O Chelsea começou a nova temporada de forma animadora. Um novo treinador promissor, reforços, jogadores voltando de lesão e reformulação no elenco. No entanto, a pré-temporada deixou um gosto amargo.
Em seis jogos, o time de Enzo Maresca teve apenas uma vitória, contra o América, do México. Foram 13 gols sofridos (mais de dois por jogo), apesar dos 10 marcados. Testes curiosos e tática diferente. Afinal, há motivo de preocupação para os Blues na Premier League?
O elefante na sala: a defesa
A questão envolvendo a pré-temporada dos Blues foi a defesa. Muitos gols sofridos, erros cruciais que renderam grandes oportunidades e gols aos adversários e inconstâncias táticas nesse sentido.
O problema maior tem sido a altura da última linha defensiva. O próprio Enzo Maresca entende que isso deve ser ajustado, mas acredita que a defesa tão alta como tem se postado não é um pedido seu:
— Não estamos trabalhando com linhas defensivas tão altas. É um hábito do ano passado ou de anos atrás, não sei. Estamos tentando baixar um pouco a linha defensiva, geralmente cerca de quatro ou cinco metros, apenas para ter alguma vantagem. No ano passado, já sofremos muitos gols com esse problema. Esperamos resolvê-lo muito em breve.
Apesar de Mauricio Pochettino ter sido, em determinados momentos da sua carreira, um treinador muito ousado no que diz respeito ao seu sistema de pressão e defesa alta, isso não era regra no Chelsea.
E o modelo de jogo do argentino e de seu sucessor não são completamente parecidos. Na última temporada da Premier League, os Blues foram apenas a 9ª equipe com a linha defensiva mais alta da liga (45,2 metros em média).
Além disso, na última edição do campeonato inglês, o time de Pochettino foi o 10º em progressão do goleiro adversário — uma estatística que demonstra quantos metros um goleiro adversário progride a partir de uma sequência de passes. Ou seja, também não pressionava tão efusivamente.
O problema é na defesa com bola…
Os pedidos específicas de Maresca para a construção de jogo a partir da defesa são conhecidos — e a PL Brasil já fez uma análise completa sobre o modelo de jogo do treinador.
A ideia é que o time sempre tenha superioridade numérica na primeira fase de construção, facilitando a manutenção e progressão da bola. Mas, para que isso aconteça, os defensores precisam estar confortáveis em jogar sob pressão e os meio-campistas devem tomar boas decisões com marcadores nas suas costas.
Isso foi exatamente o ponto de dificuldade em grande parte da pré-temporada. A derrota par ao Manchester City foi exemplo claro: dois dos quatro gols dos Citizens vieram a partir de uma pressão alta do time de Guardiola.
No primeiro caso, Robert Sanchez (goleiro) passa a bola para Moises Caicedo (volante), que imediatamente devolve para Tosin Adarabioyo (zagueiro). Com dois atacantes do City diminuindo seu campo de visão, Adarabioyo tenta um passe de primeira com a perna esquerda, a “perna ruim”, mas erra e gera um pênalti.
O segundo gol veio em circunstâncias extremamente parecidas. Antes disso, o Celtic também teve bom trabalho de pressão sobre os zagueiros dos Blues e foi recompensado.
… e sem ela também
Se com a bola o problema não é necessariamente do sistema, mas da tomada de decisões e do posicionamento, com ela a questão é mais estrutural. E ela também está presente no time de Maresca.
Independentemente do sistema tático, uma linha defensiva alta se torna um ponto fraco em vez de uma qualidade quando os adversários têm tempo e espaço para explorá-la — seja por cima, em passes longos, ou por baixo, aproveitando buracos.
A execução da linha alta pelo Chelsea tem sido bastante inconstante, mas o principal problema começa na frente. Um sistema de pressão ruim e sem sincronia causa um efeito cascata e atrapalha todo o restante da defesa.
Às vezes, a pressão do Chelsea parece confusa, com companheiros de equipe fazendo gestos um para o outro enquanto os adversários avançam sem marcação. Outras vezes, os jogadores mostraram falta de intensidade física necessária para pressionar a bola e as opções de passe.
E, curiosamente, a pressão foi um dos bons hábitos desenvolvidos por Pochettino na temporada passada. Os Blues tiveram uma média de 10,7 passes adversários por ação defensiva (PPDA) em 2023/24, a quarta melhor média da Premier League.
