Há mais de seis anos, na véspera do Natal de 2016, uma transferência inusitada chamou a atenção simultânea do futebol brasileiro, inglês e chinês. Nessa data, o meia Oscar, então com 25 anos, trocou o Chelsea — que viria a ser campeão da Premier League — pelo Shanghai Port, da China (na época, com o nome de Shanghai SIPG), por 60 milhões de euros (R$ 212 milhões, na cotação da época).
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Oscar fez parte de uma leva de brasileiros — e outras estrelas internacionais — que apostaram na mudança para a China num momento em que o governo do país asiático investia muito dinheiro na liga local. Só entre os brasileiros, Hulk, Alexandre Pato, Renato Augusto, Paulinho e Alex Teixeira seguiram o mesmo caminho.
Mas o que torna o caso de Oscar único é que, além de ter ido para o mercado alternativo enquanto ainda estava em seu auge físico e técnico, com propostas para jogar em outros clubes europeus e presença frequente na seleção brasileira, ele ainda permanece no futebol chinês. O meia resiste como referência do Shanghai, embora tenha um dos maiores salários da liga que passou por uma enorme crise econômica recente, com grandes empresas abortando os investimentos no futebol, estrelas indo embora e clubes sendo punidos por falta de pagamentos a jogadores.
O titular do Brasil na Copa do Mundo de 2014 (onde marcou dois gols, um deles no 7 a 1) nunca mais vestiu a camisa amarelinha desde que se mudou para o Shanghai. A última vez que Oscar foi convocado para a seleção brasileira foi no início da Era Tite, em setembro de 2016.
Quase 200 jogos depois de aterrissar na China, o meia brasileiro, agora com 31 anos, olha para trás com a certeza de que fez a melhor escolha. Oscar deu uma entrevista exclusiva à PL Brasil, por videoconferência, diretamente da sua casa, em Xangai, na manhã chinesa do dia 12 de abril — ainda a noite do dia 11 no fuso de Brasília.
Nela, o meia justificou os rumos que sua carreira tomou e o momento atual na China, além de falar sobre passado, presente e futuro do Chelsea, Premier League, Seleção, nível do futebol brasileiro comparado ao europeu, Neymar, momentos mais marcantes da sua vida esportiva e muito mais.
Confira a entrevista com Oscar:
PL Brasil: Você está no Shanghai Port desde 2016. Já foi campeão nacional, viu a pandemia de covid-19, o futebol do país em crise e paralisado e até a volta mais recente à normalidade. Como está a vida hoje na China?
Oscar: Eu gosto muito de estar aqui, não só na parte do futebol, como na familiar também. Xangai é uma cidade incrível. Realmente o Campeonato Chinês ficou para trás depois da covid, mudou o regulamento em 2021 e 2022, e agora vai voltar aos pontos corridos de antes, com jogos dentro e fora de casa. Estamos felizes que o campeonato vai voltar a ser como era. No ano passado, tive um período em que não estava com o clube por causa da pandemia, fiquei no Brasil por uns sete meses. Agora voltar a jogar futebol é gostoso, vai ser legal esse ano.
Great way to start a new season! ⚽️?? pic.twitter.com/hFX3lOcoFa
— Oscar (@oscar8) April 15, 2023
Mas a vida já está normal, mesmo em termos sanitários? E a família está ambientada?
Oscar: Sim, está normal faz um tempo. O país acabou de abrir para turismo, está normal para quem vem de fora. E meus filhos falam chinês porque chegaram aqui pequenininhos (são três: Julia tem 8 anos, Caio tem 7 e Oscar é recém-nascido). A gente é aquela preguiça, né? Como é uma cidade internacional, falamos inglês aqui. A maioria dos chineses que conhecemos falam inglês, então não usamos muito o chinês. Lógico que eu, por estar muito tempo aqui, entendo bastante, principalmente a parte do futebol, mas falar é mais difícil, é muito diferente do inglês e do português. O que importa é que em campo a gente se entende, é a língua do futebol.
