Uma nova lei que inclui bullying e cyberbullying no Código Penal brasileiro foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta segunda-feira (15). A partir de agora, esses dois comportamentos passam a fazer parte do artigo sobre constrangimento ilegal, sendo o primeiro passível de multa e o segundo, de multa e prisão.
Em meio a tantos ataques e mensagens de ódio contra jogadores no meio virtual, fica a dúvida: a nova lei do cyberbullying pode impactar o futebol de alguma forma? Como ficaria o caso de jogadores brasileiros que atuam na Premier League — uma lei brasileira pode protegê-los morando fora do país?
Para entender se publicações nas redes sociais com xingamentos e críticas acima do tom aos atletas se enquadram na nova lei, a PL Brasil conversou com Christiano Jorge Santos, professor de Direito Penal na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP).
O que diz a lei do bullying e cyberbullying?
Esta foi apenas uma de várias medidas aprovadas nesta semana pelo Governo Federal para fortalecer, principalmente, a proteção de crianças e adolescentes contra a violência nos ambientes educacionais e virtuais. A lei que criminaliza o cyberbullying, no entanto, não faz diferenciação da idade das vítimas.
A Lei 14.811/24 define o cyberbullying como uma forma de intimidação sistemática realizada “por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real”. O bullying, por sua vez, é definido da seguinte forma:
“Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais”
Qual a pena prevista na lei?
O crime de bullying é passível apenas de multa como pena, se a conduta não constituir crime mais grave. Já uma pessoa condenada por cyberbullying pode pegar prisão de dois a quatro anos além da multa — mais uma vez, se a conduta não constituir crime mais grave.
Essas informações estão disponíveis na íntegra no Diário Oficial da União.
Ataques de ódio nas redes contra jogadores se enquadram como cyberbullying?
Não é raro vermos críticas e xingamentos nas redes sociais quando brasileiros da PL não vivem um bom momento em seus clubes ou quando são convocados para a Seleção Brasileira. Será que esse tipo de publicação se encaixa na nova lei?
Antes de mais nada, é preciso entender que mesmo antes da sanção desta lei, sair xingando atletas — ou qualquer pessoa — na internet, já era considerado crime pelo Código Penal, podendo ser enquadrado como injúria. Santos explica que, apesar de ofender pessoas no ambiente virtual ser algo muito comum, ninguém tem o direito legal de fazer isso, sendo uma situação passível de ajuizamento de ação penal privada por parte da vítima — ou seja, um processo movido pelo ofendido para apuração de crimes contra a honra.
— Então, chamar um jogador de “bagre”, de “mão de alface”, etc, são ofensas. Lógico, nesse caso são ofensas “leves”, vamos dizer assim. Mas não deixa de caracterizar um crime. E o crime de injúria é tão comum – e a legislação dá a vítima o direito de querer processar ou não aquele que ofendeu – que a maioria das pessoas deixa passar. Por isso, as pessoas acham que isso não é nada, mas é.
O Desembargador do TJSP explica que essa revisão veio apenas para complementar a legislação existente, trazendo alguns elementos novos.
— Existe uma diferença muito grande entre uma ofensa, entre um xingamento e uma perseguição, que a nova lei chamou de ‘intimidação sistemática’, realizada por meio da da internet. E isso tem diferença porque uma coisa é ofender, outra coisa é ameaçar, que são crimes já previstos no Código Penal.
O professor explica que “violência psicológica” precisará ser melhor definida por ser um termo relativamente recente na legislação penal brasileira. Mas ele o resume como “uma agressão verbal escrita ou falada que vai tirar a tranquilidade da pessoa”.
O que é intimidação sistemática
Esse, talvez, seja o principal ponto que diferencie a lei das já existentes. Santos relata que o termo “intimidação sistemática” ainda não era usado na legislação brasileira e ele dependerá dos casos levados ao Judiciário para ser melhor compreendido conforme as denúncias forem acontecendo.
— No meu ponto de vista, intimidar sistematicamente significa algo reiterado ou quando várias pessoas ao mesmo tempo, já previamente ajustadas para isso, realizam esse ataque.
É importante frisar que essa intimidação, para ser considerada sistemática, deve ser feita de forma planejada ou combinada, mesmo que os suspeitos não se conheçam pessoalmente ou que seja praticada por apenas uma pessoa.
— Se várias pessoas coincidentemente fazem uma crítica pesada ou até mesmo um xingamento a alguém numa rede social, sem que elas estejam ligadas ou previamente ajustadas, se elas não estão juntas fazendo isso, não vai ser sistemático, mas individual. Então, já não cai nesse crime.
Jogadores brasileiros na Inglaterra podem denunciar alguém a partir da lei de cyberbullying?
Este é outro ponto que torna a aplicação da lei um pouco mais complexa. O Desembargador explica que crimes virtuais que envolvem mais de uma localidade entre os envolvidos dependem de “uma série de circunstâncias” para serem apurados, mesmo quando o suspeito e a vítima são brasileiros.
O local onde a vítima toma conhecimento do ataque, se os suspeitos são de vários lugares diferentes, se os ataques são feitos por apenas uma pessoa, mas em diversos locais… Tudo isso pode mudar a forma como a ação será investigada e punida.
Entidades precisam se organizar para diminuir a onda de ódio contra atletas
Apesar de aprovação da lei ter sido vista como uma vitória contra a disseminação de mensagens de ódio nas redes sociais, quando se fala do âmbito esportivo, Santos acredita que é necessário mais do que apenas a ação da legislação.
Na visão dele, dificilmente um atleta terá disposição para contratar uma equipe jurídica pessoal que acompanhe esse problema nas suas redes sociais, até porque isso poderia ter uma repercussão negativa com a torcida. O professor entende que clubes e federações precisam se movimentar para respaldar esses atletas.
— As federações, os clubes, as entidades de jogadores precisam se organizar para defendê-los porque se ficar na mão de um jogador para ele contratar um uma equipe jurídica, ou uma assessoria, ou que seja pra ficar acompanhando isso, ele fica louco. É impraticável.
Continua o Desembargador do TJSP:
— Acho que é importante a imprensa futebolística começar a contribuir mais com essa educação do torcedor, sabe? No sentido de ‘faça crítica, mas sem xingar’. Mas é que virou uma coisa desde o estádio, né? Você vai ao estádio para xingar. Então, na internet a pessoa também continua xingando. Só que aqui ela deixa a prova, aqui ela deixa o nome, a expressão que ela usou. Então, ela está sujeita a ser punida.