Gabriel Jesus tem diversas qualidades. O camisa 9 do Arsenal é quem tem o melhor aproveitamento em dribles em situação de um contra um em toda a Premier League na atual temporada. Está empatado como o artilheiro e o jogador com mais participações em gols nesta Champions League. Mas parece estar sempre “faltando algo”.
Uma das qualidades mais subestimadas do futebol é a disponibilidade. Seu companheiro de ataque, Saka, é a epítome disso: tem recordes de resistência e partidas jogadas pelo clube. Jesus, por outro lado, já perdeu 74 jogos desde que chegou à Europa, em 2017, por algum problema físico, segundo dados do Transfermarkt. A última lesão foi confirmada nesta sexta-feira (27).
Não é nada comparado a Neymar, por exemplo, que perdeu 91 jogos desde o início da temporada 2020/21, mas ainda levanta questionamentos. E a maior crítica – ao menos dos torcedores brasileiros – é sobre sua “falta de instinto matador” para marcar gols.
Em meio a todas essas dúvidas sobre o camisa 9, fica a maior delas: o Arsenal realmente precisa de um novo centroavante?
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É necessário entender o jogador Gabriel Jesus
O início no Palmeiras
Ao analisar o perfil de Gabriel Jesus como atacante nos dias de hoje, é necessário revisitarmos seu surgimento no Palmeiras, em 2015. Um jogador habilidoso, rápido, que se vira bem em curto espaço, de estatura mediana – baixo, se for comparar com outros camisas 9 de ofício – mas que ainda assim era muito perigoso na área. A receita perfeita do ponta brasileiro.
Gabriel nunca foi um camisa 9 tradicional. Sua temporada de “explosão” no Palmeiras em 2016 é exemplo disso. Foi o 5º maior artilheiro do Brasileirão, com 12 gols em 27 rodadas, e seu mapa de calor indica a liberdade que tinha, mas que a maior parte do seu tempo era na ponta-esquerda.
A chegada ao Manchester City
O discurso segue com sua ida ao Manchester City, em janeiro de 2017. Apesar de ser colocado como sucessor de Sergio Aguero, muitas vezes os dois jogaram juntos, com Jesus na ponta. Foi assim, por exemplo, em uma bela sequência em setembro de 2017, quando marcou duas vezes contra o Liverpool, deixou o seu contra o Feyenoord, na Champions League, e voltou a marcar contra o Watford, em três jogos consecutivos.
O esquema do City não o deixava “colado” na ponta, como acontece com Grealish atualmente. Na época, Guardiola usava Mendy, lateral, para dar amplitude máxima na esquerda, e Jesus atuava no meio-espaço por aquele lado. Na prática, era uma espécie de segundo-atacante que interpretava muito bem os espaços para baixar e atacar.
A seleção brasileira
Quando vestia a amarelinha, no entanto, Jesus era outro tipo de jogador – também porque era esperado que fosse alguém que, na verdade, não era. O problema crônico do Brasil de não ter um camisa 9 que rendesse tanto em alto nível contribuiu.
O centroavante que poderia ser Adriano ou Pato, que não foram por razões extracampo e lesões, acabou sendo Jesus. Ele marcou sete gols em 10 jogos nas Eliminatórias para a Copa de 2018 e reacendeu as esperanças para a camisa 9.
A Copa da Rússia, no entanto, trouxe diversos discursos injustos sobre Jesus. O conservadorismo futebolístico não permite que o centroavante passe um Mundial sem marcar gols. Isso é ruim? Evidente que não é de todo bom, mas jamais é o fim do mundo. E não precisamos entrar nesse debate agora.
O ponto é que, como ponta pela direita, Jesus foi um dos melhores jogadores do Brasil campeão da Copa América de 2019. Marcou dois gols e deu duas assistências em quatro jogos, incluindo um de cada na semifinal contra a Argentina.
A ascensão de Richarlison, que passou a fazer mais gols e se mostrar um jogador mais “raçudo” – a versão boleira do populismo – fez com que Jesus perdesse a camisa 9 e, muitas vezes, a vaga no time titular.
Redenção no Arsenal, mas velhos problemas
Jesus chegou no Arsenal “resolvendo problemas” desde os amistosos na pré-temporada 2022/2023. Foram sete gols em cinco jogos, incluindo um hat-trick contra o Sevilla. Pouco tempo depois, participou dos quatro gols do 4 a 2 diante do Leicester, já pela Premier League.
Ainda marcaria contra Bournemouth, Aston Villa, Brentford e Tottenham para aumentar o hype. Mas mesmo no Arsenal ele não era o “camisa 9 matador”, e nem era o que Arteta pedia.
Jesus tinha grande liberdade em campo desde o primeiro momento que vestiu a camisa dos Gunners. Isso contrastava com sua última temporada no City, quando virou um (ótimo) ponta pela direita e se transformou num dos jogadores mais criativos do time (oito gols e oito assistências em 28 jogos na Premier League).
