A vida pós ‘rebaixamento’: Como o Reading está reconstruindo o time feminino

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Reconstrução. Essa é a palavra que pode definir o time feminino do Reading. A equipe está retomando o espaço no cenário, mas terá uma longa caminhada em sua reconstrução no futebol inglês.

O Reading Women enfrentou uma situação conturbada no final da temporada 2023/2024. O clube passou por cortes financeiros no último ano e a equipe feminina foi retirada da segunda divisão inglesa.

Para a temporada 2024/2025, os Royals estão focados na reconstrução, longe dos holofotes da elite do futebol inglês.

O Reading é um dos clubes mais tradicionais do futebol feminino na Inglaterra. A equipe foi a responsável por desenvolver talentos como Mary Earps, goleira da seleção inglesa e ganhadora do Fifa The Best de Melhor Goleira em 2022 e 2023, e Fran Kirby, artilheira história do Chelsea.

Para comparar a situação drástica do Reading e como é impactante no futebol inglês, é como se o Santos ou a Ferroviária, duas tradicionais equipes femininas do Brasil, anunciassem problemas financeiros, a saída da primeira divisão e a necessidade de reformular o time.

A crise financeira do Reading

Antes de falar sobre o time feminino, é preciso olhar para a equipe masculina e como surgiram os problemas no Reading. Tudo começou em maio de 2017, quando o clube foi adquirido por Dai Yongge. A papelada do acordo foi assinada dias antes da final dos playoffs da Championship e com a equipe podendo subir para a Premier League. Mas perdeu a disputa de pênaltis para o Huddersfield.

Yongge decidiu investir no time masculino na temporada seguinte com o objetivo de chegar até a Premier League. Um novo campo de treinamento de última geração foi construído e novos jogadores com altos salários foram contratados. Porém, o desempenho em campo não correspondeu.

Na época, a folha de pagamento dos Royals era de 32 milhões de libras anuais, mais que o dobro da receita. Os gastos exagerados chamaram a atenção dos órgãos ingleses e em 2021 a English Football League (EFL) retirou seis pontos do Reading por violações financeiras.

Ao final da temporada 2022/2023, o Reading caiu para a terceira divisão. Mas a situação continuou a piorar em fevereiro de 2024, quando a equipe perdeu dois pontos por falta de pagamento dos impostos ao HMRC — a “Receita Federal” do Reino Unido.

Na China, a principal empresa de Dai Yongee, a China Dili, está com as ações suspensas desde outubro de 2022 após enfrentar litígios de credores relacionados a pagamentos em atraso de empréstimos bancários. Ao todo, 67 milhões de libras da empresa estão congelados.

O Reading tem uma dívida de 220 milhões de libras, a maior do futebol inglês fora da Premier League.

O que aconteceu com o time feminino do Reading?

Voltando para a equipe feminina, o Reading terminou a temporada passada na antepenúltima colocação, em décimo para ser mais exato, na Championship Feminina. Mesmo assim, o time não escapou do rebaixamento, mas por um motivo fora dos gramados.

As dificuldades financeiras listadas pela reportagem impactaram também as atletas do clube, já que a falta de dinheiro em caixa impediu a equipe de atender aos critérios do regulamento da competição.

Dai Yongge chegou a colocar o time feminino à venda, mas não conseguiu uma “injeção de dinheiro para atender os critérios da Championship”, conforme relatado pelo próprio clube no final de junho:

— Para continuar a operar no nível do Barclays Women’s Championship, o clube precisa de mais injeção de dinheiro de propriedade para formar um elenco capaz de competir e atender aos critérios obrigatórios revisados ​​antes da temporada 2024-25. Isso teria incluído retornar a um modelo de treinamento em tempo integral, bem como mais investimentos em instalações e funcionários — destacou o comunicado.

Segundo o comunicado, a diretoria trabalhou ao lado da Federação Inglesa (FA) para manter o time na segunda divisão. A ideia era conseguir um financiamento externo. Mas a impossibilidade levou a entidade máxima do futebol inglês a rebaixar o clube para a quinta divisão inglesa:

— Apesar dos melhores esforços, as complexidades em torno da propriedade separada significaram que operar o Reading Feminino sob um modelo de financiamento separado não foi possível. O clube entende que o rebaixamento para a quinta divisão será uma grande decepção para todos conectados ao clube. Esta solução, no entanto, fornece ao clube a oportunidade de continuar a operar um departamento de Futebol Feminino — comunicou o Reading.

Bandeira de escanteio com a logo da Women's Championship
Bandeira de escanteio com a logo da Women’s Championship. Foto: Divulgação/Championship

Reading dispensa jogadoras

Durante o processo, a diretoria encerrou o contrato de 16 jogadoras, incluindo nomes consagrados da equipe. Deanna Cooper estava nos Royals desde 2020 e fez 79 jogos, mas encerrou a passagem depois dos problemas financeiros do clube.

