Peaky Blinders é uma série britânica produzida pela BBC que, no Brasil, é disponibilizada pelo serviço de streaming Netflix. Baseada em fatos, a narrativa se passa nas primeiras décadas do século XX e retrata os embates da família Shelby pelo poder. A produção estreou em 2013 e foi encerrada em 2022.
A série premiada vai muito além das aventuras dos gângsteres de origem cigana e sua influência na cidade de Birmingham. Peaky Blinders proporciona um mergulho profundo na sociedade britânica do período entreguerras. Religião, política, movimentos sociais e economia são aspectos fundamentais do enredo.
Com o desenrolar da série, os elementos esportivos também assumiram destaque. Corridas de cavalo, boxe e, é claro, futebol se tornaram temas frequentes dos episódios. Assim, as ligações com o esporte bretão são inúmeras, evidentes ou ocultas, nas telas ou nos bastidores.
Agora, a PL Brasil destaca os elementos futebolísticos do seriado: referências, rivalidades, fatos históricos e curiosidades. By order of the Peaky Blinders!
Peaky Blinders: as ligações entre a série e o futebol britânico
Copa da Inglaterra 1895
Muitos fãs da série se perguntam se os Peaky Blinders realmente existiram. A resposta é que sim, mas não exatamente como retratado no programa da BBC.
A gangue de Birmingham, na verdade, foi atuante sobretudo na década de 1890, sendo que, após a Primeira Guerra Mundial, praticamente já não existia mais. E nada de família Shelby, tampouco uma estrutura hierárquica familiar. Nem mesmo planos brilhantes, mas “crimes de rua”, como furtos e assaltos.
Contudo, há um crime histórico que, jamais solucionado, é, por diversas vezes – sobretudo em teorias conspiratórias – atribuído aos Peaky Blinders.
O Aston Villa conquistara a Copa da Inglaterra de 1895, graças a vitória por 1 a 0 sobre o West Brom, e, como forma de aproximar a torcida do título, o troféu passou a ser exposto em Birmingham.
Leia mais: “All or Nothing: Manchester City”: série é um mergulho no trabalho de Guardiola
Mas, na noite de 11 de setembro de 1895, a taça foi roubada da vitrina de uma loja de esportes da cidade, sem deixar qualquer vestígio. O troféu original da Copa da Inglaterra, bem menor que o atual, nunca foi reencontrado, o que levou a diretoria dos Villans ser multada em 25 libras.
Em 1958, aos 80 anos, Henry James Burge assumiu a autoria do crime, revelando que o troféu de prata teria sido derretido para a fabricação de moedas falsas. Mas a discrepância de seu relato com os dados fornecidos por reportagem do Birmingham Post à época dos fatos era tamanha que a versão não foi realmente confirmada e o caso ainda permanece um mistério.
Peaky Blinders: Aston Villa ou Birmingham?
Em 2018, às vésperas do Second City Derby, o apresentador Collin Murray publicou matéria destacando Jack Grealish e John Terry, ambos do Aston Villa, como Peaky Blinders. A torcida rival não ficou nada satisfeita. Indignações tomaram as redes sociais, defendendo que os personagens seriam torcedores do Birmingham.
Mas, apesar das raízes históricas do Birmingham em Small Heath (bairro apresentado como reduto dos Peaky Blinders), na série, não há qualquer evidência ou mesmo referência de que um dos clubes da cidade de fato teria a torcida da família Shelby, sendo que ambos já foram expressamente mencionados no programa.
No primeiro episódio, quando Harry (Neil Bell) explica a Grace (Annabelle Wallis) que os rapazes no pub estão indo a St. Andrews e ela questiona se o motivo seria rezar, o proprietário do The Garrison responde: “Quero ver esse dia! Saint Andrews é um campo de futebol. Os Blues vão jogar. Aquele é o atacante e aquele, o goleiro. Acredite se quiser”.
O termo Blues evidentemente se refere ao Birmingham, fundado em 1875 como Small Heath Alliance, ao passo que o St. Andrews é o estádio do clube desde 1906. E observe-se que a referida cena ainda evidencia o consumo de álcool como elemento cultural marcante do futebol inglês, não só pela torcida, mas também pelos jogadores.
Leia mais: Fifa 20: 5 times ingleses desafiadores para você jogar no Fifa 20
Já no segundo episódio da quarta temporada, durante recrutamento dos Peaky Blinders para enfrentar Luca Changretta (Adrien Brody) e seus aliados, Charlie (Ned Dennehy), desconfiado de certo homem, pergunta a ele quem são os goleiros dos Blues e do Villa, ao que este responde, com sucesso: “Dan Tremelling é goleiro do Blues; Tommy Jackson, do Villa”.
