Opinião: por que o caso Greenwood é uma das piores gestões de crise dos últimos tempos

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Vivendo um momento de reconstrução, o Manchester United está com seu elenco renovado e promete brigar pela parte de cima da tabela na Premier League 2023/24. Porém, nesse início de campeonato, o clube aparece nas manchetes dos sites e jornais ingleses por outro motivo: a possível reintegração de Mason Greenwood.

O jogador está afastado do clube desde janeiro de 2022 por ter sido acusado de estupro e violência doméstica. Greeenwood foi preso duas vezes nesse período, mas foi solto por ter pagado a fiança. O julgamento estava previsto para o final deste ano, mas em fevereiro de 2023, a investigação foi suspensa pela promotoria e o caso foi arquivado.

Desde então, o United tem conduzido uma investigação interna por conta própria para definir se Greenwood seria reintegrado à equipe e voltaria a jogar com a camisa dos Red Devils ou se seria transferido para outro clube.

Esse é o breve resumo de uma história muito complexa. Nesse texto, não vim acusar o jogador, nem dizer se o United deve ou não reintegrá-lo. Não me vejo na posição – e nem na profissão – certa para fazer isso. Minha ideia aqui é mostrar como o United tem contribuído para piorar essa crise interna por três motivos principais: seu silêncio, sua falta de transparência e sua demora.

1. Silêncio: quando será o retorno de Greenwood?

No fim da pré-temporada 2023/24, Greenwood foi visto treinando sozinho, sendo auxiliado por um ex-técnico júnior do United em um parque. Apesar de não estar junto de seus companheiros de equipe no centro de treinamento do clube, começou-se a criar uma expectativa de que seu retorno estava próximo.

Em resposta a essa especulação, um grupo de torcedoras publicou uma carta em suas redes sociais se posicionando contra a reintegração do atleta.

— A situação é clara: reintegrar Greenwood legitima e normaliza a agressão sexual e a violência doméstica. Isso diz a outros jogadores, e aos homens e meninos que os admiram, que abusar de mulheres é aceitável, sem consequências e não te afetará, nem prejudicará sua carreira – diz um trecho.

Enquanto isso, sites e jornais ingleses noticiavam informações desencontradas sobre o assunto. Alguns diziam que o United aguardava a volta de jogadoras da equipe feminina, que estão disputando a Copa do Mundo, para que elas também opinassem. Outros diziam que a decisão, na verdade, já estava tomada e o clube preparava uma entrevista para anunciar a volta do atacante. Havia também a versão de que o United já tinha programado a data do retorno para o início da Premier League, mas adiou.

Em suma, não havia consenso entre os textos de importantes veículos publicados nas últimas duas semanas. E qual foi a resposta do United a isso e às cobranças de sua torcida?

Silêncio.

O clube só decidiu vir a público com uma nota nesta quarta-feira (16), depois de o site “The Athletic” publicar uma matéria cravando a data de anúncio do retorno.

Só que, no fim das contas, o único grande esclarecimento que a publicação traz é de que o clube ainda não tomou a decisão. O que nos leva ao segundo problema.

2. Falta de transparência: o que o United está investigando?

A justificativa da polícia inglesa para o encerramento do caso é que ocorreu uma “retirada de testemunhas-chave” e um novo material veio à tona, mostrando que “não havia mais uma perspectiva realista de condenação”. Apesar disso, há uma grande resistência, especialmente por parte das torcedoras do United, porque na época de denúncia circulou nas redes sociais um áudio do momento da tentativa de estupro, supostamente cometido por Greenwood. Por ser um áudio forte, optei por não transcrever as falas nesse texto.

A partir disso, o United iniciou a sua própria investigação. A pergunta que não quer calar:

O que exatamente o clube está tentando descobrir além do que a polícia já apurou? E como isso está sendo feito? Com quem o clube está falando para chegar a alguma conclusão?

Na nota, ele diz apenas que “se baseou em extensas evidências e contextos que não são de domínio público” e que ouviram “várias pessoas com envolvimento direto ou conhecimento do caso”. Eu não sou torcedora do Manchester United, mas se fosse, me assustaria com a falta de transparência sobre a forma como o clube está direcionando essa situação.

Aliás, em sua matéria mais recente sobre o caso, o “The Athletic” apurou que o time não consultou entidades de defesa aos direitos das mulheres nesse processo. Como um clube pode pensar em reintegrar um atleta que foi denunciado por crimes de gênero sem ouvir especialistas sobre o tema?

3. Demora: qual recado do United quer passar para sua torcida?

Quando Greenwood foi denunciado e preso, o United prontamente afastou o jogador aguardando o fim da investigação policial. Da mesma forma, a Nike, patrocinadora do atleta, suspendeu seu contrato. O plano de fazer sua investigação individual surgiu quando a denúncia foi retirada. E assim se passaram seis longos meses sem nenhuma resposta ou satisfação à torcida sobre o caso.

Do outro lado do Atlântico, o futebol brasileiro não é um case de sucesso no combate à violência contra as mulheres. O Anuário do Fórum Brasileiro da Segurança Pública mostrou que houve um aumento de casos de estupro e de feminicídio de 2021 para 2022 no nosso país. No ano passado, foram registrado 1.437 casos de estupro – um aumento de 6,1% em relação ao ano anterior. Já os homicídios de mulheres cresceram 1,2% de um ano para o outro.

E o futebol não escapa disso. Quem não se lembra das denúncias contra Jean e Daniel Alves, ex-jogadores do São Paulo, e da condenação de Robinho, ex-atleta do Santos?

Mas se há denúncias contra jogadores, ao menos parte dos clubes tem agido com o mínimo de velocidade que uma situação tão grave pede. Nos casos citados, os times nos quais os jogadores se encontravam no momento em que as denúncias e processos vieram à tona, tomaram alguma providência para afastá-los ou rescindir contrato. É claro, a pressão da torcida foi fundamental para isso.

O cenário no United é completamente diferente. Demorar um semestre inteiro para soltar uma nota pouco esclarecedora é um desrespeito com sua torcida e com a vida de todas as mulheres.

Qual é o recado que o United quer passar com esse posicionamento em meio a tantas especulações?

Essa morosidade abre espaço para especulações que podem nem ser verdade. Será que o clube está levando em consideração a vítima que fez as denúncias ou a perda financeira que a saída de Greenwood representaria é mais importante?

Em sua nota, o clube diz que tem “responsabilidades com Mason como funcionário, como jovem que está no clube desde os sete anos de idade e como novo pai com uma parceira”. A diretoria está pensando em todas as mulheres que fazem parte do seu corpo de funcionários também? Elas foram ouvidas?

Eu adoraria ter essas respostas. Mas o United preferiu nos deixar no escuro fazendo uma das piores gestões de crise dos últimos tempos. Eu não sei o que o clube vai decidir sobre o futuro de Greenwood. Mas espero que o caso do Antony, que também está sendo investigado por supostos crimes contra uma ex-namorada, seja conduzido de forma mais respeitosa com a vítima e com todas as outras mulheres que amam essa camisa.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do meu empregador.

Maria Tereza Santos
Maria Tereza Santos

Jornalista pela PUC-SP. Na PL Brasil, escrevo sobre futebol inglês masculino E feminino, filmes, saúde e outras aleatoriedades. Também gravo vídeos pras redes e escolhi o lado azul de Merseyside. Antes, fui editora na ESPN e repórter na Veja Saúde, Folha de S.Paulo e Superesportes.