A cada ano, os clubes desenvolvem ainda mais seus departamentos de scout. A intenção é clara: buscar jogadores gastando o mínimo possível e com a menor margem de erro possível. Na Premier League, principal liga nacional da atualidade, não é diferente. Quem já esteve lá dentro sabe como o trabalho é minucioso e detalhista. Esse é o caso de Sandro Orlandelli, com passagens por Arsenal e Manchester United.
No Brasil, o profissional atuou em clubes como Red Bull Bragantino e Internacional. Na Terra da Rainha, contudo, viveu momentos distintos como “olheiro”, desde quando tudo “era mato”, até a era contemporânea, onde o avanço da tecnologia impera. Em entrevista à PL Brasil, Sandro Orlandelli conta sobre sua vasta experiência de como é ser um scout da Premier League.
Sandro Orlandelli foi um “modesto jogador” de futsal, como ele mesmo se define. Suas limitações não o fizeram ir muito longe dentro das quadras, mas seu pensamento diferenciado o possibilitou seguir no esporte em outras funções.
Antes de ser um olheiro de sucesso, fez faculdade de Educação Física, depois se especializou em Fisiologia do Exercício na Universidade de São Paulo (USP), trabalhou com futebol feminino e categorias de base no São Paulo e desenvolveu peneiras para o Corinthians. Do Timão, ele partiu rumo ao Arsenal. O que, inicialmente, seria um estágio, se tornou uma missão ao lado de Arsène Wenger.
Os grandes acertos de Sandro Orlandelli no Arsenal
Sem as injeções financeiras de Chelsea e Manchester City e longe da força do Manchester United, o Arsenal precisava ser criativo para conseguir bons jogadores sem gastar muito. Foi dessa forma que jovens como Cesc Fábregas e Robin Van Persie desembarcaram no clube para fazer história.
— O scout passa por frustrações, mas também pude participar de escolhas de Van Persie, Fabregas, Clichy… Foram jogadores que fizeram sucesso na segunda geração vencedora do Arsenal (…) Também tivemos chances de trazer jogadores como Denílson (volante), Carlos Vela e Emiliano Martínez, goleiro da Argentina na Copa do Mundo — lembrou.

Com idas e vindas, Sandro Orlandelli trabalhou nos Gunners entre 2002 e 2012. Responsável pelo mercado da América do Sul, ele fazia parte de uma equipe curta, porém capacitada, liderada por Wenger que tinha a missão de encontrar jovens talentos para o clube. A busca, acima de tudo, era por jogadores que se encaixavam na cultura de jogo ofensiva e bem jogada do time.
Sandro Orlandelli não poupou elogios para falar de Wenger. Para além dos títulos conquistados nos mais de 20 anos à frente do clube, o francês deixou um legado à instituição e a quem trabalhou junto com ele.
— É um homem que sempre esteve à frente do seu tempo. Uma das características mais marcantes que pude ter no trabalho, principalmente no mental do jogador. Identificar para minimizar o erro. Aprendi com ele a não só trazer jogador, mas ser o menos errôneo possível na hora de escolher. Desenvolver o melhor de seu potencial. Uma oportunidade de ouro ao lado desse cara que considero um gênio —, elogiou.

Kaká, Agüero e Di María… craques que quase jogaram pelos Gunners
Se dependesse apenas de Sandro Orlandelli, Kaká teria ido para o Arsenal em vez do Milan. O ex-scout relembrou que indicou o Bola de Ouro de 2007 ainda no começo de seu estágio pelos Gunners, em 2002. Pouco tempo depois, o brasileiro foi campeão do mundo com a Seleção e partiu para a Itália rumo ao Rossonero.
— Eu comentei sobre um jogador que ainda estava desconhecido no mercado internacional. Era o Kaká. Como passei pelo São Paulo, acompanhei muito o Kaká. Ele era um jogador com maturação biológica tardia, que não conseguia entrar muitos nos jogos, com um pouco de dificuldade em força e velocidade, mas já mostrava características que se justificaram ao longos dos anos. Naquele momento causou dúvida, mas repente ele começou a ser convocado e isso chamou a atenção. Me chamaram para ser scout na América Latina —, destacou.

