Doação da Premier League mostra que futebol masculino e feminino precisam andar juntos

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Nesta semana, a Premier League anunciou doações para ajudar outras ligas nacionais: 200 milhões de euros foram destinados à 5ª divisão masculina, e um milhão de euros à WSL e Women’s Championship, de auxílio para o retorno do futebol feminino na próxima temporada.

Contextualização dos fatos

Devido a pandemia do coronavírus e a preocupação com a saúde das atletas e envolvidos, a temporada 2019/2020 da FA Women’s Super League foi encerrada no último dia 25 de maio, com o Chelsea sendo decretado o campeão. E esta questão permanece como prioridade para a retomada do futebol feminino.

Segundo a Premier League, este valor doado terá como uma de suas finalidades principais a possibilidade de testagem das atletas nas duas divisões inglesas do futebol feminino. Consequentemente, o subsídio permitirá que protocolos de saúde sejam realizados de forma segura e efetiva.

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Além disso, o executivo-chefe da Premier League, Richard Masters, abordou suas intenções futuras de passar a gerir as competições femininas. Disse, porém, que na sua visão o momento ainda não é o ideal para isso.

Vale ressaltar que, neste momento, as competições de futebol das mulheres são organizadas e gerenciadas pela Federação Inglesa (FA, Football Association), a entidade mor que controla o futebol na Inglaterra.

Kelly Simmons, diretora da categoria profissional feminina da associação, fez um agradecimento à Premier League pela importância da doação realizada. E pontuou que, além da contribuição para um ambiente mais seguro, possibilitará igualmente a continuidade do trabalho feito pelos clubes, governo e envolvidos.

Futebol masculino e feminino de mãos dadas

Richard Masters também explana em sua fala sobre a necessidade da categoria masculina e seus dirigentes trabalharem juntos de mãos dadas, “e pode inspirar gerações de jovens jogadoras a se envolverem com a modalidade.”.

“Nós queremos que o futebol feminino seja bem sucedido, e é por isso que estamos ajudando e engajando nas discussões com a FA, sobre assumir as responsabilidades.”, disse Masters.

“De uma perspectiva pessoal, é algo que eu gostaria de fazer no futuro para esta organização – sendo não apenas responsável pelo topo da pirâmide em termos do futebol dos homens, mas também das mulheres”, completa.

O posicionamento do executivo-chefe demonstra a visão de produto que é necessária nesse momento crucial de crescimento que estamos acompanhando, não só na Inglaterra, mas em todo o mundo. O sucesso da Copa do Mundo de 2019 na França trouxe uma perspectiva macro da possibilidade rentável e de sucedimento.

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Um breve histórico

Infelizmente, não foi apenas no Brasil que o futebol feminino foi proibido. Até mesmo no berço do futebol, este fato mancha a trajetória do esporte, e traz consequências na atualidade para as mulheres nos gramados.

Em 1921, a Inglaterra tinha em seu auge, o primeiro time de futebol de todos os tempos, o Dick, Kerr Ladies. A equipe era composta de operárias da fábrica de munição Dick, Kerr & Co, em Preston, que surgiu em 1917 durante a Primeira Guerra Mundial.

Nesse momento da história, as mulheres ganhavam força e espaço no mercado de trabalho, devido aos homens que foram servir as forças armadas do país. E mesmo após o final da guerra, o time ainda se manteve firme.

O futebol feminino inglês vinha em grande fase, conquistando vitórias e quase nunca sofrendo derrotas. E a equipe participou inclusive de um amistoso internacional, representando a seleção da Inglaterra, contra a França.

E mesmo com tudo isso, a federação decide proibir a prática do futebol pelas mulheres, sob o argumento de que fazia mal para a saúde e fisiologia. Basicamente o mesmo argumento utilizado nos anos de 1940, no Brasil.

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Muitos ainda faziam questão de citar a possibilidade de que o esporte poderia prejudicar as funções dos órgãos reprodutivos femininos. Por mais absurdo que nos pareça. Mas a verdade ia muito além disso.

Interesses econômicos estavam em jogo com a criação de novas divisões de futebol masculino, e a necessidade da captação de verba única e exclusiva para esta finalidade. E não apenas, mas também o modelo de sociedade burguesa patriarcal que coloca os homens em papel de dominância e de tomada de decisões.

A presença das mulheres no mercado de trabalho, na política e nos esportes era visto como ameaça em diversos âmbitos. E essa decisão impediu o pioneirismo do futebol feminino inglês de poder se desenvolver até a década de 1970, quando houve grande pressão para a retomada da categoria.

As consequências na atualidade e o investimento no futebol feminino europeu

É óbvio dizer que todo o contexto de proibição carrega até hoje um atraso no crescimento. Ainda mais se levada em conta a grandiosidade que já se encontrava o masculino nessa década onde se davam novamente os primeiros passos.

A dita “falta de apelo” – que já caiu por terra –; o retorno de investimento que (ainda) não é a curto prazo; e todos os obstáculos a serem derrubados nessa caminhada; têm raízes nesses impedimentos e erros cometidos no passado.

Mas é importante vermos o movimento gigantesco que está sendo feito na Europa como um todo, para fomentar o futebol feminino e transformá-lo na maior potência do mundo. E podemos afirmar que a WSL já um dos campeonatos mais competitivos da atualidade, juntamente com o francês, o alemão e o estadunidense.

O diferencial europeu é o entendimento da categoria como realmente um produto, que deve ser bem trabalhado, divulgado e distribuído. O que faz total diferença, inclusive nos gramados. E um pilar vital: a profissionalização das atletas.

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É consideravelmente recente, mas foi importantíssimo para que o futebol feminino inglês visse de vez uma melhoria técnica e de performance das suas atletas. Afinal, além do respaldo estrutural e investimento dos clubes, muitas começaram a receber melhores salários, resultando em vidas mais confortáveis.

Os times passaram também a apostar nas mídias sociais das suas equipes, em assessorar suas atletas, e seguiram os padrões impostos ao futebol masculino. O fruto dessa ação corroborou com a melhor organização e envelopamento das competições.

E mais, inserindo em seus sites, campanhas e ações, a presença das suas atletas mulheres. Inclusive retirando a distinção de “time principal, time feminino”. Os dois times são principais, apenas se divide por categoria homens e mulheres. Num montante final, só há o que se ganhar numa tomada de decisão como essa.

A importância do apoio da Premier League

Portanto, não resta dúvidas que a fala de Richard Masters é consciente e demonstra o pensamento correto de quais são os próximos passos a serem dados para o futebol feminino inglês. Com o sucesso da PL, toda sua credibilidade, competitividade e marca que foram muito bem solidificadas podem contribuir de forma ativa e significante.

Ambos precisam e devem andar de mãos dadas. Assim, se fortalecem mutuamente, e criam um laço profundo que perdurará pelas próximas gerações que virão. E não apenas de atletas, mas também com os torcedores.

Medidas como essas auxiliam na recuperação desse atraso de décadas de proibição, de falta de incentivo a participação das mulheres na prática esportiva e no crescimento que vai gerar rendimento monetário em um período de tempo que vai se encurtando.

Vamos ficar de olho no que virá subsequente, e ficar na esperança que o modelo europeu de se investir e fazer futebol feminino seja tirado como bom exemplo.

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Natália Lara
Natália Lara

Narradora no DAZN e na TV Cultura. 26 anos. Natural de São Paulo. Formada em Rádio e TV e especializada em Locução e Narração Esportiva.