Ambos são atletas reais, jogadores históricos dos clubes e que faleceram na cidade nos anos 1970. Dan Tremelling defendeu o Birmingham entre 1919 e 1932, em 362 partidas, com passagem pela seleção inglesa no período. Já Tommy Jackson serviu como goleiro do Aston Villa de 1920 a 1930, com um total de 186 partidas pelo clube.
Contudo, pelo menos do ponto de vista institucional, quem mais se aproximou da série foi o Birmingham. O clube até incorporou às suas festividades de Natal uma noite temática em homenagem aos Peaky Blinders. E, na última temporada, a campanha de divulgação do novo uniforme da equipe foi inspirada na identidade visual do seriado.
E bem antes disso, em especial à época em que o programa foi lançado, os Bluenoises (torcedores dos Blues) passaram a frequentar os estádios adversários entoando cânticos da série e trajando os típicos caps dos Peaky Blinders. Além disso, usaram vestimentas padrões dos personagens, que viraram moda não só em Birmingham, mas em toda a Inglaterra.
Por conta disso, em parceria com a BBC, o clube organizou o Peaky Blinders Day, em 2014. Além do lançamento de linha oficial de caps – esgotada em poucas horas – no intervalo de partida contra o Leeds, o trailer da segunda temporada seria exibido com exclusividade nos telões do St. Andrews – o que, no entanto, não ocorreu, por decisão repentina da diretoria do clube, em razão da violência explícita no conteúdo a ser exibido.
Leia mais: 5 refugiados hoje estrelas da Premier League
Mas, três anos depois, no Second City Derby, um recado especial gravado por Steven Knight, o roteirista da série, nascido em Birmingham – e torcedor fanático dos Blues – foi transmitido para um abarrotado St. Andrews: “Apenas para dizer que os garotos (Peaky Blinders) estão de volta. Orgulho da cidade. Que o melhor time vença”.
Aliás, em 2018, o roteirista foi perguntado sobre qual jogador do Birmingham se encaixaria nos Peaky Blinders, ao passo que escolheu Jota Pelegrero. Coincidentemente, o espanhol acabou contratado pelo Aston Villa na última janela de transferências – o tipo de traição que Thomas Shelby (Cillian Murphy) jamais perdoaria.
E o último clássico da cidade, na Championship 18/19, presenciou uma cena que poderia muito bem ser parte do seriado: um torcedor do Birmingham vestindo o característico cap invadiu o gramado e acertou um soco no capitão dos Villans – mas Jack Grealish continuou em campo e ainda marcou o gol da vitória por 1 a 0.
Rivalidade escocesa
Em 2018, Peaky Blinders despertou certo rancor da torcida dos Rangers. Isso porque o ator Paul Anderson, que interpreta Arthur Shelby, gravara vídeo associando os gangsteres ao Celtic, enquanto exibia camisa de Kieran Tierney, atualmente no Arsenal: “Glasgow é verde e branco. Kieran, isso é por você, filho. By order of the Peaky f***ing Blinders!”.
Mas, no segundo episódio da quinta temporada, dá para dizer que a série fez as pazes com os torcedores dos Gers. Durante discurso na Câmara dos Comuns, Thomas Shelby anuncia eloquentemente “we are the people”- a frase, além do significado político que assume na cena, é reconhecido lema da torcida e canto marcante nos jogos do clube.
Dias depois, um gol salvador de Alfredo Morelos contra o Légia Varsóvia colocou o Rangers na fase de grupo da Liga Europa. E em meio as comemorações, o zagueiro Nikola Katic postou uma montagem de seus companheiros representando os Peaky Blinders: “Europa League by order of the Glasgow Rangers!”.
Aliás, a nova temporada traz um enfoque especial aos Billy Boys, gangue real de Glasgow nas décadas de 1920/1930 marcada por perseguições aos católicos. O personagem Jimmy McCavern (Brian Gleeson), líder da gangue na série, é inspirado em Billy Fullerton, que teria fundado o grupo protestante após ser atacado por imigrantes irlandeses – historicamente católicos – em uma partida de futebol.
E o embate religioso remete, e muito, à rivalidade histórica entre Rangers e Celtic, de influências protestante e católica, respectivamente. A canção “Billy Boys”, utilizada pela gangue para anunciar sua chegada em áreas católicas – e que aparece na série -, originou versão adaptada pela torcida do Rangers e tradicionalmente entoada nas partidas contra o Celtic – até ser banida dos estádios, em 2011, pelo governo escocês.
Manipulação de resultados
Dez das 20 equipes da Premier League 19/20 estampam casas de apostas em seus uniformes. Esse fato remete à forte cultura de apostas esportivas na sociedade britânica. No futebol, a prática de apostar nas partidas se tornou especialmente relevante a partir da década de 1920.
