O Manchester City de Pep Guardiola vem quebrando recorde atrás de recorde no futebol inglês. E começo o texto citando apenas alguns. Melhor campanha da história da Premier League em 2017/18, com 100 pontos. Primeiro clube a conquistar a chamada tríplice coroa doméstica (Premier League, FA Cup e Copa da Liga Inglesa) em 2018/19.
Primeiro time a ganhar quatro edições seguidas nos 136 anos de Campeonato Inglês. E fez isso sustentando, nesse momento, 35 jogos sem perder, algo nunca feito antes por uma equipe da primeira divisão. Além disso, é claro, o treinador espanhol e seus comandados conquistam o primeiro titulo de Champions League do Manchester City.
Saindo dos números para o que se vê nesse time: uma mentalidade surreal.
Um elenco que consegue, temporada após temporada, título após título, se reinventar, encontrar novas maneiras de se motivar e vencer. Neste ano, por exemplo, Guardiola se aprofundou em algo que já havia começado em 2022/23: zagueiros e mais zagueiros. Aké ou Gvardiol na esquerda (fazendo até golaço), Rúben Dias na direita, John Stones de volante.
Outro aspecto impressionante: na reta final da temporada, eles crescem demais. Foram nove vitórias nas últimas nove rodadas da Premier League, garantindo o título com apenas dois pontos de vantagem para o Arsenal.
“Acho que nos últimos anos a equipe joga melhor com pressão do que sem. A gente entrega mais quando sabe que não pode perder, que é obrigado a ganhar um jogo atrás do outro para continuar sonhando com algo”, disse Bernardo Silva.
Tem também a superação.
Estamos falando de um time que ficou cinco meses sem Kevin de Bruyne e dois meses sem Erling Haaland. Estamos falando de uma equipe que, mais uma vez, sufocou o Real Madrid, mas acabou caindo nos pênaltis na Champions League. Eliminação traumática! Três dias depois, lá estavam eles em Wembley disputando a semifinal da Copa da Inglaterra. Jogo duríssimo, Chelsea bem mais inteiro e melhor, mas o City encontrou um jeito de vencer por 1 a 0.
Em todos estes anos, Pep Guardiola quase sempre desconversou quando perguntado sobre a excelência desse time e em que status já chegou no futebol inglês. Muitos dizem que é falsa modéstia. Eu, que já o entrevistei diversas vezes, acredito que ele realmente não gosta de falar de si mesmo, de elogiar o próprio trabalho, talvez até por medo de ser visto como pedante.
Neste domingo, não conseguiu esconder a alegria e até surpresa com tudo o que está acontecendo: “Se eu chegasse aqui amanhã e alguém me dissesse que nos próximos sete anos vou ganhar seis Premier League, eu responderia: Você está louco? Essa liga é a mais difícil do mundo, isso é impossível. Em termos de números, ninguém foi melhor que a gente. Os recordes, os gols, os pontos. Quatro Premier League seguidas, sete em apenas seis anos. Nós fizemos algo inacreditável”.
Rivalidade no topo
Guardiola é quase IMBATÍVEL nos pontos corridos: são 12 títulos em 15 disputas 👇
✅ 2008/09 (Barcelona) – 1º
✅ 2009/10 (Barcelona) – 1º
✅ 2010/11 (Barcelona) – 1º
⛔ 2011/12 (Barcelona) – 2º
✅ 2013/14 (Bayern) – 1º
✅ 2014/15 (Bayern) – 1º
✅ 2015/16 (Bayern) – 1º
⛔ 2016/17… pic.twitter.com/JOpppdnKRE— PL Brasil (@plbrasil1) May 19, 2024
Pep Guardiola também provou que é possível ser rival e amigo ao mesmo tempo. A disputa entre ele e Jurgen Klopp é algo que merece um livro. Ou dois, três. Os dois vivem falando que não se encontram, não saem para jantar ou para beber, mas se tratam com carinho e respeito dignos de Roger Federer x Rafael Nadal.
Na coletiva deste domingo, perguntado sobre o técnico alemão, Guardiola ficou com os olhos marejados. A voz falhou. Pensou, se concentrou para segurar o choro, e respondeu: “Eu sentirei muita falta dele. Jurgen tem sido uma parte muito importante da minha vida. Ele me fez chegar em um outro nível como treinador. Acho que temos um respeito incrível um pelo outro”.
O Liverpool de Jurgen Klopp conquistou apenas uma Premier League. Fez as duas melhores pontuações de um segundo colocado. Em ambas as ocasiões, perdeu o título para o time de Pep Guardiola. Incríveis 97 pontos em 2018/19, e 92 pontos em 2021/22. A terceira melhor campanha de um time que não foi campeão?
O Arsenal da atual temporada, com 89 pontos. Logo na primeira resposta da entrevista pós-título, Guardiola já tinha dito: “Antes era o Liverpool que fazia a gente superar limites, agora é o Arsenal. Quero parabenizar do fundo do meu coração o Mikel (Arteta), a comissão técnica, os jogadores e torcedores. Eles fizeram uma temporada incrível”.
Admiro o respeito que Guardiola tem pelos rivais, e principalmente pelo futebol. Como estuda o jogo, os adversários, as diferentes possibilidades de atacar e se defender. Como entende o impacto que o maior esporte do mundo tem na vida das pessoas, o tamanho de uma partida decisiva de Premier League ou Champions League.
Guardiola genial
E tenho certeza que não existe hoje nenhum time profissional no mundo que não tenha sido impactado de alguma maneira pelo estilo Pep Guardiola de jogar. Seja pela construção desde a defesa, o goleiro que sabe jogar com os pés, ou a marcação adiantada na saída de bola adversária. Não que ele tenha inventando tudo isso, claro que não. Mas aperfeiçoou todos os aspectos do jogo. Por isso é copiado.
Eu entendo quem coloca um grande asterisco em todas essas conquistas do Manchester City por causa da investigação, ainda em curso, das 115 possíveis infrações nas regras de Fair Play Financeiro da liga. Eu consigo compreender também aqueles que acham o estilo de jogo do Guardiola um pouco chato, monótono, previsível.
Mas nada disso pode tirar o brilho de tudo que tem sido feito pelo treinador espanhol. Nem mesmo o dinheiro investido. Até porque quando De Bruyne, Bernardo Silva, Rodri, Akanji, Rúben Dias e tantos outros jogadores foram contratados, eles não estavam sequer entre os primeiros de suas posições.
Guardiola identifica o talento, traz, e faz o jogador evoluir dentro do seu estilo de jogo. E o próprio técnico espanhol vem falando há algum tempo que nos últimos cinco anos, Manchester United, Chelsea e Arsenal gastaram mais que o City. E ele tem razão.
Monta equipes como ninguém, vê coisas que ninguém vê, lança tendências e leva o futebol a patamares cada vez maiores e antes inimagináveis. Para voltar aos números: são 12 títulos nacionais em 15 temporadas como treinador (3 pelo Barcelona, 3 pelo Bayern de Munique e 6 com o Manchester City).
São 89 pontos de média nestes 15 anos. Como lutar contra todas essas estatísticas, títulos e recordes? Eu não faço isso. Apenas admiro. Sei que estamos diante do melhor treinador da história do futebol. Sorte a nossa.