Senise: As linhas altas de Postecoglu no Tottenham: filosofia, teimosia ou loucura?

7 minutos de leitura

Foi um daqueles jogos que você precisa de um certo distanciamento para finalmente entender, ou aceitar. O Tottenham x Chelsea da segunda-feira foi tão louco, tão inesperado, que dois dias depois ainda é o principal assunto na Inglaterra. Os motivos, são vários. As polêmicas de arbitragens, gols anulados, expulsões, fim da invencibilidade dos Spurs, Mauricio Pochettino vencendo na volta à sua antiga casa.

Mas, pra mim, o que é mais interessante disso tudo, é a escolha do Tottenham de continuar jogando com a linha alta mesmo com NOVE jogadores. A imagem abaixo, com SETE atletas praticamente alinhados, no meio-campo, é igualmente surpreendente e assustadora. Eu nunca tinha vista uma equipe jogar dessa maneira com dois homens a menos. E o jogo estava empatado!

Era tentar segurar o resultado, quem sabe especular com um contra-ataque, uma bola parada. Repetir o que o Liverpool havia feito semanas antes contra o mesmo Tottenham: colocar os nove jogadores atrás da linha da bola, lutar e tentar se salvar.

No caso dos Reds, deu certo até o último lance da partida. Perguntando sobre as linhas altas, a resposta de Ange Postecoglu já entrou para a história da Premier League.

“It’s just who we are, mate. It’s just who we are. It’s who we are going to be as long as I stay here”.

No português: “É isso o que somos, cara. É isso o que somos, e como seremos enquanto eu estiver aqui”.

A verdade é que gosto muito da coragem do treinador australiano. Jogamos assim mesmo, nada vai nos fazer abandonar o nosso estilo. Não tem apego ao cargo, medo de ser julgado, de arriscar. Mas, no longo prazo, acho sim que todo técnico precisa saber adaptar seu time a diferentes situações. O próprio Pep Guardiola é prova disso.

Ou alguém acha que o Manchester City de hoje joga da mesma maneira que o Barcelona de Messi e companhia? Vou ainda mais fundo: no Bayern de Munique, ele chegou a atuar sem nenhum zagueiro de ofício. Na Inglaterra, faz o contrário. São no mínimo três zagueiros por jogo. Às vezes, quatro. Já foram cinco…

O treinador espanhol foi mudando, aperfeiçoando seu estilo com o passar dos anos. E os títulos não param de sair. Vou dar outro exemplo. O Fernando Diniz que acabou de conquistar a inédita Copa Libertadores para o Fluminense, já é completamente diferente daquele treinador que começou a chamar a atenção no Audax. Ou alguém viu o Flu arriscar o tempo todo a saída de bola sob pressão, desde o campo de defesa, na final contra o Boca Juniors?

Aliás, o Diniz levou a campo uma escalação mais cautelosa, com o Martinelli compondo o meio-campo e o John Kennedy no banco. Depois de apanhar muito, ser questionado e cobrado por títulos, o treinador aprendeu: dá para manter a filosofia de jogo, e ao mesmo tempo ganhar títulos. Não é toda partida que ele escalará cinco atacantes e terá 80% de posse de bola. Só assim os troféus finalmente começaram a aparecer.

Quem viu o jogo da segunda-feira, sabia que o Tottenham iria levar pelo menos mais um gol depois da expulsão do Udogie. E a verdade é que isso só foi acontecer aos 30 do segundo tempo, depois de 20 minutos jogando com dois homens a mais, por incompetência do Chelsea. Os espaços estavam lá, a todo momento.

Foto: Icon Sport

Mas sempre tinha alguém se precipitando no passe, na finalização, fazendo escolhas erradas. Estamos falando de um Tottenham que desde o início da temporada vem apresentando problemas na hora de chegar ao gol adversário.

Mesmo com os quatro gols diante do Tottenham, ainda tem o segundo pior ataque entre os 10 primeiros colocados da Premier League. Os torcedores seguem amando o trabalho de Postecoglou. O time foi aplaudido depois da derrota em casa contra um dos maiores rivais. Só que essa lua de mel durará por duas, três temporadas, mesmo que não venha nenhum título?

A coragem será igualmente celebrada mesmo com novas goleadas contra rivais? Quem viu a partida pelo prazer de acompanhar futebol, simplesmente adorou. Mas, mesmo com dois a menos, dava para o Tottenham ter segurado o empate e mantido a invencibilidade…

Renato Senise
Renato Senise

Renato Senise é correspondente em Londres desde 2016. São mais de cinco temporadas cobrindo Premier League e Champions League. No currículo, duas Copas do Mundo “in loco”, além de entrevistas com nomes como Pep Guardiola, José Mourinho, Juergen Klopp, Marcelo Bielsa, Neymar, Kevin De Bruyne e Harry Kane.