Ele também chegou a observar nomes como Angel Di María e Sergio Agüero ainda nas categorias de base, com 17 e 15 anos, respectivamente. Mas por uma série de fatores, as negociações não vingaram.
Militão e Rodrygo no Manchester United? Se dependesse de Sandro Orlandelli…
Em 2016, Sandro Orlandelli voltou à Inglaterra para o Manchester United. Já se tratava de um novo momento da profissão. Além disso, ele deixou para trás o trabalho integrado de Wenger para se juntar à equipe de José Mourinho. A relação era mais fria, mas ele leva com carinho os aprendizados daquele momento.
— Um projeto muito mais tecnológico, com mais produção de relatórios e dados. O Manchester United me ensinou que não dá só apenas para analisar os dados friamente e tomar uma decisão. É importante você ter a combinação da experiência de experts (…) Uma coisa são as análises de dados e outra coisa é a análise qualitativa que só um expert tem. Essa unificação toma tempo e leva a gente para outra dimensão —, contou.
Assim como no Arsenal, o profissional indicou grandes joias brasileiras para os Red Devils. Sandro Orlandelli sugeriu nomes como Rodrygo e Vinicius Junior ainda quando estavam na categorias de base. Porém, o caso que mais esquentou foi o de Éder Militão, quando o zagueiro hoje no Real Madrid estava de saída do São Paulo, pouco antes de acertar com o Porto, em 2018.
— Militão, por exemplo, foi uma oportunidade lindíssima. Ele estava finalizando o contrato com o São Paulo. Aí as pessoas se dão conta. Porque eu lembro que ele foi bem desvalorizado para o Porto, com o contrato se encerrando —, revelou.

Como é a rotina de um scout da Premier League?
O que faz um profissional que descobre talentos como Moisés Caicedo ou Julio Enciso? Hoje, o itinerário de um scout de alto nível é diferente de 20 anos atrás, segundo Sandro Orlandelli. Ele relembrou que, quando começou, em um mundo totalmente analógico, o contato humano era fundamental, já que não haviam plataformas dos dias atuais.
— Ao longo desses anos, tivemos a mudança da tecnologia. O meu início foi o berço do scout. Não tinha nenhuma plataforma nem para registrar os relatórios. Não tinha Whatsapp e nem links. Antigamente, era mais a condição da relação humana para você conseguir contatos. A cada país, tinham pessoas específicas que me forneciam DVDs. Hoje, você tem plataformas que você acompanha todos os clubes do mundo, de casa –, comparou.
Mesmo com toda a tecnologia, a palavra final ainda é do ser humano. De acordo com Sandro Orlandelli, um setor de scout define previamente quais mercados cada profissional irá atuar e depois montar o perfil de jogador buscado pelo clube. Um trabalho coletivo e que depende de muitas mãos para ser bem executado. Além, claro, da estrutura disponibilizada pelo clube.
Houve uma mudança grande, mas a essência nunca vai mudar, porque a decisão sempre vai ser humana. Hoje, um scout é liderado por um head scout. É importante qual mercado ele vai atuar, qual perfil de jogador por posição. Isso é determinante. Uma vez que você tem esse mercado definido, você faz um filtro de acordo com o perfil que você busca, tanto físico quanto técnico, mental e econômico. Depende muito das condições do clube que você atua –, destacou.

O último estágio é mais minucioso do que você imagina…
Depois de tudo isso que foi dito, ainda há o que ser feito? Sim! Com nomes colhidos, os profissionais precisam se debruçar sobre a vida dos atletas em questão, desde a questões técnicas até mesmo pessoais. A contratação de um novo reforço vai muito além das quatro linhas.
— Após esse filtro, é o aprofundamento da análise. Agora é a hora de iniciar o processo do “scout raiz”. Analisar com profundidade todas as caracteríticas e não torcer para o jogador dar certo, não usar o sentimento. Ser o mais racional possível para ser menos errôneo e o mais justo possível. Quando você encontra três, quatro e cinco jogadores, a gente vai para o refinamento disso. Aprofundar nesse perfil, até mesmo analisar ele como pessoa. Depois, comparar um jogador com o outro e até mesmo com o que você tem no elenco, para aí sim tomar a decisão. As decisões em clubes de Premier League não são tão rápidas, para você minimizar a chance de erro –, explicou Sandro Orlandelli.
Aliar a tecnologia a um detalhado trabalho de observação é o que os scouts de alto nível precisam fazer para errar o mínimo possível. Superar a falta de dinheiro com criatividade e competência é o que muitos clubes têm buscado. Na Premier League, exemplos de sucesso não faltam, como Brentford, Brighton e Crystal Palace.
