Eu havia acabado de desembarcar em Adis Abeba, capital da Etiópia, para fazer a cobertura da 37ª Cúpula da União Africana. Já no táxi, puxei assunto com o motorista. Ao falar que sou brasileiro, ele me perguntou para que time eu torcia na Europa.
Respondi que gosto do Tottenham. Ele disse: “No way! Tottenham is shit, Arsenal is the best!” Sim, eu saí da Inglaterra, voei seis horas para a Etiópia, e a primeira pessoa que conheci, era torcedora do Arsenal. Curioso que sou, quis descobrir por que ele tinha virado um fã dos Gunners. A resposta foi ótima.
— Quando comecei a assistir e gostar de futebol, a patrocinadora do Arsenal era a JVC. Eu tinha um videocassete da mesma marca. Eu adorava, era muito moderno para aquela época. Então, automaticamente, passei a ser torcedor do Arsenal.
Achei aquilo sensacional. Durante o curto caminho até o hotel, conversamos sobre futebol, jogadores preferidos, provocamos um o outro. Desci do carro, tirei uma foto com o Mike (nome do taxista) e trocamos números de telefone. Ao me despedir, ganhei uma pulseira com um pingente que é o mapa da África. Rivalidade sadia.
Bom, só larguei minhas coisas no hotel e fui direto para a sede da União Africana. No caminho, vi pelo menos três camisas do Arsenal. Chegando lá, em frente ao complexo, só que do outro lado da rua, tinha uma menino que devia ter um 12 ou 13 anos, sentado. Que camisa usava? Do Arsenal, claro. Eu me aproximei e tentei perguntar por que ele gostava do clube inglês.
Mas o garoto era tímido e não entendia o que eu falava. Pedi então para tirar uma foto. Ele sorriu, gostou da ideia. Ao se levantar, percebi que era a camisa 9, com o nome do Gabriel Jesus. Aproveitei e falei: “Brasil! I’m from Brasil”. O menino disse apenas que “Love Brasil, love Jesus”. Tirei as fotos, e fui para a cúpula.
Os dias seguintes foram de muito trabalho. Era do hotel para a União Africana de manhã, e de volta para o hotel à noite. Vale notar que, no hotel, onde sempre tomava café da manhã e jantava tarde da noite, as TVs estavam o tempo todo ligadas no canal oficial da Premier League. Lá, vi melhores momentos de todos os jogos da rodada. Alguns, umas três vezes.
No caminho de ida e de volta, sempre uma infinidade de camisas do Arsenal. No final da cúpula, eu estava na sala destinada à imprensa, enviando meu material para o Brasil. Bem na minha frente, um grupo de cinco pessoas começou a assistir, pelo computador, o jogo entre Luton e Manchester United. Falavam em português.
Elogiavam o Hojlund, criticavam o Rashford. Claro, resolvi conversar. Eles eram de Angola. Ao falar que sou brasileiro, logo iniciou-se uma longa discussão:
Um dizia que o Neymar era o jogador mais talentoso que já viu jogar, o outro o chamava de “vagabundo, preguiçoso e mascarado”.
Papo vai, papo vem, resolvi perguntar se eles sabiam por que o Arsenal era tão popular na Etiópia. Recebi uma ótima resposta.
Foi no finalzinho dos anos 1990 que as transmissões de jogos europeus começaram a se espalhar pela África. Na época, Arsenal e Manchester United lutavam pelo domínio do futebol inglês. Geralmente era mostrado só um jogo por rodada, então sempre era um, ou outro.
Mas o Arsenal tinha um futebol mais bonito, atraente. Segundo os jornalistas angolanos, o Manchester United também é bastante famoso e querido entre os africanos, só que o futebol envolvente fez a maioria acabar escolhendo os Gunners para torcer.
A história foi confirmada pelo Mike, o motorista que fez questão de me levar para o aeroporto quando fui embora. No caminho, conversamos mais um pouco. Eu disse que fiquei espantado com a quantidade de torcedores do Arsenal na cidade. E, já em Londres, quando resolvi escrever esse artigo, pedi para ele me mandar um áudio falando mais sobre o assunto.
