Pochettino tinha uma missão impossível. Pior para o Chelsea

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Afirmo sem medo nenhum de errar: não há nenhum clube da elite do futebol inglês mais difícil para um treinador se firmar do que o Chelsea.

Os números provam isso.

Com a saída de Mauricio Pochettino confirmada, o próximo comandante será o vigésimo a assumir a cadeira desde 2000. Incluindo na conta, os interinos.

A média é de pouco mais de um ano para cada técnico. Muito, mas muito acima do padrão dos clubes vencedores na Inglaterra. Pep Guardiola, por exemplo, completa oito temporadas no Manchester City. Jurgen Klopp se despede depois de nove anos de Liverpool. Mikel Arteta já está há quatro anos e meio no Arsenal.

A grande culpada por isso, é claro, é a diretoria. Tanto a antiga, quanto a nova, que assumiu em maio de 2022, depois que o clube foi comprado pelo empresário Todd Boehly. Mas a torcida também tem participação. Os fãs do Chelsea são muito mais exigentes do que o comum na Inglaterra. E possuem também uma característica bem particular: gostam de treinadores consagrados, multivencedores.

Os que não têm esse perfil já largam tendo de correr atrás do prejuízo. Foi o que aconteceu com nomes como Maurizio Sarri e Graham Potter, por exemplo, só para ficar nos mais recentes. É o que se passou também com Mauricio Pochettino. E o técnico argentino tinha ainda mais um motivo para rejeição: o passado com o Tottenham.

Dito tudo isso, é claro que o desempenho foi abaixo do esperado. Principalmente na primeira metade da temporada. As dezenas de lesões atrapalharam, e muito, mas Pochettino realmente demorou demais para encontrar uma maneira de jogar, dar um padrão de atuação para a equipe.

Houve também derrotas muito pesadas, daquelas que são imperdoáveis, como o 4 a 1 contra o Newcastle, o 4 a 2 em casa para o Wolverhampton, e o 5 a 0 diante do Arsenal, já na reta final da Premier League. Mas a verdade é que, de outubro pra cá, o Chelsea só fez menos pontos que os três primeiros colocados: Manchester City, Arsenal e Liverpool.

Ou seja: Dá para dizer que os dois meses iniciais acabaram com as chances de uma sonhada vaga na Champions League. Mesmo assim, a arrancada final levou o time para a sexta colocação, garantindo vaga para a Conference League. Já é um grande avanço em relação à temporada anterior, quando o clube acabou na 12ª posição.

Vale lembrar que o Chelsea ainda chegou na final da Copa da Liga Inglesa, perdendo para o Liverpool com gol aos 13 minutos do segundo tempo da prorrogação, e na semifinal da Copa da Inglaterra, sendo eliminado pelo Manchester City, derrota por 1 a 0 depois de Nicolas Jackson perdeu três chances incríveis.

Chelsea perde para o Manchester City na FA Cup com atuação desastrosa de Nicolas Jackson (Foto: Icon Sport)
Chelsea perdeu para o Manchester City na FA Cup com atuação desastrosa de Nicolas Jackson (Foto: Icon Sport)

E por falar em desperdiçar ótimas oportunidades, Christopher Nkunku foi a principal contratação do Chelsea para o ataque. Sim, hoje fala-se apenas de Cole Palmer, mas a grande esperança de gols era o jogador francês. Só que as lesões o fizeram ser titular em apenas duas partidas da Premier League. Mesmo assim, o que se viu foi uma enorme evolução em comparação com a temporada passada.

Com Palmer como protagonista, o Chelsea fez 77 dos no Campeonato Inglês, mais do que o dobro dos 38 da última campanha, que começou com Thomas Tuchel no comando, e depois teve Graham Potter e Frank Lampard. Trata-se do terceiro maior número de gols marcados em toda a história do clube na Premier League, atrás apenas dos times de 2009/10 e 2016/17, que acabaram sendo campeões.

Thomas Tuchel Chelsea
Thomas Tuchel nos tempos Chelsea (Foto: Icon Sport)

Os problemas do Chelsea na era Pochettino

Mas é claro que, se o ataque brilhou dessa maneira, a defesa acabou sendo o principal motivo para a posição final do Chelsea não ter sido a esperada. Os 63 gols sofridos configuram a pior marca do clube desde que a Premier League passou a ser disputada, em 1992. Uma estatística relacionada a esse péssimo desempenho defensivo chama a atenção: 40 dos 63 gols que o time levou aconteceram no segundo tempo.

Pior: 18 deles, depois dos 30 minutos da etapa final. Para a diretoria do Chelsea, isso mostra que o treinador não soube administrar bem o time e o elenco durante as partidas. Ou o estilo de jogo exige muito fisicamente e os atletas chegam na reta final sem fôlego, ou as alterações realizadas não surtem efeito, ou a parte mental dos jogadores não foi bem trabalhada. Ou um misto de tudo isso.

O forte final de temporada do Chelsea provocou algo que parecia impossível meses atrás: a maioria dos torcedores passou a apoiar o treinador. Mesmo com as enormes dificuldades, a evolução era nítida. Quem for curioso e quiser olhar os comentários no post do clube que informou a saída de Pochettino, irá perceber que a enorme maioria das mensagens era de lamentação. Muitos pedem desculpas pela decisão da diretoria.

E claro, o anúncio oficial fala em “decisão mútua” e “comum acordo”, mas é óbvio que a decisão partiu de Behdad Eghbali, que manda e desmanda dentro do clube. Dito isso, me pergunto o que os novos donos esperavam do Pochettino. Título logo na primeira temporada? Ou a vaga na Champions League era imprescindível para a continuidade do trabalho?

Porque se, depois de um elenco inteiro ser desmontado e reconstruído em poucos meses, o principal objetivo era ver um trabalho crescendo, ganhando forma, um time sendo montado do zero e se transformando em competitivo, não haveria motivo para dispensar o treinador.

Bom, que venha o próximo. Fica apenas uma certeza: ele encontrará um time muito mais preparado do que o de doze meses atrás.

Renato Senise
Renato Senise

Renato Senise é correspondente em Londres desde 2016. São mais de cinco temporadas cobrindo Premier League e Champions League. No currículo, duas Copas do Mundo “in loco”, além de entrevistas com nomes como Pep Guardiola, José Mourinho, Juergen Klopp, Marcelo Bielsa, Neymar, Kevin De Bruyne e Harry Kane.