treinamento serviu como instalação do projeto brasileiro da Red Bull nos últimos anos, mas a equipe principal da empresa de energéticos, que disputa o Brasileirão, se mudou recentemente para um novo CT em Atibaia. Os categorias de base do Massa Bruta dividem o local em Jarinu com o Sfera, mas serão realocados às novas instalações no início de 2024. E a propriedade de Francez ficará toda com o seu clube.

Campo de treinamento do Sfera FC em Jarinu (Foto: Diogo Magri/PL Brasil)

De acordo com Gustavo Aranha, a ideia de investir no futebol partiu da vontade de atuar numa área onde predomina o amadorismo, com a segurança institucional de um clube e as vantagens financeiras de apostar no futebol de base em comparação com o profissional. “A base é onde tem mais impacto social, um retorno de capital maior e onde dá para fazer um processo de longo prazo sem pressão“, argumenta ele.

Mas faltava a experiência de alguém na gestão do esporte. Para isso, o trio contratou como CEO (ou presidente) Rodolfo Canavesi, com passagens pela administração do Desportivo Brasil, base do São Paulo e profissional do Estoril, em Portugal. Canavesi entrou no topo de uma pirâmide com a proposta de tocar o futebol de base de um jeito diferente dos lugares de onde passou.

‘Imagine La Masia sem o Barcelona. Ou Cotia sem o São Paulo’

Mais uma vez, o foco é claro: transformar o Sfera numa referência na formação de jogadores de futebol no Brasil sem a necessidade de um clube profissional e tradicional por trás.

Imagine se La Masia não tivesse o Barcelona, mas fosse La Masia. Ou uma Cotia sem o São Paulo. Por que uma marca de formação ótima precisa estar associada a um time profissional de primeira divisão? Eu acho que não precisa. O que a gente quer é ter um selo de formação que fale por si só — defende Aranha.

O primeiro passo foi dado com sucesso, uma vez que o Sfera conseguiu o selo de clube formador da CBF em tempo recorde. Canavesi também aponta outras diferenças para os clubes que passou que, segundo ele, também se tornam vantagens.

— Vim para cá porque a oportunidade de escrever uma página em branco me dá muita satisfação e possibilita uma correção de rota bem mais rápida. É uma liberdade muito maior que no São Paulo, por exemplo. Aqui nós conseguimos aproximar os pais do clube, trabalhar com 20 atletas por categoria e apostar na continuidade deles, o que impacta no desenvolvimento e é mais difícil num clube tradicional — afirma o presidente.

Rodolfo Canavesi, presidente, e Gustavo Aranha, fundador do Sfera FC (Foto: Diogo Magri/PL Brasil)

No segundo semestre de 2023, o Sfera conta com 65 atletas somando as categorias sub-14, sub-15 e sub-17. Num clube maior, é natural que apenas uma categoria chegue nesse número. A quantidade reduzida é essencial para uma gestão que planeja feedbacks individualizados para os atletas e quer combater o tradicional “rodízio de dispensas”, onde garotos convivem com pressões externas e sobrevivem mais do que se desenvolvem.

Nos feedbacks, os garotos são avaliados a partir de sete “raios”. O raio, que está no escudo no formato de um S, é sinônimo no futebol para grande promessa das categorias de base. A utilização da simbologia serve como critério para a avaliação ao mesmo tempo em que é uma marca da cultura do clube.

Os 7 raios do Sfera

  • ⚡️FAIR PLAY
  • ⚡️TEAM WORK
  • ⚡️CORAGEM
  • ⚡️VELOCIDADE
  • ⚡️AUTONOMIA
  • ⚡️ENERGIA
  • ⚡️RESILIÊNCIA

A partir desses critérios, é possível colaborar com a formação completa dos jogadores, passando pelas áreas psicológicas, pedagogas, físicas e esportivas. A estratégia de conseguir cuidar de cada jovem com atenção serve como ação social por parte do clube, mas também tem relação com o objetivo financeiro do projeto.

Naturalmente, a transferências de atletas faz parte da renda prevista pelos investidores, assim como patrocínios e leis de incentivo ao esporte. E se preocupar com a sua autonomia, a fluência em outra língua e a capacidade para se adaptar a novos desafios é o jeito de prepará-lo para uma vida fora do país, onde seu sucesso pode ser vital para os cofres do Sfera.

— O grande exemplo que eu tive no Estoril, em Portugal, é como a formação do indivíduo é importante para a longevidade da carreira do atleta, para que ele se adapte melhor aos ambientes de adversidade e de novos projetos. O português é bem formado na escola, então ele se adapta muito fácil quando sai do país para outras ligas. Isso é o que queremos implementar aqui — garante Canavesi.

