Luka Modric tem 39 anos e se tornou o jogador com mais títulos da história do Real Madrid ao conquistar a Supercopa da Uefa em agosto e erguer a 27ª taça com o time. Isso inclui seis troféus da Champions League, cinco do Mundial de Clubes e quatro do Campeonato Espanhol. Porém, antes de ser essa lenda merengue, o meia atuou na Premier League e teve ótima passagem pelo Tottenham.
As mágicas de Modric o levam ao Tottenham
Numa tarde de agosto, no ano de 2006, Damien Comolli, na época diretor de futebol do Tottenham, estava olhando seu correio quando recebeu um envelope enviado por Riccardo Pecini, olheiro do clube nos Bálcãs.
Pecini estava animado, e escreveu sobre ter encontrado o meia que eles tanto procuravam. O olheiro já observava Modric há algum tempo, e finalmente havia conseguido uma comprovação de seu potencial.
Junto da mensagem, um DVD dos melhores momentos do croata na partida entre Arsenal e Dinamo Zagreb, pelas preliminares da Champions League, na qual os ingleses venceram por 3 a 0.
Na ocasião, Modric entregou o pacote completo: roubou bolas, distribuiu passes, driblou, finalizou, e tudo com apenas 20 anos e contra uma equipe cuja base havia sido campeã inglesa invicta apenas alguns anos antes.
Apesar da variedade de atributos do meia, Comolli só tinha olhos para seu talento. O repertório criativo era extenso, de passes de três dedos, passes cavados, lançamentos, além de dribles de corpo e de um domínio de bola impressionante.
O francês estava convencido de que era talento do meio para frente o que faltava aos Spurs para subir de patamar. Não à toa, Dmitar Berbatov e Gareth Bale chegaram à equipe no mesmo ano.

Não foi difícil de conseguir a aprovação do chefão Daniel Levy para a contratação. Complicado eram os seus termos. Luka tinha um contrato de nada menos que dez anos de duração, assinado com o Dínamo Zagreb no ano anterior.
Ao melhor estilo Levy, o Tottenham esperou o momento certo, que foi acontecer somente duas temporadas depois. Com 22 anos, Modric arrebentou na Euro 2008, sendo um dos protagonistas da na campanha da seleção croata, que terminou nas quartas de final.
Naturalmente, suas atuações chamaram atenção de outros clubes, criando um clima de “agora ou nunca” na negociação com o Dínamo. Comolli, então, ligou para Levy, receoso com a perda da contratação.
— Aí que Daniel (Levy) fez sua mágica. Daniel, sendo Daniel, desligou o telefone, juntou suas coisas, pegou seu jatinho e foi para Zagreb. Ele me ligou às três da manhã falando que havia fechado o negócio. Nós conseguimos o Modric —, relembrou o ex-diretor ao “Independent”.
O bom moço das panturrilhas de concreto
Logo nos primeiros treinos no Tottenham, ficou claro que Modric era diferenciado. Dedicado e centrado, tinha bom desempenho nas atividades e “irritava” seus companheiros, que não conseguiam desarmá-lo.
Além da destreza futebolística e de um fôlego avantajado, que o permitia circular por todo o campo, Luka tinha “panturrilhas de concreto”- como descreveu o volante Jamie O’Hara -, que aguentavam as pancadas e protegiam a bola dos desarmes.
Jogadores irritados, comissão técnica encantada. Pouco depois de um mês de chegar ao clube, o recém-contratado estreou como titular na primeira rodada da Premier League. Jogou como um meia esquerda, em esquema bastante cauteloso montado pelo espanhol Juande Ramos.
Modric atuou durante os noventa minutos, mas os Spurs saíram derrotados: 2 a 1 para o Middlesbrough. Na segunda rodada, mais noventa minutos jogados, dessa vez com a primeira assistência, para o gol de Jenas – mas nova derrota, para o Sunderland.
O meia — e o Tottenham — só conseguiriam sua primeira vitória quase dois meses depois, um 2 a 0 sobre o Bolton, já sob o comando de Harry Redknapp, técnico que foi decisivo para o crescimento do croata.
Com o inglês, Modric foi prioritariamente escalado na faixa central, e desempenhou uma das melhores temporadas da carreira. Mas não a de 2008/2009, que já foi muito boa. Nela, jogou 44 partidas, fez cinco gols e deu dez assistências, nove delas só no Campeonato Inglês, em que os Spurs terminaram no modesto oitavo lugar.
Na temporada de 2009/2010, uma fratura na perna o tirou de cerca de um quarto dos jogos. Ainda assim, fez quatro gols e deu sete assistências e teve um desempenho bastante satisfatório.
Foi a segunda temporada, em toda a sua carreira, que mais finalizou; a quarta em que mais deu passes chave, isto é, desde assistências a passes para finalizações e cruzamentos; a quarta também em viradas de jogo.
Números que apontam um maior protagonismo no meio-campo, coincidentemente ou não, no momento em que mudou seu posicionamento. De meia esquerda, Modric foi recuado para um meia central/volante, ocupando a mesma faixa do campo que ocupa até hoje.