E isso também foi importante para Maresca no Leicester campeão da Championship. Seus 11,1 PPDA foram a terceira melhor média da segunda divisão inglesa. Isso significa que o problema pode ser resolvido, mas ainda é uma debilidade no modelo de jogo.
Um Chelsea novo exige tempo… e testes
Claro que todo novo treinador precisa de tempo para colocar suas ideias em prática. Quando ele chega a um time em que não conhece basicamente nenhum jogador de trabalhos prévios, é uma situação ainda mais delicada.
Maresca tem feito testes com os muitos jogadores à disposição dos Blues. Malo Gusto, lateral direito que ficou conhecido pelo seu bom apoio à linha de fundo, jogou pela ala esquerda em determinados momentos. Os laterais que “invertem” ao meio também foram alternados.
No ataque, os pontas também foram testados. E o time ainda não tinha contado com os jogadores da Euro, Copa América e outros desfalques, como Nicolas Jackson e Palmer, que voltaram depois.
— Como camisa 9, estamos jogando com [Marc] Guiu e Christopher [Nkunku]. Quanto aos pontas, jogamos com [Tyrique] George, o jovem da base. Estamos tentando coisas diferentes. Com certeza, o clube e eu estamos juntos e sabemos o que precisamos antes do fim da janela de transferências — disse Maresca.
Elenco grande não é tão positivo quanto parece
Isso só piora quando lembramos que o elenco dos Blues é gigante. O time profissional tem 44 jogadores — basicamente quatro times titulares completos. E muitas disputas por posição.
Isso faz com que jogadores fiquem insatisfeitos. Conor Gallagher, titular absoluto com Pochettino, foi avisado que não teria o mesmo espaço. Esteve quase certo no Atlético de Madrid, mas a transferência não se desenvolveu. Ele volta e não deve ter a melhor adaptação depois desse episódio.
— Ainda não conheço bem meu time. A pré-temporada foi muito dura, intensa, com muitos jogos viajando de uma cidade para outra. Agora, finalmente, começamos uma semana normal. Amanhã descansamos e depois começamos a preparar o jogo — disse o treinador, após o último amistoso contra a Inter.
O elenco do Chelsea tem:
- 6 goleiros
- 7 zagueiros
- 2 laterais-esquerdos
- 3 laterais-direitos
- 4 volantes
- 4 segundos-volantes
- 4 meias ofensivos
- 4 pontas-esquerdos
- 3 pontas-direitos
- 6 centroavantes
Alguns destes nomes ainda devem deixar o time, como Romelu Lukaku, Chalobah e Armando Broja. Haverão lesões — como a já confirmada de Reece James — que aumentam a possibilidade de rotação.
Mas, ainda assim, é muito jogador para pouca vaga. Insatisfação deve ocorrer, e gerir tantos possíveis problemas internos nunca aconteceu antes na cruta carreira de Maresca.
Ainda há uma parte boa
Nem tudo está perdido. Houve momentos positivos nos amistosos, principalmente com a bola nos pés. A ideia de Maresca se mostrou visível e os momentos bons, que foram limitados, se mostraram com muito potencial.
A reclamação de jogadores como Caicedo sobre o gramado dos Estados Unidos, onde o time fez pré-temporada, pode ser levada em consideração — mesmo que não anule todos os problemas.
No último amistoso, contra a Inter de Milão, já em Stamford Bridge, os Blues tiveram muitas sequências de domínio no jogo, encurralando o time italiano. Trocas de passes incisivas e que levaram a oportunidade claras.
Mais de uma vez o time conseguiu entrar na área a partir de trocas rápidas com infiltração dos pontas, principalmente Madueke. Isso sem um time completo com jogadores criativos como Palmer e Pedro Neto, e ainda com um centroavante menos móvel, Guiu.
E apesar dos defeitos nos primeiros jogos, as fases de construção parecem cada vez mais claras. Os movimentos dos volantes e laterais têm encaixado bem com a bola, e o time sabe entrar no último terço com consciência.
Além disso, o elenco tem alguns dos destaques da última Premier League em alguns quesitos:
- Reece James foi o 7º em xT (perigo esperado criado através de passes)
- Madueke foi o 5º em corridas progressivas, e Sterling foi o 10º
- Madueke e Sterling foram 5º e 6º, respectivamente, em corridas progressivas para a marca do pênalti
Maresca é inexperiente, mas promissor e tem ideias claras — mesmo que às vezes radicais. Pode moldar um time muito jovem e, se conseguir, alavancar todo o potencial que os garotos dos Blues têm. Pode não ser agora, mas pode ser antes do que o público espera.