Quando Mourinho e Guardiola foram anunciados por Manchester United e Manchester City, respectivamente, criou-se muita expectativa. Mas para entender completamente o que está envolvido nesse duelo Mourinho x Guardiola é necessário voltar no tempo e perceber que, mais que um conflito entre dois técnicos, é um conflito entre conceitos e épocas distintas no futebol.
Há duas temporadas, o mundo acompanhou atento enquanto dois times da cidade portuária de Manchester, na Inglaterra, anunciavam a contratação de dois dos grandes nomes do futebol mundial: Pep Guardiola, no Manchester City; e José Mourinho, no Manchester United, reeditariam, agora na mesma cidade, a rivalidade entre os dois grandes treinadores de futebol do planeta no início da década.
Hoje, duas temporadas depois, o Manchester City é o atual campeão inglês depois de praticamente passear em campo nas 38 rodadas. Enquanto isso o rival United ainda parece sofrer para encaixar um futebol de fato convincente.
Para entender o cenário atual, contudo, é necessário voltar quase dez anos, bem antes dos dois chegarem a Manchester.
É necessário retornar a 2009, quando Pep assumiu o Barcelona, e compreender os rumos dos dois treinadores e da maneira de jogar futebol no mundo desde então.
Temporada 2008/2009: quando Guardiola começou, Mourinho era o cara
Quando Guardiola assume o Barcelona no início da temporada 2008/2009, José Mourinho era o grande e indiscutível nome entre os treinadores de futebol.
Enquanto Guardiola começava sua carreira, Mourinho já tinha conquistado duas vezes a Premier League com o Chelsea e uma vez a Champions League com o Porto. Além disso, os títulos que o levaram a ser considerado o melhor treinador do planeta durante todos esses anos.
Contudo, logo no primeiro ano de Pep à frente do Barça, o time ganhou praticamente tudo o que disputou: La Liga, Copa do Rei, Supercopa da Espanha, UEFA Champions League, Supercopa Europeia e o Mundial de Clubes da FIFA. Ainda não era possível ver isso com tanta clareza, mas a temporada 2008/2009 marcou, com Guardiola, o início de uma nova era do futebol mundial.
Guardiola foi certamente o responsável por iniciar, naquela fatídica temporada, uma completa revolução na maneira de se jogar futebol.
Ter uma filosofia e um conceito de jogo modernos passou a ser, cada vez mais, obrigatório para os clubes que quisessem se manter competitivos em um cenário futebolístico tão forte e bem equipado como é a Europa.
De lá pra cá, outros nomes surgiram. Embora com estilos muito diferentes entre si, Klopp, Sarri, Pochettino, Simeone, Conte, Lopetegui, Sampaoli e tantos outros assimilaram conceitos da modernidade como velocidade, ocupação de espaço e movimentação tática a diferentes propostas de jogo, dando início a uma nova era no futebol. Cada vez mais, ou você se adequa aos tempos modernos, ou fica para trás.
Pep x Mourinho
Na temporada seguinte, 2009/2010, Mourinho e Guardiola se encontraram na semifinal da Champions League, quando uma defesa muito bem montada na Internazionale por Mou levou a melhor sobre o Barça de Pep. Foi o primeiro grande embate entre os treinadores e o português conseguiu a classificação e depois o título europeu.
Até então, o histórico nos confrontos entre Mou e Pep era equilibrado. Porém, quando Mourinho foi para o Real Madrid, a história começou a mudar.
Foram 11 confrontos entre os dois treinadores num período de 18 meses na Espanha. E foi quando a vantagem de Guardiola começou a ficar cada vez maior. Nesses 11 jogos, foram 5 vitórias do Barça, 4 empates e apenas 2 vitórias do Real.
Posteriormente, Mourinho começou a dar sinais de que não conseguia mais – ou pelo menos não fazia questão disso – acompanhar a avassaladora transformação pela qual passava o futebol.
A exemplo do que aconteceu com muitos treinadores nesse mesmo período, Mourinho continuava fiel ao que praticava nos anos anteriores e intransigente às mudanças. E a exemplo desses outros treinadores, Mourinho foi ficando para trás no cenário das competições de futebol europeu.
Pior que isso: cada vez mais, Mourinho foi se transformando em uma espécie de anti-Guardiola, anti-modernidade. E aqui é importante dizer que ter uma filosofia de jogo moderna não necessariamente implica um jogo ofensivo como o de Guardiola.
Um treinador pode prezar por outros estilos, inclusive o jogar mais defensivamente, e ainda ser moderno. Isso é o que vem fazendo, por exemplo, Diego Simeone de maneira brilhante no Atlético de Madrid. Com Mourinho, é diferente.
Ainda apegado a fórmulas bem-sucedidas no passado, o português resiste à evolução e os times montados por ele perdem um pouco seu espaço.
Mourinho x Guardiola: os dois treinadores atualmente
Enquanto o Manchester City de Guardiola encanta, o United de Mourinho rende muito menos que o esperado. E não apenas joga defensivamente. Hoje, é algo mais preocupante que isso.
A postura extremamente reativa do Manchester United em inúmeros jogos contra equipes muito inferiores tecnicamente não apenas preocupa. Isso faz pensar se esse time, com tantos ótimos jogadores, não poderia render muito mais do que tem mostrado.
É inconcebível que um time com De Gea, Pogba, Sánchez, Lukaku e outras estrelas enfrente equipes menores da Premier League sem ter uma proposta de jogo ofensiva, sem tomar a iniciativa da partida.
Mesmo com o vice-campeonato na última Premier League, o Manchester United em nenhum momento foi um candidato ao título e terminou 19 pontos atrás do City.
Caiu na Champions League diante do Sevilla praticamente sem assustar a equipe espanhola. E o resultado certamente não é o mais problemático, mas sim o desempenho e a postura do time nos jogos.
Hoje, falar em um duelo Mourinho e Guardiola é quase injusto com o português. Não existe, praticamente, uma competição. Pep está indiscutivelmente à frente e outros nomes começam a surgir.
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Mourinho foi o grande nome do futebol no início dos anos 2000. Seus feitos históricos à frente de Porto, Chelsea e Inter de Milão certamente jamais serão apagados ou esquecidos. Mesmo assim, hoje, Mou está ficando para trás.
Ainda assim, o confronto direto entre os dois ainda é algo extremamente prazeroso de se assistir. Em alguns jogos, a estratégia de Mourinho pode dar certo, como foi na espetacular virada do United por 3 a 2 na última temporada.
Mas, a longo prazo, dentro de um campeonato ou de uma competição, existe atualmente uma diferença muito grande entre os dois treinadores.
A Premier League está, sem dúvida, evoluindo cada vez mais e se abrindo a novos treinadores e novos conceitos.
O Chelsea com Sarri, o Liverpool com Klopp, o Tottenham com Pochettino, etc, vão transformando o que já era o melhor campeonato do mundo em uma liga que tem potencial para se tornar também uma referência tática.
Em meio a isso, José Mourinho tenta sobreviver em um esporte cada vez mais competitivo e quem sabe, se reinventar. Competência para isso ele tem, e todos nós sabemos.
Resta saber se ele tem disposição a mudar seu estilo e se vai responder à altura ao novo momento do futebol mundial. De qualquer forma, ganha o espetáculo do futebol inglês e ganhamos nós, os apaixonados.