O modelo de negócio

Não existe nada no livro de regras do Sfera que limite o clube a só vender jovens jogadores para a Europa. É possível que, numa análise individual, o clube entenda que o melhor negócio seja transferir o atleta para um time maior do Brasil e ver sua carreira despontar a partir daí. Mas estes devem ser a exceção. “Eu acho que, naturalmente, clubes estrangeiros procurarão o nosso atleta porque vão perceber que ele está mais bem preparado“, opina o presidente.

O que está claro é que o Sfera não vai ceder jogadores em prol apenas da visibilidade. Os administradores contam que São Paulo e Palmeiras já vieram atrás de revelações do clube, mas propondo levá-los de graça e deixar o Sfera apenas com um percentual. Isso, garantem eles, não vai acontecer.

— O menino já entra aqui sabendo disso. Você quer ir para o Athletico Paranaense? Nem entra aqui. Porque se você entrar, eles vão bater na sua porta daqui um ano e você não vai sair — exemplifica Canavesi.

E o Sfera assume esse risco sabendo que o retorno econômico pode não ser imediato, mas virá — e aliado ao que eles entendem que também é um ganho na qualidade de vida no atleta. “A nossa porrada é na segunda transferência“, afirma Gustavo Aranha.

— Olha o caso do Brenner, que o São Paulo vendeu por 15 milhões de dólares para o Cincinnati. Talvez a gente não venda por 15 milhões, mas por 500 mil dólares e fique com uma porcentagem. Só que, com a nossa formação ‘do pescoço para cima’, temos a certeza de que ele vai jogar bem lá. E aí vai para a Europa por 50 milhões de euros, que é onde a gente ganha dinheiro.

Nós não vamos ter um Neymar ou Endrick, porque esses caras são disputados a tapas desde muito novos, mas um Brenner eu te garanto que a gente tem — afirmou o proprietário.

O Brenner foi o primeiro exemplo que veio na cabeça do são-paulino Gustavo Aranha, mas o mesmo lembrou de outros. Carlos Vinícius, hoje no Fulham, Diego Carlos, zagueiro do Aston Villa, ou Fabinho, volante que trocou recentemente o Liverpool pelo Al Ittihad, são jogadores de alto nível que não foram celebridades na adolescência, fizeram a base no Brasil, estrearam como profissionais na Europa e, se o clube formador seguisse o modelo do Sfera, teria arrecadado milhões de euros.

— Claro que, no fim do processo, nos cabe saber que tal jogador pode se dar melhor na Espanha do que na Inglaterra. Se a gente coloca ele no lugar certo, ele desenvolve por lá e nós ganhamos mais dinheiro. O raio da autonomia quer dizer isso: temos que deixar esse menino pronto para morar sozinho na Holanda aos 19 anos. O sucesso do Sfera é o sucesso da carreira a longo prazo dos meninos que a gente forma — completa Aranha.

A gestão faz a projeção até para a seleção brasileira. Da última convocação do treinador Fernando Diniz, quatro atletas estrearam como profissionais fora do país: Ederson, Caio Henrique, Matheus Cunha e Raphinha. O Sfera sonha em ter um jogador formado no clube no elenco do Brasil da Copa de 2030. “Na de 2034, com certeza (vai ter)”, promete Canavesi.

O próximo jogador da seleção brasileira que você não conhece vai sair daqui“, conclui Gustavo Aranha.

‘Quero ir direto para a Europa’

A harmonia do clube depende da compreensão da filosofia entre jogadores e gestão. E, ao que parece, é o caso do Sfera. Isso porque os jogadores alojados no clube corroboram com a intenção dos donos de negociar diretamente com o futebol europeu.

Ao menos é o exemplo dado por Bernardo e Lucca Gentil, zagueiro e lateral-esquerdo que estão entre os jogadores mais promissores da categoria sub-17. Gentil nasceu em 2007 e Bernardo, em 2008.

Não troco o Sfera por nenhum time de maior expressão. Quero sair daqui para um campeonato na Europa, nem que seja menos conhecido. Meu sonho é jogar no Real Madrid e meu ídolo é o Marcelo — afirma Gentil, ainda ofegante depois de algumas horas de treino.

O lateral fala com a propriedade de quem já vivenciou um clube grande. Lucca Gentil passou pelas categorias de base de Corinthians, Palmeiras e em 2022 estava no São Paulo. Foi dispensado, segundo ele, “por causa de empresário”. Natural da capital paulista, ele ficou duas semanas fazendo teste no Sfera até ser aprovado. E comemora até hoje a mudança.

— No Sfera, o tratamento é totalmente diferente. O carinho, a educação, a estrutura. Lá (no São Paulo) não tinha um terço disso. Prefiro mil vezes estar aqui que no São Paulo — garante ele.

