Depois da importantíssima vitória do Arsenal contra o Liverpool no fim de semana, esses foram alguns comentários sobre Kai Havertz nos jornais e programas de TV ingleses: “A peça que fez toda a engrenagem funcionar perfeitamente”.
“Talvez ele não tenha brilhado tanto quanto Jorginho, mas foi tão fundamental quanto”. “A versatilidade de Havertz traz algo que Arteta não tinha na temporada passada”. Sim, senhoras e senhores. Em questão de dias, a percepção sobre Kai Havertz mudou da água para o vinho. Até pouquíssimo tempo atrás, só se falava que ele custou cerca de 65 milhões de libras.
Ou lembrava-se que tem pouquíssimas participações decisivas em gols nessa temporada de estreia pelo Arsenal (agora, são 5 gols e 1 assistências em 32 partidas). Parece que, finalmente, a Inglaterra e o mundo inteiro começam a entender qual a verdadeira função do jogador alemão. Cresce tardiamente o entendimento de que não adianta cobrar números de centroavante, de um cara que não é centroavante. E nunca quis ser.
Havertz oferece uma dinâmica diferente para o Arsenal.
O jogo contra o Liverpool foi uma prova disso. Ao olharem a escalação, muitos pensaram que ele seria usado mais uma vez como o número 9. Longe disso. Jogou mais ao lado de Odegaard no meio-campo. Uma espécie de camisa 8, pela esquerda. Correu sem parar, voltou o tempo todo para marcar, marcou incansavelmente.
Tanto que teve quatro recuperações de bola. Foi também o jogador que mais recebeu faltas e o que mais duelos venceu. Uma flexibilidade tática típica de um jogador moderno. Sem a bola, virava um marcador. Com a bola, hora cuidava da organização das jogadas, hora aparecia dentro da área.
Com movimentação inteligente, chamava a atenção dos zagueiros adversários, abrindo espaço para Gabriel Martinelli e Saka, tanto pelos lados de campo, quanto pelo meio. Mikel Arteta parece finalmente estar conseguindo tirar do jogador alemão tudo que ele pode entregar.
Aliás, esse foi um dos motivos para ele ter saído do Chelsea. Lá, foi campeão da Liga dos Campeões, é verdade. E fez o gol do título! Mas foi usado, quase o tempo todo, como centroavante. Tem bom posicionamento dentro da área, faz bastante gol de cabeça, finaliza bem com as duas pernas. Mas não é como número 9 que se sente mais a vontade. Sempre achou que jogar nessa posição limitava seu potencial. E tinha razão.
No Bayer Leverkusen, onde teve grande destaque e por isso chamou a atenção dos clubes ingleses, Havertz era chamado de “alleskönner”. Ou seja, um “faz tudo”. Cai pela esquerda, pela direita, entra na área, volta para receber a bola e armar as jogadas. E foi assim, com liberdade, que teve números impressionantes.
Na temporada 2018/19, fez 20 gols e deu seis assistências em 42 partidas. No ano seguinte, o último antes de tentar a sorte na Inglaterra, mais 18 gols e nove assistências em 45 jogos. Ele não pode ser cobrado por números de um centroavante, mas quando joga onde gosta, com liberdade, pode acabar tendo estatísticas tão boas quanto.
No Arsenal, tem sido importante até nas bolas aéreas longas. Como o time não tem centroavante clássico, daqueles que se impõem fisicamente contra os zagueiros (Gabriel Jesus e Nketiah não têm essa característica), é Havertz que sobe para brigar por aquele “chutão pra frente”.
Tanto que em tiros de meta ou em algumas saídas de bola, se tornava o homem mais avançado do time. Assim, foi o tempo todo uma válvula de escape para evitar que o Liverpool pressionasse o Arsenal. E deu certo, mesmo com os Reds terminado a partida com 58% de posse de bola.
Aos 24 anos, ainda há muito a melhorar. No primeiro gol contra o Liverpool, por exemplo, ele participa do início e do fim da jogada. Primeiro, indo buscar a bola e puxando a marcação com ele, depois encontrando o espaço perfeito para correr.
Mereceria todos os elogios do mundo, mas ao receber na cara do gol, livre e com tempo de sobra para decidir o que fazer, acabou finalizando no peito do Alisson. Ele não pode ser cobrado por finalizar tão bem quanto um Haaland ou Lewandowski. Mas, quando a grande chance aparece, ainda mais em um jogo tão importante quanto o do último domingo, não pode desperdiçar. Sorte dele que o Saka estava lá para aproveitar o rebote.
E assim Havertz segue sua jornada na Inglaterra. Já são três anos e meio de muitas críticas, questionamentos, e alguns elogios. Quietinho, ele segue fazendo o que pode: correndo, marcando, dando carrinho, subindo pra cabecear, brigando com os zagueiros, abrindo espaço para o companheiros, finalizando.
Sabe aqueles jogadores que exercem muito bem todas as funções táticas e técnicas dentro de campo, mas não são verdadeiros craques em nenhuma delas? Pois é, esse é o Kai Havertz.