Gabriel passou a percorrer mais campo e, principalmente, sair muito da área para articular jogadas. Já chegou mais experiente, multicampeão e, por isso, os próprios companheiros entendem o brasileiro como um jogador com grande capacidade de desequilibrar.
Jesus não é um falso nove no nível de Roberto Firmino, por exemplo, mas se transformou num 9 com muito mais mobilidade para baixar ao meio-campo do que para romper em direção à área. E essa é uma grande diferença.
E na frente do gol?
A assistência do atacante para Martinelli, no último jogo da Champions League, contra o Sevilla, é um claro exemplo do estilo de Jesus. Habilidoso para girar em cima da marcação, sair da pressão e interpretar os espaços disponíveis: tem um ponta com campo aberto? Então ele tem capacidade para o passe. Caso contrário, teria a capacidade para o drible também.
Mas e na frente do gol, na hora de decidir? Um dos grandes poréns na carreira de Jesus foi a sua falta de faro de gol e isso não é achismo, é comprovado com números. Em toda base de dados da plataforma de estatísticas “Wyscout”, Gabriel Jesus tem média na Premier League (desde que chegou, em 2017), de 0,5 gol por jogo.
É número bastante positivo, apesar de inferior aos grandes “matadores”. No entanto, tem 0,6 de gols esperados (xG) – ou seja, faz menos gols do que o esperado com base nas suas finalizações.
Para efeito prático, ele poderia ter marcado mais gols do que fez nas duas últimas temporadas: marcou 19, mas poderia ter feito pelo menos 25.
Gabriel Jesus e os gols esperados na Premier League
- 8 gols e 10,8 xG em 2021/22 (-2,8)
- 11 gols e 14,3 xG em 2022/23 (-3,3)
Curiosamente, isso não ocorre na Champions League. Há dois anos, sua última edição disputada antes da atual, ele marcou quatro gols em 1,9 de xG, e os números são idênticos nessa temporada. Ou seja, Jesus tende a produzir mais do que o esperado na competição europeia.
Afinal, o Arsenal precisa de um novo camisa 9?
Gabriel Jesus tem dois pontos que dizem “sim” à essa pergunta: sua disponibilidade não tem sido das melhores por conta de lesão e é um jogador que historicamente performa abaixo do esperado em frente ao gol.
Ainda assim, o brasileiro tem 70 gols e 35 assistências em 192 jogos de Premier League, uma média de envolvimento de 0,54 gol por jogo. É um número abaixo dos grandes artilheiros, evidentemente.
A efeito de comparação, Harry Kane tem média de 0,67 gol por jogo na Premier League, além de ter sido maior assistente da liga em uma oportunidade. No Chelsea, Diego Costa teve média de 0,58 gol por jogo na liga. Durante seu auge, Falcao Garcia teve média de 0,76 em LaLiga pelo Atlético de Madrid.
Perceba que são protótipos totalmente diferentes de centroavantes, que também não ofereciam o que Jesus oferece sem bola em fase ofensiva (e principalmente defensiva), e até mesmo com ela no pé.
Opinião e veredito sobre Gabriel Jesus
Acredito que um “defeito” de Jesus conversa com o outro. A pouca disponibilidade e o calendário acelerado fazem com que, muitas vezes, o desgaste acumulado não permita a plena recuperação e isso vire uma bola de neve – é inviável estar 100% dessa maneira.
Gabriel Jesus vai acabar a temporada com 27 anos. Apesar de não ser “velho”, é difícil imaginar que haverá uma curva de crescimento tão grande na sua carreira. Mas ela é totalmente possível, principalmente no quesito em que mais peca: finalização.
Não acredito que substituir o brasileiro seja uma urgência. Afinal, ele perdeu parte importante da última temporada e voltou na reta final da Premier League longe do seu 100% físico. Saudável, poderia ajudar os Gunners na luta pelo título – tirando da equação, claro, a avassaladora sequência do Manchester City.
Um novo centroavante, de características diferentes, é uma ideia totalmente válida para aumentar o arsenal de Arteta. Balogun, por exemplo, seria uma opção, mesmo que ainda não tivesse se provado totalmente no mais alto nível.
O problema é que, contratando um camisa 9 que vá “resolver o problema” no que diz respeito a gols pode minar outras partes do sistema de jogo, mesmo que isso seja adaptável. Mas o grande porém é justamente Jesus.
Ele jogaria em outra função? Não o vejo tirando o espaço de Saka ou Martinelli, por exemplo. Ele simplesmente não jogaria? Seria injusto tirar um jogador que tem performado positivamente da rotação. Sem oportunidades, obviamente marcaria menos gols, o que só afloraria o debate sobre seus números baixos como goleador.
Meu veredito é que o Arsenal não precisa de um novo camisa 9. Não precisa para o vestiário, para as relações pessoais e para a fluidez do esquema. Há o argumento de que precisaria pelo que vemos em campo, mas um jogador que participou de 17 gols em 26 jogos de Premier League (0,65 por jogo) pelos Gunners realmente precisa ser substituído? Acho que não.