Foi no final dos anos 1990 que o futebol internacional explodiu na Etiópia. E em 2003, os “Invincibles” fizeram o Arsenal ganhar uma legião de apaixonados torcedores no país. Acabou virando uma tradição que passa de pai para filho. Ajuda muito o fato de que o futebol é o esporte mais amado no país, mas os clubes locais têm pouquíssima representatividade.
Segundo ele, o Arsenal é tão popular na Etiópia, que em dias de jogos importantes, Addis Abeba fica pintada de vermelho. Camisas para todos os lados. Diversos bares mostram a partida. Mike me contou que, na temporada passada, um evento já estava sendo organizado para o jogo em que o Arsenal poderia conquistar o título inglês.
Acabou não dando certo, mas a expectativa é que isso possa acontecer na atual temporada: “Vai ser grande. Tenho certeza que irão escolher um local gigante, que comporte mais de mil pessoas”, diz o Mike. No meu último dia em Adis Abeba, antes de voltar para o hotel e o Mike ir me buscar, eu finalmente tive duas horinhas para conhecer um pouco mais da cidade.
Resolvi ir para o Merkato, o maior mercado ao céu aberto da África. Lá, conheci o Mohammed, que resolveu me mostrar tudo de interessante (o local é gigante, e cheio de “pega-turistas”, então acabou sendo perfeito). Mohammed é um sujeito falante, que age como se fosse o prefeito do Merkato.
Conhece todo mundo, abraça, para para conversar. Quando me disse que tinha 48 anos, fiquei em choque. Parecia ter no máximo 30. Enfim, ele quis me levar na parte onde reciclam aço. Chegando lá, olhando por uma portinha, vi alguns pôsteres de jogadores do Arsenal. Atuais, como Odegaard e Saka, e antigos, como Henry e Bergkamp. Pensei: “mas não é possível. Eles estão em todo lugar!”.
Então, mais uma vez, perguntei por que o Arsenal é tão popular na Etiópia. A versão do Mohammed é que o Arsène Wenger é muito popular no país. Primeiro porque o treinador francês sempre gostou do “jogo bonito”, que é o tipo de futebol que os etíopes admiram.
Segundo, porque também levou vários africanos para o Arsenal, como Emmanuel Adebayor, Kolo Toure e Gervinho. Por fim, afirmou: “E teve uma polêmica, não estou lembrado bem o que aconteceu, só sei que ele ficou do lado dos africanos da Etiópia”.
Fiquei bem curioso, mas no meio daquela bagunça do Merkato, com pouquíssimo tempo antes do meu voo, e recebendo muita informação nova, aquela dúvida logo acabou saindo da minha cabeça. Mas, agora, escrevendo esse artigo, resolvi procurar. E olha só: em 2013, Wenger foi perguntado por um repórter inglês sobre a Copa Africana, que teria início em poucos dias.
Era a primeira vez em mais de três décadas que a Etiópia iria participar da competição. O treinador respondeu: “Eu sei, por exemplo, que dessa vez a Copa terá a Etiópia. Se eu te pedir para nomear cinco jogadores etíopes, tenho certeza que você terá problemas”. Pouco depois, o então técnico da Etiópia, Sewnet Bishaw, declarou: “Wenger está absolutamente certo. Mas o fato de sermos desconhecidos neste torneio vai ajudar a nossa equipe”.
Bom, a Etiópia empatou uma partida (1 a 1 com a Zâmbia) e perdeu duas (4 a 0 para Burkina Faso e 2 a 0 contra a Nigéria). Foi eliminada na primeira fase, ficando na última colocação do grupo. Mesmo assim, aquela resposta parece ter feito Wenger e o Arsenal ganharem muitos admiradores na Etiópia.
Uma simples frase citando o país! É um choque de realidade. A gente não tem noção como pessoas como Wenger, ou mesmo uma marca como a JVC, impactam milhões de pessoas ao redor do mundo.