  • Deanna Cooper
  • Charlie Wellings
  • Tia Primmer
  • Madison Perry
  • Ava Kuyken
  • Lauren Wade
  • Brooke Hendrix
  • Easther Mayi Kith
  • Charlie Estcourt
  • Georgia Wilson
  • Mae Hunt
  • Amelia Elwood
  • Josie Longhurst
  • Jackie Burns
  • Bethan Roberts
  • Eve Annets

Além das jogadoras, oito funcionários do departamento de futebol feminino foram dispensados.

  • Brooke Chaplen
  • Liam Gilbert
  • Dan Logue
  • Tony O’Neil
  • Nathaniel Roberts
  • Brooklan Frkovic
  • Jack Lamden
  • Jack Neild

‘Ficamos decepcionadas’: vice-capitã critica diretoria do Reading

Estcourt também era uma das líderes do time feminino. Ela era a vice-capitã da equipe, mas foi dispensada ao final do contrato e assinou com o DC Power, dos Estados Unidos.

Em entrevista para a “BBC” no início de julho, Estcourt afirmou que as jogadores não sabiam da situação do Reading e foram comunicadas da dispensa apenas dois dias antes do encerramento do contrato.

— O clube está nos nossos corações, e acho que isso torna a situação ainda mais perturbadora e difícil. Muita coisa saiu sobre a situação agora, mas isso não torna as coisas mais fáceis para nós como jogadoras. A comunicação do clube foi uma das coisas com as quais a maioria de nós ficou decepcionada. Descobrimos muitas das informações ao mesmo tempo que o público, o que não deveria acontecer — declarou Estcourt.

Charlie Estcourt em campo pelo Reading e Georgia Walters pelo Blackburn Rovers
Charlie Estcourt em campo pelo Reading e Georgia Walters pelo Blackburn Rovers. Foto: IMAGO/Craig Galloway

— O clube sempre foi conhecido por ter uma ótima estrutura e categoria de base feminina, então é realmente frustrante porque eles não têm toda a infraestrutura lá, mas as pessoas no topo não querem financiá-la. O clube inteiro está em apuros, então eles precisam priorizar o time masculino, o que sempre acontece — acrescentou Estcourt.

A reconstrução do Reading Feminino

Depois do período conturbado, o Reading iniciou uma nova fase de sua história, a reconstrução. A primeira mudança está na diretoria. Emma Hopkins é a nova chefe da equipe feminina.

— Estamos focados em criar um ambiente acolhedor que priorize o crescimento, a resiliência e a determinação. Nossas ambições são altas e estamos determinados a fazer dessa história de retorno uma para os livros de história. Nossa campanha de ingressos para a temporada, apropriadamente temática ‘Comeback’, reflete esse espírito e nossa determinação em subir e recuperar nosso lugar no topo — Emma Hopkins ao site do Reading.

Emma Hopkins, nova chefe do futebol feminino do Reading
Emma Hopkins, nova chefe do futebol feminino do Reading. Foto: Divulgação/Reading

No banco de reservas, o português Pedro Bruno foi nomeado o novo treinador. Ele já estava na equipe, na função de Analista do Primeiro Time — como é conhecido o time principal feminino.

O Reading também está com casa nova. O Arbourg Park é utilizado como centro de treinamentos e para realizar os jogos como mandante. O local pertence ao Slough Town, um time semiprofissional da Inglaterra.

Novas jogadoras do Reading

Ao dispensar as jogadoras, a diretoria realizou uma “peneira”. No dia 29 de julho fez uma seletiva para a contratação de novas atletas. Todas precisavam ter 16 anos ou mais e deveriam comparecer ao Arbourg Park.

Junto com a seletiva, os Royals foram ao mercado. Danielle Puddefoot e Jordanne Hoesli-Atkins foram as primeiras anunciadas. Inclusive, Danielle retorna ao clube e fez parte da geração de Fran Kirby.

As contratações do Reading:

  • Santearna Spencer
  • Caitlin Levy
  • Sumaya Zayadi
  • Zuzanna Gajzler
  • Keira Morl
  • Lily Brooke
  • Tia Lee
  • Rosie Robinson
  • Mia Donavan
  • Mia Bradley
  • Laura Palfrey

No entanto, o time ainda está longe de estar completo. Ao todo são 13 jogadoras à disposição de Pedro Bruno para uma temporada que já iniciou. O time terá um grande desafio para superar as adversidades, principalmente o elenco curto.

Logo na estreia, diante do Sholing, uma derrota por 3 a 0. Já no primeiro compromisso em casa, no domingo (15), terminou em goleada por 5 a 0 sobre o Oxford City. Pedro e as jogadoras terão uma temporada inteira pela frente para mostrar aos torcedores que o Reading está, de fato, se reconstruindo.

Gabriel Lemes
Gabriel Lemes

Me formei em Jornalismo pela Univap em 2019 e sou redator da PL Brasil. Já escrevi para o Quinto Quarto, Minha Torcida, Futebol na Veia e Portal Famosos.