Você falou que o Campeonato Chinês vai voltar ao normal neste ano, e a nova temporada se iniciou nesse fim de semana (15 e 16 de abril). Seu contrato com o Shanghai vai até o fim de 2024. A expectativa é cumpri-lo até o final?
Oscar: A gente nunca sabe. Desde 2019 sempre aparecem algumas coisas para mim, mas nada que me atraiu ou que deu certo para a gente sair daqui. Sempre gostamos muito daqui, eu adoro a cidade e adoro o clube, eles me tratam super bem. Por enquanto, estou feliz aqui e pretendo continuar. Mas como saí da Europa com 25 anos, sempre tive oferta para voltar. Mas nada que ficou muito perto ou que eu realmente batesse o pé para voltar.
Em 2017, durante outra entrevista à PL Brasil, você mencionou que gostaria de voltar para a Europa dali dois ou três anos. Ainda tem esse sonho?
Oscar: Sonho acho que não. Como joguei cinco anos no Chelsea, realizei meu sonho de jogar em um grande clube na Europa. Mas se pintar alguma coisa em um time legal, claro, a gente pode pensar.
E teria alguma liga de preferência?
Oscar: A Premier League é a liga que eu mais gosto. É onde eu joguei, onde eu me adapto muito bem, tem um jogo parecido com o meu, um jogo dinâmico e muito rápido, então foi uma liga que gostei muito de jogar. Se pudesse voltar para a Premier League, seria muito legal. Também gosto da Itália, tenho passaporte italiano.
Olhando para trás, existe algum arrependimento por ter saído para a China? Quais foram as consequências dessa escolha para a sua carreira?
Oscar: Só teve consequência boa, tanto na parte financeira como na parte de conhecer um país e um futebol novo. Acho que aprendi bastante e evoluí aqui. Nos cinco anos que fiquei no Chelsea eu fui muito importante para o time. Saí numa fase em que estávamos ganhando muitos jogos com o (Antonio) Conte. Joguei os primeiros 15 jogos no campeonato e depois machuquei. Daí comecei a ficar no banco de reservas, mas o time continuou ganhando e o Conte foi mantendo. Então eu perdi espaço no time, pintou a oportunidade no Shanghai e eu abracei. Não tenho nenhum arrependimento. Tive uma trajetória linda lá, na carreira consegui fazer tudo o que eu sonhava e também sou muito feliz aqui.
Como o maior salário da liga, a crise financeira do futebol chinês te afetou de alguma forma?
Oscar: Nosso time não teve problemas financeiros. Por causa da covid, muitos times, até os principais como o Guangzhou (ex-time de Felipão, Paulinho, Ricardo Goulart e outros, que perdeu o patrocínio da empresa Evergrande), foram bastante afetados por essa crise financeira que teve na liga. Mas o Shanghai sempre foi 100% confiável, sempre pagou direitinho, e a crise não chegou aqui.
Você ainda acompanha o Chelsea e tem contato com os jogadores da sua época?
Oscar: A gente não tem um grupo de WhatsApp, mas tenho um carinho enorme por todos que jogaram comigo naquela época. Criamos um time que ganhou muitas coisas, fomos campeões duas vezes da Premier League, Europa League, a FA Cup… então tem um carinho quando a gente se encontra. Tenho contato pelo Instagram com Hazard, Willian, Mata, além de Fernando Torres, Diego Costa, Fabregas, Lampard, Terry… Foi uma geração muito legal que ganhou vários títulos juntos.
Qual o seu momento mais marcante com a camisa do Chelsea?
Oscar: Foram vários. Um especial com certeza foi o jogo contra a Juventus, por ser minha estreia na Champions League. Estava todo mundo de olho naquele jogo, entre o atual campeão europeu e a Juve, que era campeã italiana e tinha um timaço. E eu ter feito dois gols, sendo um aquele golaço, foi um dos jogos que marcou. Mas teve muitos jogos importantes, os clássicos contra Arsenal e Tottenham que marquei gols, contra o Liverpool marquei também.
