Com capacidade para 25 mil pessoas, o Selhurst Park, estádio do Crystal Palace, em Londres, consegue comportar a população inteira de Cruz do Espírito Santo, cidade de João Pessoa, na Paraíba. Essa é uma analogia para a descoberta de um homônimo no Nordeste brasileiro, chamado São Paulo Crystal.
O São Paulo Crystal é um clube fundado em 10 de fevereiro de 2008. Sua origem, na verdade, aconteceu na cidade de Lucena, no litoral-norte do estado da Paraíba. A agremiação carregava o nome do município e chegou a vencer a Segunda Divisão do Campeonato Paraibano em 2014 com Tiquinho Soares, hoje finalista da Libertadores com o Botafogo, no elenco.
No entanto, no ano seguinte, o clube foi rebaixado e se iniciou um período de dificuldades esportivas e financeiras. Até que em 2017 recebeu uma oferta de Múcio Fernandes, sócio-proprietário de um engenho de cachaça na Paraíba chamado Engenho São Paulo.
São Paulo e Crystal Palace: uma união totalmente inesperada
Múcio sempre gostou de futebol e tinha uma equipe amadora em Cruz do Espírito Santo — onde também fica a cachaçaria –, composta pelos funcionários do engenho. Depois, a Engenho São Paulo montou um projeto social que envolvia uma escola de futebol para crianças da zona rural de baixa renda.
Com cerca de 200 meninos e meninas, o projeto contava com um ônibus que passava na zona rural para levar as crianças e adolescentes para treinar, com direito a um lanche.
Com o passar dos anos, alguns meninos foram se destacando e Múcio começou a mandá-los para testes em clubes. Algumas pessoas, então, deram a ideia de, em vez de enviar garotos para outros times, que o dono do projeto assumisse a presidência de algum clube profissional.
Assim, Múcio abordou a presidência do Sport Club Lucena, que estava perto de fechar as portas por problemas financeiros, com a promessa de que assumiria todas as dívidas do clube junto à Federação Paraibana de Futebol e à Receita Federal.
O Lucena era um clube familiar. A diretoria era composta por familiares de Domício Leite, então presidente do time. Eles tinham duas soluções: fechar as portas ou repassar o clube para outro grupo. Então, houve a eleição e os novos sócios foram admitidos. O clube também foi transferido para Cruz do Espírito Santo, mesmo local do Engenho São Paulo.
Já a mudança do nome da equipe veio da forma mais curiosa possível. Em uma visita à Inglaterra em 2002, Múcio foi a um jogo do Crystal Palace e gostou do que viu. Foi sua primeira experiência em uma partida de futebol no país. Daí partiu a ideia de unir o nome do Engenho São Paulo com o clube inglês.
— Ele (Múcio) falou que foi a atmosfera do estádio. Essa questão de ser uma equipe tradicional. Não vou chamá-lo de velho, porque ele não gosta. Mas ele, nos seus mais de 60 anos, sentiu aquela atmosfera do futebol inglês raiz no jogo do Crystal Palace. A torcida sempre lota estádio e acho legal. Até hoje ele tem uma camisa do Crystal Palace, que comprou na época que visitou o Selhurst Park — conta Arthur Ferreira, ex-diretor do São Paulo Crystal, em entrevista à PL Brasil.
O escudo é uma mescla das cores do São Paulo com o Crystal Palace, mas com um toque paraibano. O distintivo do time inglês conta com uma águia, enquanto o do clube da Paraíba é um carcará, pássaro conhecido da região de Cruz do Espírito Santo, que também se parece com a ave estampada na equipe inglesa.
No estatuto do clube, consta que seu nome é uma homenagem ao São Paulo Futebol Clube e ao Crystal Palace por serem times “modelos em excelência no futebol”.
Apesar de o clube ser uma associação, Múcio é um empresário e gosta de tudo bem organizado, como uma empresa. O clube não conta com grandes patrocinadores e uma grande torcida como outras equipes tradicionais do estado. Então, o orçamento do São Paulo Crystal é bem reduzido. Ainda assim, o time acumula grandes campanhas no Campeonato Paraibano e participações na Série D do Campeonato Brasileiro.
— É uma equipe bem organizada, bem estruturada, apesar de não ter uma folha salarial alta. O patrocinador era praticamente o próprio presidente, a maior parte da verba vinha da pessoa física do Múcio. Mas o ponto positivo era que o pouco que a gente tinha era garantido, então não tínhamos atraso salarial. É um clube que conquistou muita credibilidade na Paraíba e no Nordeste — afirma Arthur.
Há dois anos, o diretor de mídia do Crystal Palace procurou o São Paulo Crystal, e uma reportagem contando a história do clube paraibano foi publicada no site oficial do clube inglês.
— Ele entrou em contato conosco e quis saber da história. Enviamos fotos do presidente vestindo a camisa do Crystal Palace e ele nos convidou para visitar o clube. É um desejo meu, espero que ano que vem eu possa visitá-los e conhecer a estrutura deles — diz Arthur Ferreira.
Atualmente, o São Paulo Crystal está localizado na cidade de Alagoa Nova, no Brejo Paraibano, após o fim da parceria com o poder público do município na Região Metropolitana de João Pessoa.
Inspiração ou coincidência?
Arthur Ferreira foi diretor do São Paulo Crystal de 2020 a 2023, mas antes foi treinador do Sport Lagoa Seca, também da Paraíba. Ele assumiu a direção do clube de Múcio Fernandes depois que ex-diretor do clube, Eduardo Araújo, faleceu, vítima da Covid-19, em 2020.
Hoje, o brasileiro é treinador do SP Falcons FC, clube de futebol mongol com escudo bem parecido com os de Crystal Palace e São Paulo Crystal. Porém, a similaridade não passa de uma enorme coincidência.
O SP Falcons FC é um clube fundado em 2002, seis anos antes do São Paulo Crystal, em Ulan Bator, capital da Mongólia. O time mongol possui estreita relação com a equipe paraibana em relação à transferências de jogadores. Arthur, inclusive, contribuiu para a ida de seu irmão, André, que é jogador, à agremiação.
Em 2023, o SP Falcons FC procurou Arthur pedindo indicação de um treinador brasileiro. Ele indicou um, que assinou contrato à distância, mas desistiu no dia da viagem. Então, o próprio diretor do São Paulo Crystal foi convidado para assumir o cargo.
— Um deles falou ‘você não era treinador? Vem nos ajudar aqui, você pode ficar por três meses’, isso numa sexta-feira. Na terça-feira eu viajei, do nada. Na minha mente era para ficar nove jogos, acabei não conseguindo chegar a tempo do primeiro, então foram oito. Vencemos sete e empatamos um. No ano passado não sofremos nenhum gol enquanto estava no comando da equipe. Quando terminaram os jogos, o presidente disse que não queria outro treinador, que queria que eu ficasse — conta Arthur.
O ex-diretor do São Paulo Crystal aceitou o convite em definitivo e está fazendo aulas de licença Pró do curso de treinador da CBF.
— É bem engraçado a relação dos escudos e das cores, o nome. Eu não acredito em destino, são os caminhos de Deus — diz Arthur sobre as semelhanças entre SP Falcons FC e o São Paulo Crystal.