Com o croata “carimbando” as jogadas, o Tottenham enfim conseguiu voltar ao top 4 no futebol inglês.
No ano seguinte, bem fisicamente, estabelecido em sua posição e adaptado ao futebol da Premier League, Luka manteve sua regularidade, mas mostrando cada vez mais o domínio do meio-campo.
Em 2010/11, registrou média de passes-chave por jogo de 2,1, e driblou como nunca nos Spurs, com 2,2 completos por partida, além de defender na mesma intensidade.
A temporada também foi a que o croata mais roubou bolas, mais interceptou, mais rebateu bolas e a que mais bloqueou chutes.
Claramente num papel mais defensivo, teve queda no número de gols (4) e assistências (3), mas foi o coração do meio-campo de um Tottenham que ficou em 5º na Premier League e que caiu nas quartas de final da Champions League para o Real Madrid.
O início do fim
Seu crescimento e sua regularidade não passaram despercebidos, e os gigantes europeus notaram o meia completo e na primazia física que era Luka Modric. As primeiras propostas milionárias começaram a ser ventiladas, assim como um interesse do Real Madrid.
Foi o Chelsea, no entanto, que chegou mais próximo de levar o croata. Buscando uma reformulação sob a tutela do “treinador-revelação” Andrés Vilas-Boas, os Blues fizeram uma boa proposta e conseguiram convencer o jogador.
Modric chegou a entregar um pedido de transferência nas mãos da diretoria, e a solicitação foi categoricamente negada pelo mandatário Daniel Levy, que expressou o plano de manter todos os principais jogadores da equipe e retornar à Champions.
Não se sabe se o motivo, mas Luka Modric abandonou os treinos do Tottenham por um tempo. Se recusou a viajar para a pré-temporada e pediu para ficar de fora das partidas mais importantes.
A “cavada” não deu certo, a janela de transferências fechou e Modric ficou, junto de um grande “climão”. É neste momento que Redknapp se mostrou, mais uma vez, um dos melhores comandantes do meia.

O treinador teve habilidade para lidar com a insatisfação do croata. Não o escalou na estreia da temporada 2011/2012, contra o Manchester United, mas o colocou como titular na partida seguinte, contra o City, indo contra o pedido do próprio atleta.
A atuação, é claro, não foi boa, mas Redknapp o bancou no time no jogo contra o Wolverhampton, e tudo mudou. As polêmicas ficaram para trás, e dali para frente restou o bom moço e o excelente volante armador.
— No momento em que ficou claro que eu não ia a lugar algum, eu sabia que eu deveria continuar a fazer o meu melhor, como eu fiz antes. Nunca passou pela minha cabeça começar a me comportar de qualquer outra maneira. É assim que fui criado, e eu simplesmente não sei fazer as coisas de outro jeito —, Modric relembrou ao “The Guardian”.
Contra os Wolves, 2 a 0 com boa atuação nos noventa minutos. No jogo seguinte, 4 a 0 sobre o Liverpool, e a volta por cima com um golaço logo aos sete minutos de jogo. Mais duas partidas, mais duas assistências e mais duas vitórias, contra o Wigan e no clássico diante do Arsenal.
A tônica seguiria durante o resto da temporada. Foram vinte triunfos dos Spurs na PL, contando com quatro gols e seis assistências do croata, que culminaram na quarta colocação e o retorno do clube à Champions.
A temporada de 2011/2012 foi, indiscutivelmente, uma das melhores da carreira de Modric. A campanha se tornou a segunda em que ele mais passou a bola na carreira, a primeira em número de passes chave por jogo (2,6) em minutos jogados, em cruzamentos certos, em bolas longas, em bolas enfiadas e, por fim, a terceira em assistências.
O desempenho foi tão bom que não foi possível segurá-lo. Ao fim de maio, com a saída de Harry Redknapp e um desejo sólido do Real Madrid de tê-lo na equipe, Modric mais uma vez forçou a barra. Fez novo pedido para ser vendido e para não treinar na equipe principal.
Eventualmente, sua vontade foi aceita, assim como a proposta de 30 milhões de euros do gigante espanhol. No dia 27 de agosto de 2012, foi oficializada sua saída para o clube de Madrid, encerrando sua passagem na Premier League.

O Tottenham pós-Modric
Se para o jogador a transferência foi um sucesso quase que imediato, conquistando a sua primeira Champions League em sua segunda temporada, para o clube londrino foi um pouco traumática.
Depois da saída do meia, o Tottenham viu sua média de pontos cair na Premier League, ficando de fora da Champions League nos três anos seguintes. A situação foi mudar somente em 2015, quando o projeto do treinador Mauricio Pochettino já estava consolidado.
Como todo fim de relacionamento, o tempo ajudou a colocar as questões em outras perspectivas. Em momentos distintos, mas igualmente positivos, clube e jogador ensaiam uma reaproximação, tanto que Modric já afirmou ter se arrependido da maneira que saiu do Tottenham.