Ao lado de Gentil, o zagueiro Bernardo, nascido em 2008, veio de Rio Claro e precisou de 30 minutos num amistoso para entrar no clube. O garoto viu o Sfera bancar sua lente de contato para jogar bola, o que já foi suficiente para ele rechaçar uma sondagem do Palmeiras que aconteceu quando os dois times se enfrentaram. O objetivo dele, que tem Thiago Silva como ídolo, também é jogar na Europa, mas no Barcelona.

Gentil e Bernardo, atletas do sub-17 do Sfera (Foto: Diogo Magri/PL Brasil)

Os dois moram no centro de treinamento de Jarinu. Eles acordam às 5h20 da manhã, tomam café e saem para a escola às 6h. O clube tem convênio com três escolas públicas da região, mas o projeto para o futuro é construir uma unidade educacional dentro do próprio CT.

Encerram os estudos às 12h35 para chegar 13h30 na sede. Aí é almoço e, às 14h, começa a rotina de jogador. As atividades variam entre treino, academia e sessões com psicólogo, até cerca de 17h ou 18h.

Às sextas, todos participam de uma reunião geral, que engloba atletas de todas as categorias. O sábado é o dia de jogo e, depois da partida, todos ganham descanso até segunda-feira. Alguns voltam para casa, mas a maioria fica no CT, onde o clube também tem áreas de lazer e propõe atividades com eles, como idas ao cinema e ao shopping.

Diferente em tudo: o uniforme roxo com detalhes no verde característico do Sfera FC, cores diferentes das usuais no futebol brasileiro (Foto: site oficial)

Só não pode vacilar, porque uma falta na escola equivale a um veto no treino. A performance educativa também é usada como critério de avaliação dos jogadores. O importante é manter a conexão com a cultura do Sfera.

Aqui a gente não perde o foco. É uma característica diferente de outros clubes que nos ajuda a buscar o nosso sonho. Eles não formam só um jogador, formam um homem com autonomia para tomar as melhores decisões na vida — resume Bernardo, que cita os sete raios de cor e salteado durante a entrevista.

Bernardo e Gentil ainda vivem a expectativa de estarem na lista de inscritos para a próxima Copa São Paulo de Futebol sub-20, que será a estreia do clube na categoria. O Sfera, no entanto, pretende jogar com o time que disputou o Paulista sub-17 em 2023 — ou seja, garotos bem mais novos que a média da Copinha. Mas também aposta numa visibilidade fora da curva no pouco tempo de operação.

O projeto da gestão ainda é montar uma categoria sub-19, e não sub-20, seguindo os moldes europeus — mais uma medida que facilitaria a transição de jovens para o velho continente. O time profissional também está nos planos, mas apenas para 2026, quando os atuais atletas superarem a barreira dos 20 anos.

Academia no CT do Sfera (Foto: Diogo Magri/PL Brasil)

A visão de fora da esfera

Um projeto com essa ambição, que já nasceu desse tamanho, obviamente chama a atenção das pessoas envolvidas com o futebol de base. Em especial os olheiros, responsáveis por apontar jovens cada vez mais novos aos gigantes da Europa.

Não à toa, a lista de scouts na lousa do presidente do Sfera deixa clara a tentativa de se aproximar da categoria, com a missão de fazê-los conhecer clube e promessas.

A estratégia vem funcionando. Em contato com alguns dos principais olheiros brasileiros de grandes clubes da Inglaterra, a PL Brasil ouviu que o clube faz reuniões com esses profissionais e cria expectativa para além das aparências.

O relato externo dá o tom da impressão sobre o Sfera: “É um projeto onde tem gente muito boa envolvida, com grana e conhecimento. Tem tudo para dar certo“, afirma um dos olheiros contatados.

Só que demora, né? Ainda leva uns anos para começar a dar fruto“, ressalva a mesma fonte. A julgar pela experiência de um dia no CT do Sfera, o clube está todo alinhado nesse modo de pensar. Jogadores, comissão e administradores sabem que os passos são curtos e o caminho é longo. Mas o sonho não deixa de ser grande.

Sfera FC categoria de base selecao
Ederson e Matheus Cunha, jogadores que se profissionalizaram na Europa: espelho para jogadores do sub-17 do Sfera (Arte: PL Brasil com fotos de IconSport e Sfera FC)

Edição: João Vítor Castanheira e Pedro Ramos

Diogo Magri
Diogo Magri

Jornalista nascido em Campinas, morador de São Paulo e formado pela ECA-USP. Subcoordenador da PL Brasil desde 2023. Cobri Copa América, Copa do Mundo e Olimpíadas no EL PAÍS, eleições nacionais na Revista Veja e fui editor de conteúdo nas redes sociais do Futebol Globo CBN.

Contato: [email protected]