Na série, é em 1930 que a família Shelby decide expandir sua atuação para o mercado futebolístico. E, assim como nas corridas de cavalos, manipular os resultados também faz parte do negócio. É o que explica Isaiah (Jordan Bolger), no segundo episódio da quinta temporada: “para ajeitar páreos, dê cocaína ao azarão; no caso do futebol, dê 20 libras ao goleiro”.
Nas divisões inferiores e semiamadoras, os casos de manipulação são até hoje recorrentes, mas, na elite do futebol inglês, a fiscalização é intensa. Ainda assim, é impossível garantir que a manipulação esteja extinta, em especial quando vinculada a apostas que não afetam diretamente os placares das partidas, como número de escanteios, cobradores de falta e cartões amarelos.
Leia mais: “Make Us Dream”: documentário é tanto sobre as glórias de Gerrard quanto sobre angústias
Na série, para intervir nos resultados dos jogos, os Peaky Blinders contam com Billy Grade (Emmett J. Scanlan), personagem fictício que teria renome no futebol, e, portanto, acesso aos jogadores.
No quarto episódio da recente temporada, ele diz: “Falei com pessoas do York e do Lincoln City, são os times que perderão. Falei com os goleiros, disseram que cinco libras bastam”.
Já no último episódio, pode-se notar a previsão resultados de diversos jogos, envolvendo clubes como Plymouth City e Manchester United. Em outra cena, Billy Grade afirma: “Harold French apitará o Liverpool. Ele só quer dinheiro. Tom, que apita o Sheffield Wednesday, quer dinheiro e uma surra no cara que está saindo com a mulher dele (aqui, o caro leitor fica privado das palavras nada polidas do texto original)”.
Coincidência ou não, a referência feita ao Sheffield Wednesday é bastante precisa. Os Owls foram fundados em 1867, integrando The Wednesday, clube de críquete que já existia desde 1820. E foi só quando conquistado o título da liga nacional na temporada 1928/1929, um ano antes da referida cena, que o clube de futebol se tornou oficialmente Sheffield Wednesday.
Repercussão e bastidores
No quarto episódio da quarta temporada, um easter egg encantou os torcedores ingleses. Entre os nomes de cavalos para as apostas de uma corrida, é possível ler “Vardy’s Party” – alusão ao histórico desempenho de Jamie Vardy na Premier League 15/16 – ao lado da cotação 5000/1, exatamente a mesma para um eventual título do Leicester ao início daquela temporada.
E, não apenas pelas referências, desde sua criação, Peaky Blinders se mostra bastante popular no mundo do futebol. Inclusive nos clubes. Aliás, diversos dirigentes acompanham o seriado com afinco. É o caso de nomes como Gary Neville e Ryan Giggs, a quem o programa teria sido sugerido por Roy Hodgson, conforme já revelou Steven Knight.
Os treinadores reconhecidamente fãs da série também estão representados, entre tantos outros, por Harry Redknapp, José Mourinho e Unai Emery. Este último, quando recém-chegado ao Arsenal, em 2018, utilizava a série como recurso para aprimorar o idioma.
E entre os jogadores o apelo não é diferente: a gangue de Birmingham também faz enorme sucesso com os atletas da Premier League. Alguns deles, como Rui Patrício e Van Dijk, já até visitaram os sets de filmagem.
Por sua vez, David Beckam, no início deste ano, foi flagrado vestido à caráter durante gravações da série, situação que gerou rumores e expectativas sobre uma possível participação do astro inglês na quinta temporada.
Quem também já esteve cotado para aparecer nos episódios de Peaky Blinders é Gary Rowett, que comandou o Birmingham entre 2014 e 2016 – além de Ally McCoist, jogador histórico do Rangers, que gostaria de viver um gangster de Glasgow na narrativa. Ambos supostamente teriam sido contatados por Steven Knight, mas o roteirista já negou qualquer futura participação de celebridades futebolistas na série.
“Mas lembro do nome Joe Cole nos créditos dos episódios” você pode estar pensando. E tem razão. Contudo, não é aquele Joe Cole ex-Chelsea, Liverpool e até Aston Villa, e sim o outro Joe Cole – como literalmente propagado por ele em suas redes sociais (@theotherjoecole) – o ator por trás de John Shelby (e irmão de Finn Cole, que interpreta Michael Gray no seriado).
Aliás, em entrevista ao “Metro”, o Joe Cole ator brincou sobre a possibilidade de alterar seu nome, ofuscado pelo jogador inglês. “Eu pensei em usar meu sobrenome materno, mas Quest soaria como um ator pornô. É meu nome (Cole) e ele jogou pelo meu amado West Ham, então não é um problema. E saberei que fui longe quando superá-lo no Google Imagens”.