Tem um jogo que sempre lembro na minha cabeça que é bem a cara Premier League. Contra o Arsenal, não estava jogando muito bem com a bola, mas sem ela eu dei uns dez carrinhos, roubei umas dez bolas, lembro que o Mourinho me tirou com uns 80 minutos e saí aplaudido como se tivesse feito uns três gols. Foi uma coisa que pensei “nossa, nem estava jogando muito bem”, mas para eles importa muito essa parte defensiva, de se entregar para o time. Como eu não estava jogando tão bem com a bola, eu estava na raça roubando as bolas e ganhamos esse jogo de 2 a 0, ficou bem marcado na minha cabeça (foi em 5 de outubro de 2014, pela sétima rodada da liga, com gols de Hazard e Diego Costa). Já fiz dois gols, três gols, já dei assistências, já fiz cada jogo incrível, e o que eles mais gostaram foi um que eu roubei muitas bolas, dei carrinho… Isso marca bastante na Premier League.
Esse carinho (e ao mesmo tempo pressão) da torcida te faz falta comparando com os fãs chineses?
Oscar: No Chelsea também não é essa pressão toda também não. No futebol brasileiro tem mais pressão, mesmo quando vai jogar na Seleção. O Chelsea tem uma torcida incrível e a dimensão de jogar a Premier League. Aqui na Ásia, aonde vou tem torcedor do Chelsea. Vou jogar no Japão, na Coreia, na Austrália, aqui na China, sempre o torcedor do Chelsea vem falar comigo. Tem uma torcida enorme na Ásia e na Europa.
Desde que você saiu, vários brasileiros foram para a Premier League, especialmente no meio-campo. Só nessa temporada tivemos Lucas Paquetá, Casemiro, Danilo, João Gomes, Gustavo Scarpa… Como você vê esse movimento, pensando também nas consequências para a Seleção?
Oscar: Para a seleção brasileira é muito importante ter brasileiros jogando em alto nível na Premier League. Tem mais essa parte de volantes, o Fabinho já está há algum tempo, o Casemiro chegou muito bem do Real Madrid. Mais na meia tem o Paquetá, que está num time que não está brigando lá em cima, é um pouquinho mais difícil de jogar. O Bruno Guimarães também está fazendo um campeonato incrível — pelo que eu assisto, é quem mais está se destacando entre os brasileiros.
E tem o Andrey Santos, que vai para o Chelsea.
Oscar: O Andrey vai ser mais estilo Ramires, é um meia/volante. Vi uns jogos dele na seleção sub-20, é um menino que tem uma super oportunidade para dar certo no Chelsea. O Chelsea é um time que é difícil de jogar, que tem sempre muitos jogadores. Agora mesmo contrataram muitos e quase nenhum está dando certo porque é um time difícil de se adaptar. Mas ele tem tudo para conseguir, tem esse histórico de brasileiros que jogam no meio de campo e deram certo.
Você falou com ele?
Oscar: Nunca falei com ele, não. Mas acompanhei porque vi que ele ia para o Chelsea, pensei “deixa eu ver esse menino jogando para acompanhar um pouquinho mais”, então vi na seleção sub-20. É um menino que é forte, que briga bastante pela bola, que sabe jogar, então tem tudo para dar certo.
Oscar, agora voltando ao seu passado de Europa: qual foi o melhor jogador com quem jogou?
Oscar: É difícil falar. Mesmo não estando no auge, joguei com o Ronaldinho Gaúcho e com o Kaká. Poderia falar vários, mas vou falar o Kaká porque foi meu ídolo. Teve muitos jogadores incríveis, como o Hazard e o Neymar no auge. Mas o Kaká foi meu ídolo, e ter jogado com o ídolo marcou bastante para mim
E o melhor que jogou contra você?
Oscar: Acho que o Messi. Teve um jogo que eu estava em campo e ele fez três gols contra a seleção brasileira (um amistoso pré-Olimpíadas de 2012). Mas ganhamos mais do que perdemos dele (risos), então fico feliz com isso.
Em relação a treinadores, qual foi o que mais te entendeu em campo?
