Por que o Manchester City aposentou a camisa 23?

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Diferentemente do basquete, no futebol não é tão comum vermos equipes aposentando numerações de suas camisas para homenagear algum jogador. Ainda que tenhamos, entre alguns exemplos, a 14 de Johan Cruyff no Ajax, a 25 de Gianfranco Zola no Chelsea, a 10 de Diego Maradona no Napoli ou até mesmo a 01 de Rogério Ceni no São Paulo, não é uma atitude recorrente. Entretanto, uma história triste levou o Manchester City a aposentar a camisa 23.

Qual a explicação para o Manchester City aposentar a camisa 23?

O ano era 2003 e os Citizens haviam terminado aquela temporada na 9ª colocação. À época, era a melhor posição conquistada pelo clube no campeonato em uma década, apenas um ano depois da equipe ter retornado da segunda divisão.

Um dos destaques da equipe comandada pelo treinador Kevin Keegan naquela temporada era o meio-campista camaronês Marc-Vivien Foé, de 28 anos, que pertencia ao Lyon, da França, mas estava emprestado ao clube inglês.

Foé vivia uma das melhores fases de sua carreira. Havia sido desfalque em apenas três jogos da temporada 2002/2003 da Premier League e marcado nove gols na competição. Além disso, ele quem fez o último gol do City no Maine Road, seu antigo estádio, em 16 de abril de 2003, na vitória por 3 a 0 sobre o Sunderland.

Gary M Prior/Getty Images

O camaronês então juntou-se a sua seleção para a Copa das Confederações, na França. Os Leões eram os atuais bicampeões da Copa das Nações Africanas e haviam conquistado a medalha de ouro nas Olimpíadas de Sidney, em 2000. Ademais, somavam quatro participações em sequência em Copas do Mundo, com o meio-campista tendo jogado a de 1994 e a de 2002.

Na fase de grupos da competição, dividiram grupo com Turquia, Estados Unidos e Brasil – os camaroneses, inclusive, venceram os recém-campeões do mundo e os turcos por 1 a 0, classificando-se com antecedência.

Tudo parecia perfeito. Foé brilhava em seu clube e seleção, alcançando destaque e estando com um nível cada vez mais sólido.

No dia 23 de junho de 2003, Camarões e Colômbia se enfrentaram pela semifinal da competição em busca da vaga na final. Antes da partida, o meio-campista havia dito para seus compatriotas que tinham de vencer aquele jogo, mesmo que para isso precisassem morrer em campo.

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A seleção do camisa 23 do Manchester City nunca havia chegado à final da competição e vencia a partida por 1 a 0, até que, aos 27 minutos do segundo tempo, a tragédia aconteceu.

Foé desabou no meio do campo. O jogador possuía uma rara condição hereditária nomeada cardiomiopatia hipertrófica, a qual atinge menos de 0,2% da população do mundo e é agravada durante a prática de atividades físicas.

Philippe Desmazes/AFP via Getty Images

O colombiano Jairo Patiño, de prontidão, notou a gravidade da situação e alertou a todos. A equipe médica foi chamada, tentaram reanimá-lo com respiração boca a boca e oxigênio do lado de fora do gramado, o levaram para um hospital, mas, 45 minutos depois, o jogador faleceu.

A morte dele chocou e impactou a todos. Na final, a França venceu a seleção de Camarões na prorrogação, com gol de ouro de Henry. Mas, não houve festa. Os camaroneses vestiam camisas com o nome de Foé bordado e o número 17 que ele usava pelo seu país, além de carregarem uma grande foto sua com uma medalha de prata pendurada.

Franceses e camaroneses se abraçaram, com Marcel Desailly e Rigobert Song levantando a taça do título juntos. Naquele momento, pouco importava o resultado, mas sim a vida de um jogador que havia partido sob o olhar de milhares.

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Sua morte não só fez o Manchester City aposentar a camisa 23, como também o Lyon, clube detentor do seu passe, aposentou o número 17 que ele usou enquanto esteve lá.

Comoção

No mundo do futebol, comoção imediata. Keegan, seu treinador nos Citizens, pouco conseguiu falar ao saber da morte de seu atleta, caindo aos prantos de forma inconsolável.

“Marc não era apenas um jogador especial. Era uma pessoa especial. Todos sentiremos falta de seu sorriso e sua personalidade. Nada era problema para ele, e ele era amado por todos os atletas e diretores”, disse o técnico naquela época.

Kevin Keegan também  revelou que o clube estava com a compra do camisa 23 encaminhada. “Foi um privilégio trabalhar com ele por uma temporada. Estávamos em meio ao processo para negociar sua transferência em definitivo, o que o tornaria de vez um jogador do Manchester City”, afirmou.

Por parte da torcida, diversas homenagens para o camaronês no estádio do clube. Fizeram um verdadeiro memorial, deixando camisas, flores e presentes para simbolizar a falta que o atleta faria ao clube como um todo.

Paul Barker/AFP via Getty Images

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Ligação com outros clubes da Inglaterra

Em 1998, pouco antes da Copa do Mundo, Alex Ferguson, treinador do Manchester United, estava de olho na contratação de Foé. Todavia, uma oferta de 3 milhões de libras foi recusada pelo Lens, clube pelo qual ele venceu o título francês – possuindo, inclusive, uma placa em sua homenagem no estádio do time. 

Logo depois, o jogador quebrou a perna durante um jogo das Eliminatórias, culminando em sua ausência naquela Copa e na desistência dos Red Devils em continuarem o negócio.

Já em 1999, transferiu-se para o West Ham pela bagatela de 4,2 milhões de libras, tornando-se a contratação mais cara dos Hammers naquela época. 

E não para por aí. Harry Redknapp, que treinou o West Ham quando Foé passou por lá, admirava bastante o atleta e acompanhava de perto o seu destaque no Manchester City. Segundo o próprio, havia a tentativa de levá-lo ao Portsmouth após o término da temporada, com a negociação estando em curso.

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Impacto no futebol

Sua trágica morte foi a responsável pelo surgimento de diversas medidas de segurança para prevenir que novas perdas se repetissem. A Fifa criou um procedimento nomeado de “11 passos para prevenir súbitas mortes cardíacas”. Mesmo assim, outras tragédias vieram a acontecer no campo em diversas partes do mundo.

Outra medida tomada pela entidade máxima do futebol foi a criação de uma fundação em homenagem ao jogador. Também foram elaborados planos de aquecimento para prevenirem lesões nos jogadores e as formas de atendimento e avaliação dos atletas mudaram.

Marc-Vivien Foé nunca tinha feito exames para avaliar o quão grave era o seu problema no coração e os impactos que ele poderia gerar. 

Os primeiros socorros a ele também foram realizados de maneira errônea. Ao invés de tirá-lo do campo, o jogador deveria ter recebido massagem cardíaca até a chegada do desfibrilador. Hoje em dia, é sabido que uma vítima de ataque cardíaco deve ser atendida no local onde está.

Ele conseguiu deixar sua marca nos clubes, na seleção e na memória de muitos. Infelizmente, sua carreira no futebol teve um fim precoce e ele perdeu a vida em um de seus melhores momentos de forma triste e melancólica.

Ben Radford/Getty Images

Pedro Ramos
Pedro Ramos

Editor da PL Brasil entre 2012 e 2020 e subcoordenador na PL Brasil desde 2023. Passagens pelo jornal Estadão e o canal TNT Sports. Formado em Jornalismo e Sociologia. Ex-pesquisador do GEMAA (Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa).

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