Tem uma lição que o Brasil precisa aprender: a ausência do futebol faz parte do sucesso do futebol.
Voltei de Londres com isso mais claro do que nunca em minha mente. Obviamente, todo mundo estava prestando atenção aos Jogos Olímpicos. Mas isso é outra coisa, cheia de atividades exóticas que normalmente ganham pouco espaço na mídia e têm pouco a ver com a identidade das pessoas — exatamente onde o futebol tem mais poder.
Ficou muito evidente para mim, depois de passar a primeira semana dos Jogos na Grécia, a segunda em Londres e o tempo todo acompanhando a repercussão no Brasil pelas mídias sociais, que cada país enxerga uma Olimpíada distinta, onde, salvo algumas poucas modalidades, os seus atletas são os heróis, e os outros são ignorados.
Mas estou me desviando. O ponto principal que gostaria de comunicar é o seguinte: mesmo no meio dos Jogos Olímpicos, a coisa principal na mente do torcedor de futebol — especificamente na Premier League — é o começo da nova temporada, com a bola rolando na primeira rodada neste fim de semana.

Com a Eurocopa, Copa América e até o torneio olímpico, houve pouco tempo de descanso para alguns jogadores. Mas quando Manchester United e Fulham abrirem a campanha na sexta-feira, será o primeiro jogo na Premier League desde o dia 19 de maio.
E daí vem a lição que o Brasil tem que absorver: esse intervalo de quase três meses, seguido pela ‘the big kick-off’ (a grande abertura), é uma parte absolutamente fundamental no sucesso de qualquer campeonato de pontos corridos.
Falando na semana passada em Londres com torcedores de vários clubes, senti o mesmo sentimento de todos — um espírito de otimismo. Isso não quer dizer que a torcida do, por exemplo, Crystal Palace acha que vai conquistar o título. Não.
Os dias da minha juventude, quando era possível um Derby County ou um Nottingham Forest ganharem o título, ou um Queen’s Park Rangers chegar perto — isso acabou (claro, com a exceção extraordinária de Leicester City em 2016). As distâncias financeiras abriram-se muito, e o torcedor tem consciência disso.

Mas dentro dessa abordagem realista, há também a fé de que seu time vai, de alguma maneira, se superar. Pode, por exemplo, alcançar a equivalente futebolística de uma medalha de bronze para comemorar.
Pedindo desculpas a Gabriel Garcia Márquez, vamos chamar esse sentimento de ‘realismo mágico’. E vamos concordar que a magia cresce na pausa, no intervalo entre o dia 19 de maio e agora.
Contratações novas, talvez um técnico novo e, o elemento mais importante, o tempo suficiente para o torcedor entrar em contato com a sua própria criança interior, aquela parte que sonha alto, que, mesmo quietinha, sem compartilhar com o mundo, acredita em milagres.
Esse sentimento é tão importante para um futebol bem-sucedido, pois sustenta o torcedor inglês durante os meses cruéis do inverno.

Trata-se de uma planta que precisa ser regada. E a água dela se chama “tempo”.
O sonho cresce lentamente até tomar asas no período entre 19 de maio e agora. Ajudam, claro, os longos dias de verão europeu, com sol até as nove horas da noite, um tempo mágico em que tudo parece possível.
O Brasil não tem isso (talvez um pouco no Sul), mas tem outras fontes naturais para inspirar o torcedor. Porém, está faltando o elemento mais importante: o tempo, o intervalo entre o fim de um Campeonato Brasileiro e o início do próximo, com nada no meio além de amistosos de preparação.
Gosto de sonhar com milagres, então, enquanto a gente espera o início da Premier League, vou gastar o meu ‘realismo mágico’ imaginando o futebol brasileiro com um calendário que preste.