As origens da icônica narração esportiva inglesa

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Se você é (ou foi) um jogador assíduo de Fifa durante algum período em sua vida, você já ouviu a voz desses senhores. Ou pelo menos de um deles. A outra possibilidade é você ser algum dos muitos inveterados que gostam de assistir jogos da Premier League na narração esportiva original. Tudo bem, não irei lhe julgar.

Mas o fato é que hoje desfrutamos da icônica voz de Martin Tyler em nossos consoles e TV’s. E isso não vem do nada. Se estiver disposto a caminhar comigo pela história das transmissões de futebol no berço do esporte, aposto que será uma viagem aprazível.

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Para tanto, devemos voltar a 1927. Naquele ano, um poderoso Newcastle United liderava a English Football League. Huddersfield Town e Sunderland seguiam-no de perto.

No dia 22 de Janeiro, Arsenal e Sheffield United se enfrentaram em Highbury, casa dos Gunners. Contudo, o resultado de 1 a 1 não refletiu um aspecto muito mais importante contido naquela partida: a primeira transmissão radiofônica de uma partida de futebol.

Em uma estrutura de madeira próxima ao campo, Henry Blythe Thornhill Wakelam, um ex jogador de rugby, se esforçava ao máximo para transmitir aos seus ouvintes as emoções da partida.

Henry Blythe Thornhill Wakelam, o primeiro comentarista de futebol (Foto: Corinthian 1882)

Para facilitar a visualização dos acontecimentos, a rádio publicou em seu impresso Radio Times um “mapa” do campo, dividido em oito quadrantes.

O mapa do campo publicado pela BBC (Imagem: BBC)

Porém, como diria uma saudosa propaganda tupiniquim: o tempo passa, o tempo voa. Avançamos agora para 1937. A BBC havia estreado seu serviço de transmissão televisiva há um ano, e chegara a hora de experimentar novos campos.

Em 16 de Setembro daquele ano, organizou-se uma partida amistosa entre os titulares e os reservas do Arsenal. Assim, transmitiu-se a primeira partida de futebol pela televisão. Alguns outros jogos (inclusive da seleção) foram transmitidos naquele ano, mas todos ainda em caráter experimental.

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Por mais duas décadas, as únicas partidas transmitidas com regularidade eram as finais da Copa da Inglaterra. Contudo, o advento dos holofotes nos estádios tornou possível a realização das partidas em horários antes impossíveis. Junto a isso, criou-se a European Cup, como uma competição de meio de semana para os campeões das ligas do velho continente (aposto que já sabem onde isso vai dar).

(Foto: BBS)

A recém-criada competição foi abraçada por uma rede de televisão britânica igualmente imberbe: a ITV. Simultaneamente, a BBC começou a transmitir destaques das partidas da Division One no seu programa Sports Special em 1955.

Naquele programa da BBC, de forma incauta surgia um nome que faria história: Kenneth Wolstenholme.

Senhoras e senhores, uma lenda: Kenneth Wolstenholme (Foto: BBC)

Kenneth foi aos poucos tornando-se a voz da transmissão televisiva de futebol. E mesmo que a tecnologia e os próprios programas ainda dessem passos incertos quanto ao futuro, Wolstenholme definiu como se deveria fazer aquele trabalho.

Seu momento mais emblemático foi durante a Copa do Mundo de 1966, sediada na Inglaterra. Na final contra a Alemanha, a Inglaterra ganhava por 3 a 2 e garantia o troféu após um duro jogo. E nos segundo finais, conforme Geoff Hurst avançava, as palavras de Kenneth se eternizariam:

“Some people are on the pitch… they think it’s all over… it is now!”

Kenneth ainda comentaria grandes jogos, como as finais da European Cup de 1967 e 1968. Se aposentou de forma parcial nos anos 80, aparecendo na televisão apenas em ocasiões e programas especiais. Um fato curioso é que apareceu no game FIFA World Cup 98 como comentarista solo no modo de partidas históricas.

Wolstenholme era torcedor fanático dos Bolton Wanderers. No último jogo da equipe no clássico estádio Burnden Park ele foi convidado de honra. O lendário narrador faleceu em 2002. As palavras “They think it’s all over, it is now” estão gravadas em pedra na cidade de Bolton.

Contudo, cabe aqui uma análise das mudanças ocorridas até então. Traçando um paralelo de comparação entre o Brasil e a Inglaterra, veremos que as vozes que comandam as transmissões esportivas aqui são comumente chamadas de “narradores”. Já na terra da rainha, são tratados por “comentaristas”.

De certo modo, a conclusão é óbvia. No Brasil, padronizou-se na televisão um modelo de transmissão surgido no rádio. Assim, a ideia geral é de que é preciso descrever ao ouvinte (ou telespectador) tudo que ocorre em campo.

Na Inglaterra, Wolstenholme e seus sucessores optaram por outra visão em meios televisivos: a de que deviam opinar sobre o que acontecia em campo.

Para exemplificar, usaremos a partida entre Brasil e Inglaterra em 2013. Notem como Galvão Bueno e Martin Tyler (chegaremos a ele) falam sobre os gols, o que os antecedem e procedem.

Importante esclarecer aqui que nosso objetivo é apenas elucidar diferenças básicas entre as visões do esporte nos dois países.

É claro que o “comentarista” inglês também se vê obrigado a “narrar” certos momentos da partida de forma semelhante ao seu colega tupiniquim. Mas de forma geral é uma transmissão muito mais opinativa de toda a equipe envolvida. Esse papel, por aqui, é relegado somente ao companheiro de jornada do “narrador”.

Com essa base histórica estabelecida, chegamos a uma era mais moderna nas transmissões futebolísticas inglesas. E nesse ínterim, um jovem recém-graduado começava a construir sua carreira na ITV.

Seu nome era Martin Tyler.

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OK, já podemos aplaudir? (Foto: Mirror)

 

Tyler comentou, durante a década de 1980, diversos campeonatos europeus, uma Copa do Mundo e, é claro, jogos da Liga. Mas em 1990, chateado por ainda estar relegado a um papel secundário na emissora, assinou um contrato com a (hoje) Sky Sports.

Com o tempo, a ITV deixou de ser a dona dos direitos de transmissão da liga, e a recém-criada Premier League tornou-se parte da grade da Sky Sports. Após uma década de existência da competição, Tyler ganhou o prêmio de “Premier League Commentator of The Decade“.

Mais do que isso, o homem tornou-se a voz mais reconhecida do esporte bretão. Tanto que a própria Premier League o contratou para que sua voz fosse incluída nas produções próprias da liga.

Martin Tyler é famoso fora de terras da rainha também. Já foi a voz de finais de Champions League e comandou a transmissão de Copas do Mundo para a América do Norte.

Sem dúvida, Tyler é um dos pilares da história da narração esportiva inglesa. Porém, acima disso está o que o trabalho dele representa: uma forma de complemento do espetáculo do futebol.

Os comentaristas (e narradores) nos envolvem na transmissão; nos ajudam a compreender as dimensões do show que assistimos. E para encerrar e exemplificar, um dos (senão “o”) momentos mais inesquecíveis narrador por Martin Tyler.

Gabriel Reinehr
Gabriel Reinehr

Graduando em Jornalismo pela UFSM. Não nega que o futebol é uma das suas paixões.