Do terrão ao Etihad Stadium: a trajetória da joia do Bahia que chegou ao Manchester City

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Cerca de 8 mil quilômetros separam o campo de terra do Arca da Aliança, escolinha de futebol no bairro Uruguai, em Salvador (BA), e o gramado quase perfeito do Etihad Stadium, casa do City, em Manchester. O meia-atacante Roger Gabriel, de 16 anos, agora pode dizer que conhece os dois cenários.

Roger é atleta do Bahia. O jovem assinou o primeiro contrato profissional em fevereiro deste ano, com validade até 2026, e é descrito pelo próprio clube como uma das maiores promessas surgidas recentemente nas categorias de base. O destaque o fez receber uma oportunidade incomum em outras realidades: um período de treinos na equipe sub-19 do Manchester City. Ele chegou ao time inglês no último domingo (16) e vai ficar até o dia 6 de agosto.

A oportunidade foi possível graças à compra da SAF do Bahia pelo Grupo City, oficializada no começo de maio. As equipes do grupo podem realizar esses intercâmbios a fim de desenvolver jovens atletas. Além dos treinos, Roger vai disputar um torneio em Portugal com os Citizens.

Revelado em campo de terra na Bahia

Roger Gabriel chegou ao Arca da Aliança com sete anos. A escolinha de futebol tinha cerca de 150 alunos e não cobrava qualquer valor de algumas crianças, por ser um trabalho social. Os treinamentos e as atividades eram — e ainda são –realizados em um campo de terra, com materiais simples que ficam à disposição.

Logo que chegou, em 2014, Roger chamou atenção de Adiltom França, fundador do projeto, que o adotou como pupilo e o ajudou no desenvolvimento como atleta. O Arca da Aliança foi a única escolinha por onde o jogador passou. 

— Ele foi um talento desenvolvido por meio da força. Passei a fazer trabalho técnico, tático, atividades usando as duas pernas. Se desenvolveu com muito um contra um, muito jogo — disse Adiltom, à PL Brasil.

— Hoje ele é um jogador com característica de passe com perfeição e muita técnica, sabe romper linhas de marcação. É driblador e ambidestro. É inteligente. A dinâmica de jogo dele movimenta o ataque. Consegue bater bem na bola e finaliza com velocidade — completou.

Roger Gabriel no campo do Arca da Aliança (Foto: Arquivo pessoal)

O garoto sempre contou com o apoio da mãe, pai e avó, que ficava preocupada com o crescimento do menino. De família simples, teve oportunidade de jogar em outra equipe, mais desenvolvida, ainda aos dez anos. Mas, como muitos meninos, não conseguiu se manter por situações alheias à sua vontade.

— Eu o levei para um clube na cidade. Ele se destacou e foi aprovado. Mas demorava 40 minutos para chegar, mais de uma hora para voltar. Ele, com dez anos, saía de casa e tinha que pegar dois ônibus — contou Adiltom.

As coisas melhoraram em 2018, quando Roger Gabriel foi aprovado para a equipe sub-12 do Bahia.

Destaque na base do Bahia

Ao chegar ao Tricolor baiano, Roger Gabriel também logo se destacou. Em 2021, com 14 anos, disputou o Campeonato Brasileiro pela equipe sub-17. Jogar com garotos mais velhos é algo com que já estava acostumado desde os tempos de Arca da Aliança.

No ano passado, jogando pelo sub-15, sub-16 e sub-17, fez 29 partidas e marcou 20 gols. A temporada de 2023 começou com Roger Gabriel disputando a Copa São Paulo de Futebol Júnior — ele fez 16 anos em fevereiro, após o torneio, que conta com jovens de até 21 anos. Dias depois, assinou o primeiro contrato profissional.

O talento e o destaque que conseguiu nas categorias de base, que também o levaram a assinar um contrato com a Nike em 2019, chamaram atenção da torcida e repercutiram no Arca da Aliança. Adiltom França se orgulha de ter revelado uma promessa e garante que o sucesso não subiu à cabeça do menino.

— Ele sempre foi muito focado. Nunca foi respondão, birrento. Sempre se atentou aos estudos, nunca repetiu de ano. É um menino carismático e humilde. Sempre o alertei que tem de ser o que é, não o que ainda não foi. Está em uma situação melhor, mas tem origem humilde, tem de respeitar isso.

Atenção especial do Grupo City

O Bahia trata com cuidado a sua joia. Há um trabalho especial para o desenvolvimento do jogador. O objetivo é que em breve ele possa atuar com frequência pela equipe principal — a estreia aconteceu neste ano, na derrota por 4 a 0 para o Itabuna, pelo Campeonato Baiano, mas o time tricolor era formado apenas por atletas da base.

Parte do desenvolvimento de Roger Gabriel passa, na visão do Bahia, pelo período na Inglaterra. O intercâmbio foi acordado entre jogador, Manchester City e o clube baiano na assinatura do contrato profissional.

Vínculo de Roger Gabriel com o Bahia é válido até 2026 (Foto: Letícia Martins/Divulgação/Bahia)

— É o nascimento de um projeto que a gente imagina que será expandido no futuro. Podemos mostrar aos atletas da base e ao mercado um plano de carreira envolvendo possibilidades não só no Bahia como também no Grupo City — disse Marcelo Teixeira, diretor executivo da base, à época.

— A gente inicia essa era com o Roger, debatendo situações com a família e empresários, para que a gente possa ter um projeto de formação muito mais amplo na nossa divisão de base — completou.

Intercâmbio no atual campeão da Premier League

Roger Gabriel desembarcou na Inglaterra no início desta semana. Até o dia 6 de agosto, o meia-atacante vai conviver com os atletas do sub-19 do Manchester City, treinar e disputar um torneio em Portugal. Apesar de curto, o período requer uma adaptação, e o jovem tem se virado como pode.

— Estou acostumado com o calor. Aqui é bastante frio. Às vezes é difícil conversar; preciso jogar a frase no [aplicativo de] tradutor. Eles (os companheiros) também fazem isso para conversar comigo. Mas está indo tudo bem — revelou o jovem, em vídeo divulgado pelo Bahia.

O carisma brasileiro, com as brincadeiras e resenhas conhecidas desde os tempos de Arca da Aliança, auxiliam no processo. “Já estou fazendo patos no videogame, sinuca, ping-pong”, brincou.

Até mesmo as possíveis dificuldades são pequenas perto da felicidade. Nas redes sociais, os pais compartilham, orgulhosos, cada passo do filho na Europa.

Foi uma alegria imensa para nós, principalmente para mim, poder vir aqui treinar, jogar e absorver tudo — disse Roger.

Os quatro dias na Inglaterra ainda não foram suficientes para o menino que saiu de uma escolinha de futebol em Salvador acreditar que ganhou uma oportunidade de fazer um intercâmbio no atual campeão da Champions League.

— Esse é o estádio que eu vejo durante os jogos [na televisão]. Estar aqui é gratificante. Às vezes eu nem caio na real de onde estou, não caiu a ficha ainda. É diferente a atmosfera, o campo, o treino, o jeito dos técnicos de treinar. Vai me ajudar na mentalidade e me desenvolver como jogador — finalizou.

Daniel Servidio
Daniel Servidio