Oscar: Acho que com quem eu mais joguei bem na Europa foi o José Mourinho. Mas tive grandes treinadores, gosto muito do Dorival (Júnior), tive uma passagem incrível com ele (pelo Internacional em 2011). Fui treinado pelo Muricy (Ramalho) que me subiu, gosto muito do Conte também, do jeito que ele trabalha e monta o time, teve o Felipão com quem disputei a Copa do Mundo, o Mano Menezes também na Seleção… Tem bastante treinador, é difícil falar um só.
Contando toda a carreira, já dá para eleger um momento mais marcante? Aquela história que vai ser a primeira que você vai contar para seus netos daqui uns anos.
Oscar: Tem bastante jogo marcante. Tem os jogos pela Seleção que marcam muito a carreira de um jogador. Ter jogado uma Copa do Mundo e feito um grande jogo na estreia (contra a Croácia), fazendo gol e dando assistência. Mesma coisa no Chelsea e Juventus, de jogar num grande clube, no melhor campeonato do mundo que é a Champions League e fazer dois gols. No Inter fiz gol na minha estreia pela Libertadores. Tive um pouquinho de sorte nas minhas estreias. Tem bastante história legal.
Falando de seleção brasileira, você acha que o Neymar ainda pode ser o líder desse novo ciclo?
Oscar: Converso bastante com o Neymar, é um cara que tenho um carinho enorme e fora de série. Ele tem que jogar, tem que comandar ainda. Acho que ele está bem fisicamente, se cuida bastante, mesmo tendo essas lesões que nunca esperamos. É um cara que individualmente não tem jogador melhor hoje em dia. Acho que continua sendo o principal jogador brasileiro.
Como você vê essa nova geração? Está faltando um meia que tenha mais as suas características?
Oscar: Acho que hoje em dia tem poucos jogadores parecidos comigo, com o Renato Augusto e com o Ganso. Estamos ficando mais velhos, o Renato e o Ganso até mais que eu. Está difícil de achar um jogador desse jeito. Na seleção o Neymar vinha fazendo esse papel de criar as jogadas, ele é um cara que tem qualidade para fazer isso. Ainda tem o Coutinho, se retomar o bom futebol, e o Everton Ribeiro que eu gosto bastante. Mas se tivesse outras opções para ajudar a seleção iria melhorar.
E o que acha de um treinador estrangeiro na Seleção?
Oscar: Acho que é muito difícil para um estrangeiro vir, porque a imprensa brasileira é diferente e coloca muita pressão, assim como a torcida. Mas também pode ser importante porque são caras que conhecem os jogadores que estão na Europa em alto nível. O Carlo Ancelotti, por exemplo, está acostumado a ganhar grandes títulos na Europa. O Abel Ferreira, que também é cotado, está ganhando tudo no Palmeiras, conhece bem o futebol brasileiro. E se for um brasileiro, vai conhecer os jogadores. Acho que qualquer opção tem que ser respeitada, e que a pessoa faça o melhor para a Seleção voltar a ganhar títulos. O Brasil sempre chega forte na Copa do Mundo, são sempre alguns detalhes que eliminam a seleção, igual à última contra a Croácia.
Você acha que o futebol brasileiro e o asiático estão muito abaixo do europeu?
Oscar: Sem dúvidas o futebol europeu está acima de todos os outros continentes. Acima do futebol brasileiro e muito acima do futebol chinês. Em relação ao futebol brasileiro e o chinês, é lógico que o futebol brasileiro tem mais opções, mas o futebol asiático vem se dando muito bem nos últimos Mundiais de Clubes, fazendo jogos difíceis, então está muito parecido.
O futebol brasileiro tem muito jogador bom, só temos que melhorar a parte tática desde a base. Porque o futebol brasileiro antigamente tinha muito mais qualidade, hoje em dia é mais força e físico. Hoje tem muito mais zagueiro em alta no futebol europeu do que meia e atacante. Lógico que é difícil falar “tem que mudar isso ou aquilo”, mas acho que a gente tem que voltar a ter, como o Vinicius Junior e o Rodrygo, grandes jogadores. Acho que podemos ter mais jogadores do meio para frente em outros times.
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por Diogo Magri e Guilherme Amaro*
*especial para a PL Brasil