Contamos a história do jogo com o pior público da era Premier League

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Costuma-se dizer dos anos 1960 que, se você pode lembrar deles, você não estava lá. O mesmo princípio serve para o jogo entre Wimbledon contra o Everton em 26 de janeiro de 1993, o pior público da era Premier League.

A razão, no entanto, não tem nada a ver com alucinação ou saudosismo. É porque, em primeiro lugar, quase não havia ninguém para lembrar disto. A partida teve um público de apenas 3.039 espectadores, o menor público da história da era moderna do campeonato (1992-93).

Chegando ao fim daquela temporada, Wimbledon terminaria o campeonato acima do Everton, um ponto e uma posição a mais, na 12ª colocação. Os jogadores de Goodison Park venceram o confronto de meio de semana por 3 a 1.

Dois gols marcados por Tony Cottee foram seguidos pela finalização de Ian Snodin para os Toffees, com John Fashanu descontando de cabeça para os Dons. Estava frio, o gramado do Selhurst Park estava horroroso e confusão entre jogadores na reta final da partida. É necessário registrar tudo isso, pois você não estava lá.

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Uma das pessoas que estiveram lá foi Neal Ardley. Agora técnico do AFC Wimbledon, Ardley tinha apenas 21 anos naquela época e no meio de sua temporada de estreia no meio-campo dos Dons.

“Eu me lembro de olhar pro outro lado do campo, vi somente um homem e o cachorro dele“, relata Ardley. “Costumávamos a rir, porque as únicas vezes que lotamos o Selhurst Park era quando jogávamos contra os grandes clubes. Teríamos 8 mil torcedores do Wimbledon e 18 mil torcendo para o Manchester United.”

Naquele inverno, o Wimbledon estava no segundo ano de um acordo com o Crystal Palace para dividir o uso do Selhurst Park. O antigo Plough Lane havia sido abandonado, aparentemente por não se enquadrar nas exigências que a era pós-Relatório Taylor.

Os Dons, na sua versão original – o clube mudou de cidade e de nome em 2004, tornando-se Milton Keynes Dons -, jamais voltariam pra casa mas à época, até mesmo os torcedores estavam boicotando o clube, em protestos contra o proprietário Sam Hammam. H

avia tantos torcedores do Everton quanto torcedores do Wimbledon naquela noite, mas isso ficou ainda mais embaraçoso depois que os grupos de torcedores dos Dons pediram aos visitantes de Merseyside que ficassem em casa.

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Para Ardley, na época, a ausência dos torcedores não era novidade. Na verdade, era algo normalmente visto como uma vantagem para o time. “Estávamos acostumados com isso”, diz. “Nós recebíamos cerca de oito ou nove mil torcedores. Também tínhamos um grupo de jogadores forte psicologicamente.

Tínhamos essa mentalidade em que não nos importávamos com o que as pessoas diziam, não nos importávamos com que faziam, apenas exigíamos muito um do outro”. Mas naquela noite, a fórmula não funcionou. “É engraçado que isso não tenha funcionado a nosso favor. Não foi uma das nossas melhores atuações”, admitiu Ardley.

Um jogador que esteve em um das suas melhores atuações, no entanto, foi Cottee. No caminho de se tornar o artilheiro da equipe naquela temporada, marcou seus dois gols sem dificuldade.

O primeiro foi marcado ao bater na saída de Hans Segers após uma bola mal afastada pela defesa cruzar seu caminho. No segundo, aproveitou a sobra após cabeçada de de John Scales. “Eu me lembro do segundo gol vagamente”, diz Cottee. “A bola cruzou por toda a área e eu coloquei pra dentro. Conhecendo a maioria dos meus gols, provavelmente foi isso”.

Cottee admitiu que demorou a perceber que aquele jogo de Premier League tinha se estabelecido como um recorde – “você não vai pro campo e conta os torcedores, você entra pra conquistar os três pontos” – mas diz que públicos pequenos não eram incomuns nos primeiros dias da Premier League.

“Havia uma grande diferença entre os que tinham e os que não tinham. Há um nível mais equilibrado agora, com o poderio financeira dos clubes de agora. A temporada 1992-93 foi a primeira sob contrato dos direitos de transmissão com a Sky Sports. O dinheiro da TV só começou a entrar na última metade dos anos 90, e isso foi o que realmente ajudou os pequenos clubes.”

Os menores públicos da história da Premier League

  1. 3.039 torcedores – Wimbledon 1×3 Everton – janeiro 1993;
  2. 3.386 torcedores – Wimbledon 5×2 Oldham Athletic – dezembro 1992;
  3. 3.759 torcedores – Wimbledon 1×2 Coventry City – agosto 1992;

Com passagens na seleção inglesa, Cottee lembrou de seu companheiro de ataque naquele dia, Peter Beardsley: “Ele era simplesmente o melhor jogador do Everton, e trabalhou muito para criar as chances”.

Curiosamente, há outra curiosidade envolvendo essa partida – dois jogadores escalados naquele dia também estiveram no jogo com menor público da história do Wembley. Os 15.628 torcedores que testemunharam o jogo entre Inglaterra e Chile em 1989. “Vou te dar uma dica: um deles era eu”, brinca Cottee (o outro era Fashanu).

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No entanto, a memória mais vívida de Cottee naquele jogo de Premier League contra o Wimbledon não foi o público pequeno, nem o resultado, mas o companheiro que fechou a conta no Selhurst Park: Snodin.

“Durante o jogo, o Snodin deu uma entrada muito forte”, recorda Cottee. “Ele escorregou e deu no meio de alguém, foi um incidente. Todos nós corremos pra lá, eu incluso, e 17 ou 18 jogadores começaram o empurra-empurra. O pau comendo solto e no meio de tudo isso, o Snodin começou a engatinhar e saiu da confusão passando pelo meio das pernas de alguém! E foi ele começou a briga!”.

Até que, por várias razões, esse jogo foi bem interessante, hein? Estamos envergonhados por não ter estado lá.

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Thiago Ienco
Thiago Ienco

Jornalista formado pela Universidade Estadual de Londrina e apaixonado por futebol - especialmente o inglês. Co-administrador do site Premier League Brasil